Os utilizadores aproveitam a tecnologia de IA para realizar o trabalho de forma mais eficiente/foto: DR
A Inteligência Artificial está a ganhar espaço no quotidiano de Timor-Leste, sobretudo entre estudantes e profissionais. Apesar do entusiasmo, persistem dúvidas sobre a sua utilidade real, os riscos de dependência e a falta de preparação do país para integrar esta tecnologia de forma responsável.
A Inteligência Artificial (IA) está a entrar, aos poucos, no quotidiano da sociedade timorense, sobretudo através de aplicações como o ChatGPT e ferramentas de tradução automática. Muitos utilizadores reconhecem a utilidade da IA para estudar, trabalhar ou aceder a informação, mas alertam também para os riscos de dependência e para o impacto no pensamento autónomo. Entre as principais preocupações estão a ausência de legislação, o fraco investimento e a falta de literacia digital. Várias vozes partilham as suas opiniões sobre o papel da IA no presente e no futuro do país.
“Para desenvolver a IA, precisamos de muitos recursos humanos qualificados e de responsáveis políticos que compreendam as implicações da tecnologia de forma mais alargada. Precisamos de leis que assegurem essa evolução.”
Fernando Avelino Teófilo Ximenes, investigador digital no IGT em Timor-Leste / Foto: Diligente
“‘Preparado’ é um conceito amplo. Por exemplo, podemos estar apenas preparados para desenvolver ou apenas para adotar a IA no nosso sistema. Este tipo de aplicação existe em muitos setores — não apenas em ferramentas como o ChatGPT, mas também em sistemas de decisão automática, sensores e vários estudos que conduzem a decisões automatizadas.
A IA pode ser aplicada à indústria, a sistemas informáticos, sensores, diagnóstico ou ao estudo de doenças e fenómenos climáticos. Por isso, dizer que estamos preparados para adotar esta tecnologia a curto prazo é difícil, porque nós próprios ainda não temos leis adequadas. Talvez também nos falte a capacidade de reforçar essas leis e de garantir mecanismos de controlo responsáveis e transparentes — e essa capacidade também será posta em causa.
Neste momento, estamos numa fase de semi-digitalização, o que traz muitos desafios e limita a adoção da IA nos serviços públicos. Também será difícil aplicá-la na indústria a curto prazo.
Outro obstáculo é o baixo investimento. Para desenvolver a IA, precisamos de muitos recursos humanos qualificados e de responsáveis políticos que compreendam as implicações da tecnologia de forma mais alargada. Precisamos de leis que assegurem essa evolução. Há ainda desafios de natureza económica ou política, devido ao fraco interesse ou à falta de entendimento aprofundado por parte dos decisores, tanto nas estruturas formais como nas tradicionais.
Timor está atualmente ao nível de utilizador a jusante — ou seja, apenas usamos o que já existe. O outro nível seria o de utilizador a montante, que participa ativamente no desenvolvimento da IA, como se tivéssemos o nosso próprio laboratório para criar aplicações ou sistemas próprios.”
“Como Timor ainda não está muito desenvolvido, neste momento estamos relativamente seguros, comparando com outros países onde a IA ou os robôs já começaram a substituir humanos”
Angelina Novita Pinto, funcionária da Aqua Leste/ Foto: Diligente
“Do que tenho observado, muitas pessoas estão, de facto, a usar inteligência artificial — eu própria também. Há pouco tempo, apercebi-me de que algumas das ferramentas que costumo utilizar são, na verdade, baseadas em IA.
Tal como toda a gente, acho que a IA é muito útil quando precisamos de aceder a informação. Mas, ao contrário do que acontecia há alguns anos, agora há aplicações que facilitam muito mais o processo de dar informação às pessoas — como é o caso do ChatGPT.
O ChatGPT é diferente do Google, que usamos para fazer pesquisas e tentar perceber certos assuntos. O ChatGPT funciona quase como uma pessoa: conseguimos dar-lhe comandos, como se estivéssemos a falar com alguém.
Mas também reparei que o ChatGPT tem limitações. Por exemplo, não fornece informações sobre temas como sexualidade ou conteúdos para maiores de 18 anos. Apesar disso, vejo muitos alunos e trabalhadores a usá-lo na mesma. Não digo que não tenham o direito de o usar — têm. Mas acho que é melhor que haja limites, para que a IA não se torne uma coisa que nos faça perder o hábito de pensar por nós próprios.
