Fidélis Leite Magalhães: “Proponho que o Governo declare um programa de emergência nacional para combater a má nutrição e a baixa qualidade da educação”

“Não devem esperar que os nossos líderes fundadores entreguem o poder, porque, se apenas passarem o poder, não nos educam.” (Foto: Diligente)

Fidélis Leite Magalhães, uma das vozes da nova geração em Timor-Leste, defende que o futuro do país depende de investimentos nos jovens, na diversificação económica e na educação de qualidade. Nesta entrevista ao Diligente, o ex-ministro reflete sobre o papel da transição geracional, a necessidade de repensar políticas públicas e o impacto das suas iniciativas para preparar líderes com visão estratégica, capaz de garantir desenvolvimento inclusivo e sustentável.

O economista e político Fidélis Leite Magalhães é presidente do Alternative Futures – Instituto de Política e Assuntos Internacionais (IPIA) e fundador do Movimento Timor Avante (MOTIVA), duas iniciativas que têm como objetivo promover discussões sobre o desenvolvimento do país e preparar futuros líderes timorenses.

Natural de Bobonaro, Magalhães foi Ministro da Presidência do Conselho de Ministros no VIII Governo liderado por Taur Matan Ruak. Também desempenhou os cargos de Ministro da Reforma Legislativa e dos Assuntos Parlamentares e, em julho de 2019, foi Ministro Coordenador de Assuntos Económicos e Ministro interino do Turismo, Comércio e Indústria.

Completou um mestrado em Administração Pública na Universidade de Harvard, nos EUA, outro em Ciências Económicas e Políticas de Desenvolvimento na London School of Economics, no Reino Unido, e um M. Phil em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, Portugal. Atualmente, está a realizar o doutoramento na Universidade de Oxford, onde conduz uma pesquisa sobre as relações entre comunicação estratégica, legislação e elaboração de constituições na formação de estados e nações.

“Esta iniciativa reflete a convicção de que o desenvolvimento nacional depende da capacidade das novas gerações para debater, discutir e gerar ideias que impulsionem o progresso do país”

É fundador do Alternative Futures – Instituto de Política e Assuntos Internacionais (IPIA) e iniciador do Movimento Timor Avante (MOTIVA). Pode explicar os objetivos destas duas iniciativas e o impacto que pretende alcançar com elas em Timor-Leste?

O IPIA foi criado com o objetivo de promover debates sobre o processo de desenvolvimento em Timor-Leste, assim como destacar a presença do país na região e no mundo. O IPIA adota um caráter convencional, como um think tank, para produzir ideias, discussões, documentos informativos, artigos científicos, soluções e recomendações relacionadas com a realidade das políticas públicas no país. O objetivo do IPIA é tornar-se uma fonte de informação para académicos, profissionais, funcionários públicos e outros interessados, contribuindo para fortalecer a cultura democrática.

Naturalmente, emitimos apenas opiniões e não nos responsabilizamos pela implementação das ações, pois isso depende das instituições do governo e de agências nacionais e internacionais. Caso aceitem as nossas recomendações, é ótimo; se não, continuaremos a formar opiniões públicas.

Além disso, o IPIA também promove formações que visam identificar jovens em todos os municípios para os preparar como líderes nas áreas de relações internacionais, política externa e políticas públicas. Esta iniciativa reflete a convicção de que o desenvolvimento nacional depende da capacidade das novas gerações para debater, discutir e gerar ideias que impulsionem o progresso do país.

Iniciativas semelhantes em outros países frequentemente recebem apoio do setor privado. No entanto, no nosso contexto, enfrentamos desafios consideráveis e preferimos avançar lentamente. Atualmente, o IPIA ainda atua internacionalmente e temos colaborações sólidas com instituições e universidades nos Estados Unidos da América, Portugal, Austrália, China, Indonésia, entre outros. O Presidente da República, José Ramos-Horta, apoiou totalmente esta iniciativa.

Além disso, criámos o Movimento Timor Avante (MOTIVA), cujo principal objetivo é capacitar os futuros líderes com caráter renovado e conhecimento aprofundado. A motivação inicial do movimento surge da necessidade de abordar a questão da transição geracional. Se estamos apenas a transferir responsabilidades e poderes para as novas gerações, sem mudar a mentalidade ou os métodos, então não temos possibilidade de promover mudanças no país.

A maioria da população timorense, mais de 70%, segundo o censo de 2022, é jovem. Por isso, é fundamental envolver os jovens, dar-lhes a oportunidade de sentirem que as suas vozes são ouvidas. Desta forma, poderemos garantir a participação ativa deste grupo nas atividades que contribuem para o seu próprio desenvolvimento e para o da sociedade.

No contexto do desenvolvimento do país, como é o caso de Timor-Leste, um grande desafio está na falta de discussões críticas e contribuições intelectuais por parte dos timorenses no exterior. Muitas vezes, o desenvolvimento é discutido como se estivéssemos simplesmente a receber prescrições ou “receitas” de especialistas – ideias, pensamentos e recursos financeiros – sem que a voz e a perspetiva dos próprios timorenses sejam ouvidas e consideradas.

Por isso, criámos estas duas iniciativas para avaliar e preparar o processo de desenvolvimento em Timor-Leste. Também precisamos de refletir sobre o lugar e o papel de Timor-Leste na região e no mundo. Em outras palavras, a nossa base está em Timor, mas é essencial olhar para a região e para o mundo, contribuindo para discussões sobre cooperação, geopolítica, desenvolvimento, democracia e mudanças ideológicas.

Foi Ministro da Reforma Legislativa e dos Assuntos Parlamentares (MRLAP), Presidente do Conselho Económico e Social das Nações Unidas para a Ásia-Pacífico e Deputado. Quais foram as suas prioridades durante o seu mandato e como avalia o impacto do seu trabalho no desenvolvimento do país?

