Nove órgãos de comunicação de Timor-Leste violam Código de Ética Jornalística nos últimos dois trimestres

"Se os jornalistas não respeitarem as regras, o público será o principal prejudicado", afirmou Alberico Da Costa Júnior/Foto: DR

De julho a dezembro de 2024, nove órgãos de comunicação social timorenses infringiram o Código de Ética Jornalística. Entre as violações destacam-se julgamentos públicos, uso de estereótipos de género e ausência de contraditório.

De julho a dezembro de 2024, nove órgãos de comunicação social em Timor-Leste violaram o Código de Ética Jornalística, segundo o relatório da Monitorização e Análise dos Produtos Jornalísticos dos Meios de Comunicação Social do Conselho de Imprensa. As onze infrações incluem julgamentos pela imprensa, ausência de confirmação de informações e reforço de estereótipos de género. As irregularidades foram verificadas em meios de comunicação online, televisões e jornais impressos.

O diretor da Direção de Análise e Disseminação de Média (DADM), Alberico da Costa Júnior, afirmou que o Código de Ética é claro, mas “respeitá-lo continua a ser um desafio”. Segundo ele, muitas notícias utilizam linguagem discriminatória, especialmente em temas relacionados com mulheres e crianças. Para o diretor, o problema não reside apenas nos jornalistas, mas também nos editores e chefes de redação, que “têm o dever de garantir que as notícias sigam os princípios de objetividade e imparcialidade”.

De acordo com o relatório, as infrações foram cometidas por meios de comunicação de diferentes formatos. Nos meios online, destacam-se Timor Post Online, SMNews, SAP News e Guardamor TV. Nas televisões, as violações foram atribuídas a TVE, Grupo Media Nacional (GMN) TV e RTTL, enquanto os jornais impressos Dili Post e Suara Timor Lorosa’e (STL) também figuram na lista. O Conselho de Imprensa detalhou ainda algumas das infrações cometidas.

No caso da RTTL, o título “Presidente José Ramos-Horta preocupado com casos de abandono de bebés” foi considerado correto, mas o lead (primeira frase) foi criticado por culpar genericamente as mães. O texto referia que o Presidente pediu às mães que entregassem os bebés às instituições, reforçando a ideia de que a responsabilidade sobre as crianças recai exclusivamente sobre as mulheres. Segundo o Conselho de Imprensa, esta formulação contribui para a perpetuação de estereótipos de género, uma prática condenada pelo Código de Ética.

A GMN TV também foi criticada por ter publicado o título “PNTL assegura mulher que tentou abandonar bebé no mercado de Comoro”. O título foi considerado inadequado, pois faz um julgamento prévio e definitivo, sem o uso de expressões de dúvida, como “suposta tentativa”. Além disso, o Conselho apontou que o uso da palavra “mulher” reforça o estereótipo de género, responsabilizando exclusivamente as mulheres em casos de abandono infantil.

O jornal STL foi igualmente alvo de críticas por um caso semelhante. No título “Horta pede que não se abandonem bebés no lixo”, o lead mencionava que “as mães que não cuidarem dos seus filhos devem entregá-los a instituições”, o que, para o Conselho, reforça a generalização de que as mães são as únicas responsáveis pelas crianças. A formulação foi classificada como discriminatória e estereotipada, violando o Código de Ética, especialmente no que diz respeito à cobertura de temas relacionados com género.

O preconceito de género também foi promovido pelo Dili Post na notícia intitulada “Partos, Abandono; Mãe sem coração”, ao acusar e julgar a mulher sem procurar compreender as circunstâncias do acontecimento. O título reflete meramente a opinião do jornalista ou editor, e não de uma fonte, sendo acusatório por não utilizar uma expressão de dúvida, como “suspeita-se”.

Outro exemplo de infração ocorreu com a TVE e a SMNews, que transmitiram ao vivo uma conferência de imprensa contra o decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL). Durante a transmissão, foram feitas acusações contra o decano sem que o mesmo tivesse oportunidade de responder. O Conselho considerou que os meios não garantiram o contraditório, violando assim o princípio da imparcialidade. A prática foi considerada um caso claro de “julgamento pela imprensa”, uma infração grave prevista no Código de Ética.

A mesma infração foi cometida pela SAP News TL na sua transmissão em direto sobre a crítica do Senado da Faculdade de Agricultura à prática de nepotismo na UNTL, ao acusar o chefe do Departamento de Pescas e Ciência Marinha, Abílio da Fonseca, sem garantir o contraditório.

Também a GMN TV, na notícia intitulada “Associação Académica da UNTL pediu ao reitor da UNTL que exonerasse Abílio Fonseca da Faculdade de Agricultura”, não cumpriu o requisito de ouvir ambas as partes, não apresentando a resposta do acusado. Embora a redação do título e do lead seja considerada adequada por não ser sensacionalista nem acusatória, o corpo da notícia inclui diversas acusações e julgamentos, sem garantir o equilíbrio necessário.

