Lafaek pode comprometer a Administração Pública e a Confiança Pública em Timor-Leste

"O Papa Francisco advertiu que Timor-Leste não deve ser LAFAEK, mas muitos timorenses parecem dispostos a tornar-se Lafaek"/Foto: DR

O dever da administração pública é implementar e executar políticas de forma eficaz, gerir recursos de maneira eficiente e atender às necessidades públicas. No entanto, na realidade, gestores e dirigentes na administração pública frequentemente recorrem a práticas como a corrupção, conluio e nepotismo. A corrupção manifesta-se de várias formas, como subornos e manipulação de processos. Quando os funcionários aceitam subornos para ignorar regulamentos, o sistema como um todo fica comprometido. Isso não só afeta a qualidade dos serviços, mas também cria um ambiente de irresponsabilidade. Conluios frequentes envolvem a criação de projetos fictícios ou a má utilização de recursos. Quando funcionários públicos conspiram com entidades privadas para beneficiar certas partes interessadas, resultam em gastos inadequados e alocação errada de recursos. Estas práticas têm um impacto negativo na comunidade e reduzem ainda mais a confiança pública. O nepotismo na administração pública dá prioridade a ligações familiares em vez de mérito, o que leva à incompetência em papéis cruciais. Quando as decisões são baseadas em relações pessoais e qualificações e mérito são ignorados, a eficácia organizacional é prejudicada, perpetuando uma cultura de favoritismo. Estas práticas, coletivamente, reduzem a confiança pública, comprometem a boa governação e dificultam as reformas positivas.

A erosão da confiança significativa que ocorre na administração pública hoje é resultado de gestores e dirigentes governamentais darem prioridade a relações pessoais, familiares ou políticas, em vez de mérito. Pior ainda, estes gestores desafiam a lei em vigor por razões políticas injustificadas, colocando forças destrutivas nas instituições do Estado, comprometendo a promoção da boa governação e a transformação do sistema em Timor-Leste. Dados estatísticos do Banco Asiático de Desenvolvimento e levantamentos nacionais realizados por ONG’s locais mostram uma diminuição significativa na confiança pública, de 65% em 2018 para apenas 45% em 2022. Isso reforça também a Pesquisa sobre Governação e Prestação de Serviços de 2021, que indica que apenas 40% dos cidadãos confiam no governo. Este ceticismo pode dificultar uma governação eficaz, pois os cidadãos terão menos probabilidade de cooperar ou apoiar iniciativas vistas como contaminadas pela corrupção. Concretamente, investigações sobre contratos públicos mostram que vários projetos de infraestrutura são adjudicados a empresas pertencentes a familiares de gestores ou altos dirigentes. Relatórios indicam que, muitas vezes, esses contratos resultam em serviços de baixa qualidade e não cumprem os termos contratuais. Em outros casos, práticas de contratação frequentemente favorecem indivíduos com base em ligações familiares ou políticas. Uma ONG local relatou que, em 2023, aproximadamente 60% das novas contratações para cargos governamentais estavam ligadas a políticos atuais, prejudicando o princípio de meritocracia necessário para uma governação eficaz.

Estas práticas são frequentemente associadas à corrupção: relatórios indicam que até 30% dos contratos públicos podem envolver práticas corruptas, segundo o Relatório Global de Corrupção da Transparência Internacional. Isso representa um desafio significativo, pois desvia recursos públicos de serviços e infraestruturas essenciais. Falta de responsabilidade: uma pesquisa de 2022 da Asia Foundation mostrou que mais de 60% dos entrevistados acreditam que funcionários corruptos não enfrentarão consequências pelos seus atos. Essa perceção prejudica o Estado de direito e enfraquece a confiança pública no governo, permitindo uma cultura de impunidade. Ineficiência: Dados do Banco Mundial indicam que a satisfação com os serviços públicos caiu drasticamente, de 65% em 2018 para apenas 45% em 2021-2022. Os cidadãos sentem frequentemente que as suas necessidades não são atendidas, gerando frustração e desilusão. A negligência dos serviços públicos para favorecer agendas pessoais leva à má administração. A ineficiência na prestação de serviços piora ainda mais quando se dá prioridade a agendas pessoais em detrimento do bem-estar público. Exploração: A exploração de cargos públicos para enriquecimento pessoal é evidente nas ações de alguns líderes, que tratam as suas posições como oportunidades para extração de recursos, sem preocupação com o bem-estar público. Tratar cargos públicos como meios para obter recursos, sem se preocupar com o bem-estar público, compromete seriamente a credibilidade das instituições governamentais em Timor-Leste. A falha em promover uma boa governação, como demonstram estas observações empíricas, coloca em risco os esforços de transformação do sistema em Timor-Leste.

