Governo ordena instalação de “muros” de zinco para esconder atividades informais e prejudica trabalhadores

O diretor do Serviço Municipal de Gestão de Mercado e Turismo de Díli disse que a medida visa organizar a cidade e vai continuar após a visita do Papa/Foto: Diligente

Autoridades consideram que a venda de roupas em segunda mão (obralan) nas vias públicas prejudica a imagem de Díli, que receberá o Papa Francisco no próximo mês.

Ao percorrer as ruas de Díli, nas últimas semanas, notámos que em muitos locais, onde habitualmente se vende roupa em segunda mão, os artigos de vestuário foram substituídos por chapas de zinco. Atrás destes “muros”, porém, continuam os cidadãos que tentam ganhar a vida a vender obralan, atividade que o Governo quer esconder do Papa Francisco, que visita o país de 9 a 11 de setembro.

No mês passado, o Serviço Municipal de Gestão de Mercado e Turismo de Díli ordenou aos proprietários e vendedores que tapassem todos os espaços de venda de roupa em segunda mão com o material, numa tentativa de ocultar a atividade informal e os problemas socioeconómicos do país. De acordo com um relatório do Banco Mundial, divulgado em fevereiro deste ano, 70% da população timorense em idade laboral ou está desempregada ou trabalha sem contrato.

Octaviana Correia, 19 anos, estudante no Instituto de Ciência da Saúde e vendedora de obralan em Tasi-Tolu, informou que foram feitas ameaças de despejo aos trabalhadores, caso a ordem, dada há quase um mês, não fosse cumprida.

“A equipa de Gestão de Mercado mandou-nos colocar este ‘muro’ de zinco e disseram que se não o fizéssemos, seríamos todos expulsos”, partilhou.

A vendedora acredita que a medida é provisória e foi informada de que cartazes do Papa Francisco devem ser colados na estrutura por funcionários do Governo. “Quando terminar a visita, podemos abrir novamente o espaço”, relatou.

A colocação da barreira de zinco tem prejudicado os trabalhadores, que já sentem uma diminuição nas vendas. “Como o espaço está tapado, as pessoas passam e não sabem se ainda estamos aqui a vender. Aqueles que realmente querem comprar, param para verificar, mas a maioria não. Há dias em que não vendemos nada”, disse Octaviana Correia. A jovem sublinhou que paga 50 dólares americanos por mês pelo arrendamento do espaço, que é utilizado por outros 15 negociantes.

“O Governo não quer expor a realidade do povo. Se este local está desorganizado, a falha é do Estado, mas nós é que sofremos”, lamentou Ofélia Magno, vendedora no mesmo local. A trabalhadora de 39 anos começou a vender roupa em 2023 e o que ganha é para pagar a escola dos três filhos, além do arrendamento do espaço de trabalho e as necessidades básicas do dia a dia.

O Papa vai visitar as crianças com deficiência da Escola Irmãs ALMA, na Praia dos Coqueiros, mesmo à frente do lugar onde se vende obralan./Foto: Diligente

A mesma medida também foi aplicada aos vendedores na Praia dos Coqueiros, onde se situa a Escola Irmãs ALMA, que acolhe crianças com deficiência e que receberá a visita do Papa Francisco, no dia 10 de setembro.

Carlota Soares, 29 anos, vendedora de obralan no local, afirmou que, para evitar ser despejada, teve de gastar cerca de 400 dólares em zinco, parafusos e outros materiais. A mãe de três filhos contou que o Governo lhe deu duas opções: mudar para o mercado de Manleu ou fazer a obra.

“Acabei por aceitar a segunda possibilidade, porque o mercado em Manleu está cheio”, disse. Apesar de se queixar das medidas, Carlota Soares considera que deve cumprir as orientações, “porque a visita do Papa é muito importante para o país”.

Já em outro obralan ali perto, nas proximidades do Timor Plaza, onde trabalham 10 famílias, um negociante, que pediu para não ser identificado, informou que cada agrupamento familiar teve de contribuir com 20 dólares para a compra e instalação da estrutura de zinco. “Ou era isso, ou seríamos expulsos”, confidenciou.

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“Ou era isso [colocar a chapa de zinco], ou seríamos expulsos”, disse cidadão que trabalha na obralan perto do Timor Plaza/Foto: Diligente
O diretor do Serviço Municipal de Gestão de Mercado e Turismo de Díli, Arthur Henrique, informou que o Governo tomou a decisão de cercar os espaços “porque são terrenos privados e arrendados”. No entanto, “devido às condições desfavoráveis e à falta de organização na capital, a Autoridade Municipal de Díli solicitou a colocação das chapas de zinco”.

Arthur Henrique enfatizou ainda que a iniciativa não está relacionada com a visita do Papa. “Estamos a tratar da higiene e ordem pública, não estamos a preparar a visita do Santo Padre. Realizámos esta monitorização para garantir a organização de Díli. Não podemos continuar a tolerar zinco velho, mesas danificadas e outros objetos estragados a prejudicarem a imagem da nossa cidade”, ressaltou.

Questionado sobre o facto de os vendedores de obralan terem afirmado que iriam retirar as vedações após a visita do Papa, Arthur Henrique disse que não vai permitir que isto aconteça. “Estas medidas vão manter-se, uma vez que o objetivo é garantir que Díli permaneça limpa, e não por causa da visita do Sumo Pontífice. Se o fizerem, os vendedores vão ser obrigatoriamente transferidos para os mercados de Manleu e Taibessi”, destacou.

Acrescentou ainda que a equipa de Gestão de Mercado e Turismo está ativa no terreno, sobretudo nas estradas principais, como em Tasi-Tolu e em direção ao Cristo Rei, com o objetivo de remover todas as atividades comerciais que ocupem o espaço público.

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