Como Timor ainda não está muito desenvolvido, neste momento estamos relativamente seguros, comparando com outros países onde a IA ou os robôs já começaram a substituir humanos. Isso pode vir a ter um grande impacto no mercado de trabalho. Mesmo que isso ainda não tenha chegado ao nosso pequeno país, é possível que aconteça no futuro. Mas espero que não avancemos logo para essa fase.
Olhando para a situação atual, o desemprego continua a crescer e é cada vez mais difícil arranjar trabalho — mas isso não significa que devamos ficar para trás em relação ao resto do mundo.”
“Também uso IA às vezes, mas não com muita frequência, porque, na minha opinião, estas ferramentas nem sempre estão certas — às vezes acertam, outras vezes não. Por isso, nunca confio totalmente em aplicações ou em qualquer coisa ligada à IA”
Armindo Amaral, estudante da UNPAZ/ Foto: Diligente
“Para mim, a definição de inteligência artificial é como um meio de transporte que nos ajuda a aprender muitas coisas e a suprir a necessidade de informação.
Quanto às vantagens, são muitas, mas também há desvantagens. Uma delas é que torna as pessoas mais dependentes de algo que não é físico — é apenas digital — e acabamos por evitar o contacto direto com os professores.
Também uso IA às vezes, mas não com muita frequência, porque, na minha opinião, estas ferramentas nem sempre estão certas — às vezes acertam, outras vezes não. Por isso, nunca confio totalmente em aplicações ou em qualquer coisa ligada à IA.
Se há alguma coisa que não percebo, procuro a resposta na IA apenas para complementar aquilo que já sei. Eu sou daquelas pessoas que só se concentra nos estudos quando está mesmo a estudar, mas também me distraio com facilidade sempre que tenho o telemóvel na mão.”
“Acho que é muito importante que toda a gente use a inteligência artificial, mas também temos de ser inteligentes no uso que fazemos dela. Não devemos confiar demasiado na IA, porque pode trazer desvantagens”
Luís Maria da Cruz Xavier, estudante em Santa Madalena de Canossa/Foto: Arquivo pessoal
“Costumo usar a aplicação DeepSeek, que considero muito útil. Ajuda-me a procurar definições de palavras, conteúdos de ciências e métodos ou formas de resolver exercícios de matemática. Encontro muitas coisas relacionadas com os conteúdos escolares.
A vantagem é enorme, porque consigo aprender várias matérias, mesmo não tendo muito conhecimento de línguas. Às vezes, quando tento mudar para tétum, há palavras que não estão disponíveis ou aparecem com erros — mas, mesmo assim, os benefícios são muito maiores.
Acho que é muito importante que toda a gente use a inteligência artificial, mas também temos de ser inteligentes no uso que fazemos dela. Não devemos confiar demasiado na IA, porque pode trazer desvantagens.
Na minha opinião, em Timor-Leste, muitos alunos usam IA para fazer trabalhos escolares, traduzir e procurar definições. Mas vejo com frequência estudantes que confiam demasiado na IA e acabam por não usar o seu próprio conhecimento para fazer essas tarefas.”
“Precisamos de perceber que a IA é só uma ferramenta — não substitui o pensamento nem a inteligência humana. A IA pode ser uma ajuda, mas a capacidade de pensar, fazer análises críticas e encontrar soluções criativas tem de vir de nós”
Vitória Clarência Gomes, bolseira no Cambodja/ Foto: Arquivo pessoal
“O que sei é que a inteligência artificial é uma das melhores ferramentas que existem e que realmente ajuda toda a gente. Tornou-se algo que muitas pessoas usam para facilitar a vida e o trabalho. Hoje em dia, há uma grande dependência da IA em praticamente tudo — desde os estudos ao emprego.
A IA pode ajudar a fazer relatórios, traduzir textos, procurar informações e até encontrar soluções para problemas de forma rápida.
Mas, por causa dessa dependência excessiva, as pessoas já quase não usam o seu próprio pensamento. E o pior é que quem não usa IA é, muitas vezes, visto como menos inteligente, mesmo que pense por si e seja criativo — o que, no fundo, devia ser valorizado.
Precisamos de perceber que a IA é só uma ferramenta — não substitui o pensamento nem a inteligência humana. A IA pode ser uma ajuda, mas a capacidade de pensar, fazer análises críticas e encontrar soluções criativas tem de vir de nós.
É essa combinação entre IA e pensamento independente que nos torna verdadeiramente completos: tecnologia com moralidade, inteligência com empatia. Não devemos confiar apenas na IA — temos também de usar a nossa própria cabeça para tomar decisões responsáveis e sustentáveis.”