De acordo com as descrições acima, a administração pública continuará a ‘deteriorar-se’ se continuar a operar nestes moldes:

Perda de Legitimidade: A imagem negativa e a desconfiança pública em relação às ações dos dirigentes levarão automaticamente à perda de legitimidade. Pior ainda, práticas de corrupção ou manipulação da lei farão com que a população acredite que os dirigentes estão mais preocupados com benefícios pessoais do que com o serviço público. Quando a legitimidade se perde, os cidadãos tornam-se cínicos em relação aos processos políticos e desconfiados das motivações do governo.

Aumento da Corrupção: Dirigentes ou altos funcionários públicos, que detêm confiança política, envolvem-se abertamente em negociações para cargos, projetos e criação de empregos sem respeitar as necessidades institucionais. As decisões deixam de ser baseadas no mérito ou na justiça, mas sim em favoritismo e suborno. Isso enfraquecerá ainda mais as instituições que deveriam salvaguardar o bem público.

Instabilidade Social e Económica: A existência de uma administração pública sem credibilidade enfraquece a capacidade dos governos de fornecer serviços básicos. A incapacidade de garantir percentagens de lucro privado em projetos de infraestrutura, educação, saúde e outros serviços essenciais resultará em distúrbios sociais, desastres e um colapso económico.

Enfraquecimento dos Processos Democráticos: Num sistema sem princípios morais, os dirigentes procuram reforçar o seu poder por meios ilícitos, minando a democratização. Haverá manipulação, destruição da liberdade de expressão e restrição ao acesso à informação. Isso resultará na erosão das normas democráticas, fazendo com que o governo funcione sem controlo e equilíbrio significativos, deixando os cidadãos desprotegidos.

Em países onde a democracia funciona bem, a administração pública apoia o Estado, garante a responsabilização e promove a transparência. As palavras finais de Sua Santidade o Papa Francisco sobre Lafaek refletem uma lição valiosa para o povo timorense. O Papa Francisco advertiu que Timor-Leste não deve ser Lafaek, mas muitos timorenses parecem dispostos a tornar-se Lafaek. Comentários sobre a erosão dos valores culturais ressoam profundamente neste contexto, onde questões de moralidade e respeito pelos recursos públicos estão a ser perdidas. As reflexões do Papa Francisco sobre os valores culturais e sua ênfase na manutenção da integridade e respeito pelos recursos comunitários servem como um lembrete da necessidade de preservar o património cultural e os padrões éticos. Esta mensagem serve como um convite a todos para reafirmar e fortalecer os seus valores, cultivando um espírito de respeito e responsabilidade. A mensagem também convida a um diálogo amplo sobre como equilibrar progresso e preservação cultural, garantindo que as futuras gerações herdem uma sociedade baseada no respeito e nos valores transmitidos pelos antepassados.

A mensagem sublinha uma questão crítica em Timor-Leste: a tensão entre progresso e preservação de padrões éticos na governação. A priorização de benefícios pessoais sobre o serviço público dentro da administração pública, cometida pelos próprios funcionários públicos, mostra um desafio sistémico profundo que pode corroer tanto a integridade institucional como a confiança pública. A menção a Lafaek, associada a práticas corruptas, tornou-se emblemática das ações dos funcionários da administração pública que priorizam benefícios pessoais em detrimento do serviço público. Funcionários públicos, gestores ou dirigentes parecem não só desconsiderar princípios éticos, mas também optam por ignorar princípios morais fundamentais, inclusive ensinamentos sagrados enquanto cristãos.

Como sublinhou Sua Santidade o Papa Francisco, os valores que seguimos devem orientar as nossas ações. No entanto, muitos utilizam as suas posições e esquecem a essência desses ensinamentos, como o apelo a “dar a César o que é de César” e “a Deus o que é de Deus”. As ações desses indivíduos, que exploram os recursos públicos para interesses pessoais, pintam uma imagem negativa da administração pública. As suas escolhas não apenas traem a confiança dos cidadãos que servem, mas também comprometem a integridade das instituições que deveriam elevar a justiça e a responsabilidade. Isso configura uma exploração do mau uso da autoridade, que resulta em decisões carregadas de conflito e reforça ainda mais a cultura de impunidade.

