A conferência sublinhou a importância de uma cooperação saudável entre governo e cidadãos, com espaço para todos e a garantia de que a voz da população seja ouvida.
O Fórum das Organizações Não Governamentais de Timor-Leste, em colaboração com o Comité Regional de Coordenação da ASEAN, realizou a Conferência da Sociedade Civil da Associação das Nações do Sudeste Asiático – Fórum Popular da ASEAN (ACSC-APF, sigla em inglês), sob o tema “Rumo a uma democracia e soberania lideradas pelo povo no Sudeste Asiático”, de 19 e 21 de setembro de 2024.
Após o término do Fórum Popular da ASEAN, os membros do Comité Regional de Coordenação realizaram uma conferência conjunta para relatar os resultados das atividades dos três dias de evento, na Escola Secundária Técnico Vocacional – Grupo de Tecnologia e Indústria, em Becora, Díli.
A Coordenadora da Comissão Organizadora, Elisabeth Araújo, afirmou que os principais objetivos do ACSC-APF 2024 são promover e proporcionar um espaço aberto para discussões, a fim de criar sinergias sobre práticas alternativas e desenvolver estratégias para defesa, campanhas, fortalecimento de movimentos e resistência a nível nacional e regional. Além disso, pretende-se reforçar os movimentos e reivindicações dos povos, a solidariedade regional e o poder popular na luta contra regimes opressivos. O Fórum também visa discutir e deliberar sobre a construção institucional, melhoria e consolidação do ACSC/APF.
Elisabeth Araújo afirmou que o Fórum Popular da ASEAN incluiu seminários que abordaram temas como direitos dos trabalhadores, neoliberalismo e regionalismo alternativo, violência estatal, militarismo, libertação nacional e democracia, monopólio tecnológico, autoritarismo digital e liberdade na internet. Foram também discutidas a crise ecológica, direitos ambientais, questões urbanas e minorias urbanas, povos marginalizados e justiça de género, construção da paz, segurança humana e justiça transicional.
A coordenadora destacou os pontos principais das recomendações levantadas durante a conferência. “A liberdade e a democracia não podem coexistir com ações brutais dos militares contra o próprio povo; deve haver uma boa colaboração entre o governo e os cidadãos, garantindo espaço para todos, e o governo deve ouvir a voz da população.” Acrescentou ainda que, durante a conferência, houve discussões sobre como melhorar as condições dos trabalhadores e garantir proteção para os mais vulneráveis.
Informou ainda que os participantes discutiram um ponto importante sobre a libertação dos povos da Papua Ocidental, da comunidade Rohingya no Myanmar, e também da Palestina. “Não falámos apenas de questões internas às nações da ASEAN, mas também abordámos profundamente a questão da Palestina, pois sofrem imensamente”, afirmou.
Elisabeth Araújo explicou que foi formada uma equipa para transformar os esboços de recomendações dos participantes num documento oficial, a ser entregue aos governos dos países membros da ASEAN.
“As discussões foram ricas e diversificadas, com os participantes a expressarem livremente as suas opiniões e a comissão a elaborar os esboços com sucesso, refletindo múltiplas perspetivas”, afirmou. A coordenadora espera que os participantes continuem a promover a advocacia e a avançar com uma visão coletiva de um Sudeste Asiático mais inclusivo, democrático e centrado nas pessoas.
Os participantes, segundo Elisabeth Araújo, apreciaram a organização do ACSC-APF, destacando que esta edição foi uma das mais inclusivas e diversificadas. “Ficámos muito satisfeitos com o forte apoio do Presidente da República de Timor-Leste, José Ramos-Horta, que inaugurou o evento com um discurso inspirador”.
Por sua vez, Yohanis Mambrasar, oficial de promoção de direitos da Papua Ocidental, Indonésia, considerou que o Fórum Popular da ASEAN foi uma oportunidade para discutirem as questões e problemas que o seu povo enfrenta. O ativista agradeceu aos participantes, provenientes de 10 países da ASEAN, que demonstraram o seu apoio na procura de soluções para o problema do militarismo na Papua Ocidental.
“Há dois grandes problemas na Papua Ocidental: a violência militar e a apropriação de terras indígenas para investimentos. O governo indonésio fechou o espaço democrático, não permitindo que os povos falem sobre questões políticas. O governo limita as críticas feitas por nós”, afirmou.
Enfatizou que a Constituição da Indonésia garante a democracia, os direitos humanos e a liberdade de expressão para todos os cidadãos, incluindo o povo da Papua Ocidental. “Mas, quando o povo exige os seus próprios direitos e realiza ações pacíficas, o governo indonésio usa a violência militar para nos prender”, destacou.
Afirmou que o governo indonésio também prende e criminaliza a população civil que contesta as políticas de desenvolvimento, como as que envolvem a monopolização de terras indígenas para a expansão de plantações de óleo de palma. “A população não quer que as suas terras sejam usadas pelas empresas que invadem os seus territórios, mas o governo indonésio usa os militares e a polícia para os prender”, disse.
Yohanis Mambrasar contou que, desde 2018, há uma resistência militar contínua em várias regiões de Papua. “Hoje, em mais de cinco áreas, há grupos armados que resistem. O exército indonésio responde de forma excessiva. O problema é que o governo da Indonésia não distingue claramente os envolvidos. Nós, como sociedade civil, pedimos que o exército não trate os civis como inimigos, mas os militares indonésios continuam a prender civis.”
“Os nossos amigos da Indonésia estão ao nosso lado. Nós, o povo da Papua Ocidental, não criticamos apenas na Papua, mas também em Jacarta. No entanto, o governo da Indonésia é antidemocrático”, frisou.
Em relação ao conflito militar na Papua, o ativista mencionou que mais de 76 mil pessoas foram deslocadas e que o governo indonésio proibiu a entrada de ajuda internacional. “Nós, na Papua Ocidental, precisamos de ajuda, mas o governo indonésio bloqueou a assistência. Até a Cruz Vermelha Internacional foi impedida de entrar. Sofremos muito, mas continuamos a lutar pelos nossos direitos.” Destacou que o país está fechado ao acesso internacional para organizações de direitos humanos.
“A nossa esperança é que possamos decidir sobre os nossos próprios direitos e que o governo da Indonésia nos conceda isso, porque até as árvores têm o direito de viver”, disse. Pediu ainda aos timorenses e à ASEAN que continuem a apoiar aqueles que estão a enfrentar o regime militar.
“Não se cansem de nos apoiar. Temos muitos problemas internos, mas, por favor, não desistam de nos apoiar, pois temos sido oprimidos por tanto tempo”, apelou.
O Ministro do Interior, Francisco Guterres, em representação do Governo, o Fórum Popular da ASEAN, afirmando que a sociedade civil é uma parte integrante do Governo, uma vez que atua como um parceiro importante nas discussões e pode contribuir com ideias para que o Estado garanta serviços justos para o povo.
Destacou que as recomendações elaboradas pelo APF 2024 são muito positivas e comprometeu-se a continuar a discutir com o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, durante a sua participação nas reuniões da ASEAN, apresentando as recomendações feitas pelo fórum da sociedade civil. Pediu ainda aos países membros que deem a devida importância ao desenvolvimento da sociedade civil, para que possam ajudar os governos a prestar melhores serviços à população.
Avaliou que o Fórum Popular da ASEAN foi um grande sucesso e o Governo de Timor-Leste mantém o compromisso de continuar a participar e a organizar atividades relacionadas com os assuntos da ASEAN. A Conferência da Sociedade Civil da ASEAN – Fórum Popular ASEAN 2025 terá lugar na Malásia.