O caso da Guardamor TV envolveu a publicação da notícia “Possibilidade de Xanana Gusmão liderar o Conselho de Segurança da ONU”. O Conselho de Imprensa concluiu que a notícia era infundada, pois não apresentava nenhuma fonte credível que sustentasse a informação. O conteúdo foi classificado como “fake news” e o título foi considerado enganador por induzir o público a acreditar na veracidade da informação.

Outro episódio relevante foi o do Timor Post Online, que publicou a notícia “Rogério Lobato e Ricardo Nheu suspeitos de cobranças ilegais”. Embora o título usasse o termo “suspeitos”, o Conselho de Imprensa criticou o corpo da notícia, que não trouxe o ponto de vista dos acusados nem incluiu a devida confirmação dos factos. Assim, o Conselho considerou que houve uma clara violação do princípio da imparcialidade e apontou a prática de julgamento pela imprensa, uma falha frequente nas redações.

Outra infração cometida este ano foi a identificação da vítima de abuso sexual no lead da notícia. O erro de mencionar uma vítima ou sobrevivente de um crime, que é também menor de idade, foi cometido pela RTTL E.P. na notícia sobre a identificação, pela PNTL do município de Díli, de sete suspeitos do crime.

Perante as infrações, o Conselho de Imprensa recomenda maior rigor na publicação de notícias. Sugere ainda que as redações evitem transmissões ao vivo de conferências de imprensa, especialmente quando há risco de serem feitas acusações infundadas. Além disso, destacou a importância de oferecer o direito de resposta às pessoas mencionadas nas notícias e evitar o uso de expressões acusatórias ou julgamentos prévios.

O Conselho de Imprensa também alerta para o uso indiscriminado de transmissões ao vivo, especialmente em conferências de imprensa, onde o conteúdo pode incluir declarações difamatórias ou acusações sem provas. O órgão considera que as transmissões ao vivo não constituem um produto jornalístico completo, uma vez que não são editadas nem analisadas antes de serem divulgadas ao público.

O conselheiro Francisco Simões afirmou que a evolução desde 2016, ano em que a Lei de Comunicação Social entrou em vigor, tem sido positiva. Destacou que as formações realizadas pelo Conselho de Imprensa, de 2017 a 2024, resultaram numa redução do número de infrações. No primeiro semestre de 2024, foram registadas 17 infrações, enquanto no segundo semestre o número caiu para 11.

Para Simões, “o esforço conjunto de jornalistas, editores e chefes de redação está a dar frutos, mas é preciso não baixar a guarda”. O conselheiro sublinhou que o trabalho do Conselho de Imprensa não se limita a fiscalizar, mas também a formar e orientar os jornalistas. Nesse sentido, o Conselho compromete-se a continuar a realizar visitas de proximidade às redações e a manter o diálogo com os profissionais do setor.

O relatório trimestral recomenda ainda que os jornalistas e editores relembrem os manuais de jornalismo inclusivo e de cobertura de violência baseada no género antes de publicar notícias relacionadas com mulheres, crianças, pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis. O objetivo é garantir que as notícias respeitem os princípios do jornalismo universal e os direitos humanos.

A aplicação de sanções foi considerada necessária em alguns casos. O Conselho de Imprensa emitiu notas informativas a três meios de comunicação durante o terceiro e o quarto trimestres de 2024, alertando para a necessidade de maior rigor no cumprimento das normas éticas. Ao contrário do que ocorreu no primeiro e segundo trimestres, neste período o Conselho não recebeu queixas formais do público sobre as publicações, o que pode indicar uma melhoria nas práticas editoriais.

O que está em jogo?

Para o Conselho de Imprensa, a qualidade dos produtos jornalísticos é uma responsabilidade que deve ser partilhada entre jornalistas, editores e chefes de redação. A formação contínua e a supervisão próxima das redações são fundamentais para garantir a aplicação do Código de Ética Jornalística. “Se os jornalistas não respeitarem as regras, o público será o principal prejudicado”, afirmou Alberico Da Costa Júnior.

O relatório conclui que os meios de comunicação social em Timor-Leste têm feito progressos, mas que a supervisão e a formação contínuas são fundamentais para reduzir as infrações. Além disso, o Conselho de Imprensa defende que os jornalistas e as redações devem assumir uma maior responsabilidade na verificação das informações antes da publicação.

O relatório do Conselho de Imprensa de Timor-Leste demonstra que, apesar dos avanços, ainda há desafios significativos no cumprimento do Código de Ética Jornalística, especialmente em questões de imparcialidade, sensibilidade de género e transparência. No entanto, o esforço para reforçar as boas práticas e a responsabilidade editorial já está a mostrar resultados positivos, com uma redução gradual do número de infrações.

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