A preocupação com a administração pública atual em Timor-Leste, se ligada ao termo Lafaek, reflete um desafio profundo dentro do atual governo, especialmente entre as lideranças chave na administração pública. Estes desafios causarão sofrimento, mas, como timorenses, devemos ter coragem para reconstruir padrões que restaurem a credibilidade e a compreensão, promovendo a confiança pública como solução simples daqui para frente:

  1. Reforçar e Despolitizar Medidas Anticorrupção: Os políticos devem dar prioridade ao combate à corrupção, fortalecendo as instituições que trabalham contra a corrupção, reforçando quadros legais rigorosos e garantindo que os infratores enfrentem as consequências adequadas. Isso ajudará a restaurar a integridade da administração pública e a enviar um sinal aos cidadãos de que o governo está sério quanto à reforma.
  2. Promover a Transparência: A transparência é um pilar fundamental para a confiança pública. Os políticos devem tornar as suas ações visíveis ao público, divulgando transações financeiras, abrindo processos de tomada de decisão para escrutínio e assegurando que os funcionários públicos sejam responsabilizados pelas suas ações. Criar uma cultura de transparência onde não haja espaço para omissões pode reconquistar a confiança pública.
  3. Fortalecer as Instituições Públicas: As instituições devem fornecer as verificações necessárias ao poder e assegurar que os recursos públicos sejam utilizados em prol do interesse público. Não se pode permitir que o termo LAFAEK, que representa engano e manipulação, prevaleça nas instituições, pois isso enfraqueceria ainda mais a sua credibilidade.
  4. Incentivar o Envolvimento Cívico: Os políticos devem criar plataformas para o envolvimento público, incentivando os cidadãos a participar no processo de tomada de decisões. Quando os cidadãos sentem que têm voz e que são ouvidos, é mais provável que confiem nos seus líderes e no sistema de governação. A participação cidadã é crucial para estabelecer e reforçar a confiança na administração pública.
  5. Ética na Liderança: A ética na liderança é essencial para definir como os funcionários públicos devem comportar-se. Os líderes devem ser modelos de integridade, honestidade e compromisso com o bem público, pois esses atos podem inspirar comportamentos semelhantes em toda a administração pública. Líderes éticos ajudam a reconstruir a confiança ao demonstrar que servem o público e não interesses pessoais. O comportamento dos líderes reflete os valores da administração.

Os princípios e a mensagem associados ao termo Lafaek enfatizam a conclusão de que, mesmo que o conceito de Lafaek não exista formalmente na administração pública, não se deve permitir que ele se manifeste através de práticas desonestas. É essencial que todos os funcionários públicos se comprometam novamente com os valores de integridade e serviço. A liderança adequada requer dedicação ao bem comum, respeito pelos padrões éticos e reconhecimento da responsabilidade moral que acompanha o poder. Ao alinhar ações com esses valores, podemos restaurar a confiança na administração pública e criar um futuro mais promissor para Timor-Leste. Restaurar a confiança nas instituições públicas é essencial para o desenvolvimento e a estabilidade de Timor-Leste. Para enfrentar esses desafios com determinação, devemos começar a reconstruir a confiança e a aumentar a legitimidade do governo aos olhos dos cidadãos que serve.

Devemos lembrar que o legado de liderança não se mede apenas pelos benefícios pessoais, mas pelo impacto positivo que temos nas nossas comunidades e pela confiança que construímos com os nossos concidadãos. Devemos rejeitar o caminho do Lafaek e abraçar um compromisso com a ética e a responsabilidade pública. Reforçar o compromisso com a transparência, a responsabilidade e a ética dos dirigentes nas instituições públicas é urgente. A administração pública em Timor-Leste precisa urgentemente de enfrentar as questões relacionadas com a corrupção e a exploração. Pois, uma vez comprometida, pode levar anos para ser restaurada, mas constitui a base essencial para o contrato social que une os cidadãos ao Estado.

“A Administração Pública não é um lugar para Lafaek, mas sim para servir o público com integridade e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos em Timor-Leste.”

Quintiliano A. Belo, mestrado na área da agricultura e desenvolvimento na Universidade da Gadjah Mada, Indónesia, é um official Senior do Ministério da Agricultura, Floresta, Pecuária e Pescas (MAFPP). É membro ativo do Movimento Timor Avante (MOTIVA), criado em 2023 com o objetivo de preparar os jovens para liderar o país.

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  1. Excelente artigo mas um pouco extensivo, por vezes repetitivo, mas sobretudo um “espelho” da realidade. Parabens ao autor. A administracao publica por este mundo fora, e e sempre foi uma maquina muito pesada que me faz lembrar o teatro de marionetes.
    Em TL, 24 de dominio indonesio, deram um mestrado de corrupcao, nepotismo. Os seus formados foram muito aplicados nessa doutrina. Juntou-se a fome com a vontade de comer!
    Solucao? EDUCACAO, EDUCACAO E MAIS EDUCACAO, servido frio num prato que nao precisa de ser quadrado ou redondo, um prato chamado TEMPO.

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