Iniciámos o MRLAP com o objetivo de garantir aos cidadãos o direito de acesso à justiça. Além disso, procurámos avaliar a situação dos cidadãos nos municípios onde a justiça estatal não está presente, reconhecendo a importância da justiça tradicional. No entanto, trabalhámos para assegurar que essa justiça seja justa e baseada nos princípios dos direitos humanos.

Também trabalhámos para padronizar critérios e regras claras relacionadas com o sistema de justiça em Timor-Leste. O sistema jurídico do país começou a ser construído durante a transição da administração da ONU para a independência, incluindo as convenções que adotámos nesse processo. Contudo, ainda enfrentamos problemas de comunicação entre o que foi adotado e a realidade atual. Por isso, é necessário rever e reestruturar o sistema jurídico timorense.

No âmbito do MRLAP, também me debrucei sobre a comunicação social, embora exista uma Secretaria de Estado específica responsável por esta área. Para mim, é fundamental promover e garantir recursos para o setor de comunicação. Trabalhámos ainda na reforma administrativa, em parceria com o TIC Timor [Agência de Tecnologia da Informação e Comunicação] e a Comissão da Função Pública, elaborando propostas de leis para promover alterações necessárias. Além disso, simplificámos leis para que Timor-Leste pudesse aderir a processos de tribunal de arbitragem internacional e também simplificar os processos civis nos tribunais.

Relativamente aos Assuntos Parlamentares, analisei sobretudo as políticas dos partidos com assento no Parlamento Nacional. Na altura, enfrentávamos uma crise política, o que me levou a dedicar grande parte do meu tempo ao exercício da função de Ministro dos Assuntos Económicos, Comércio e Indústria. A minha principal responsabilidade foi impulsionar o processo para que Timor-Leste se tornasse membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), além de melhorar e capacitar as agências vinculadas ao ministério, como a TradeInvest, no que diz respeito às licenças das empresas.

Após este período, transitei para a Presidência do Conselho de Ministros, onde participei em negociações que resultaram na obtenção de um fundo de 484 milhões de dólares americanos para apoiar projetos de abastecimento de água em Díli e iniciativas na área da educação. No Conselho de Ministros, também coordenámos esforços com os ministérios e mobilizámos recursos para combater a pandemia de COVID-19.

“O destino e o progresso de uma nação dependem da qualidade dos seus recursos humanos”

Como líder da nova geração, com mais de uma década de experiência na vida política, considera que os jovens timorenses, especialmente os futuros líderes, estão preparados para assumir o poder e continuar o trabalho iniciado pelos líderes históricos? 

Acredito que estão mais do que preparados. O tempo já passou. Quando falamos sobre a nova geração, como eu e os meus colegas que trabalham juntos na política, talvez eu seja um dos mais jovens, mas temos experiências profundas nas governações desde a restauração da independência.

Agora, se questionarmos sobre a capacidade, conhecimento e maturidade da nova geração, admito que os líderes da nova geração estão capacitados e prontos para enfrentar qualquer desafio que surja. Estão preparados para os desafios de hoje e os que virão no futuro.

A participação na vida política não é um privilégio, mas sim um dever. Se algum timorense sente que é capaz, está preparado e tem uma visão clara para o país, então deve apresentar-se como uma alternativa. O destino e o progresso de uma nação dependem da qualidade dos seus recursos humanos.

Por isso, os cidadãos que se sentem prontos devem participar para contribuir com o desenvolvimento do nosso país. Não devem esperar que os nossos líderes fundadores nos entreguem o poder, porque, se apenas passarem o poder, não nos educam. Se nos sentimos uma alternativa, então devemos competir. Não podemos ser desrespeitosos ao dizer que os líderes fundadores já não conseguem mais, porque a democracia não ensina isso. Temos o dever de trabalhar juntos com eles, dialogar com eles de forma construtiva, para que todos possamos colaborar e ver Timor-Leste além da duração da vida de uma só pessoa.

A falta de oportunidades de emprego e a ausência de revisão do salário mínimo, congelado há mais de uma década, têm levado muitos jovens a emigrar em busca de trabalho. O que o Governo deve fazer para mudar este cenário e manter os jovens no país?

Uma forma de manter os jovens no país é criar oportunidades de trabalho. O Governo precisa de investir nos setores produtivos, como a pesca, o turismo e a agricultura. Além destes três setores, também é necessário melhorar as condições relacionadas com a segurança contratual, o acesso à água e à eletricidade, para que o setor privado possa investir no nosso país. Sem o investimento do setor privado, não haverá postos de trabalho para os jovens. É crucial atrair investimentos para Timor-Leste e proporcionar ao país acesso aos mercados regionais e internacionais.

Quando falamos sobre investimentos, precisamos de melhorar as condições contratuais no país. Não pode ser que, num dia, alguém apresente uma proposta de investimento, mas que, mesmo após 14 anos, essa proposta ainda não tenha sido resolvida ou aprovada. Convidamos empresários a virem investir no nosso país, mas, quando chegam, passam-se 10 anos e nada avança. A TradeInvest trabalha arduamente, mas os ministérios responsáveis pelo setor não agilizam os processos. Isso demonstra que não somos parceiros sérios e torna muito difícil ganhar a confiança de quem quer investir no país. A falta de consistência é algo que precisamos de corrigir.

Além disso, é essencial garantir a segurança no país. Por exemplo, alguém pode abrir um negócio e depois ser alvo de violência ou assaltos, enquanto as autoridades afirmam que não há problema algum. Quando a situação não é segura, os investidores não vêm. São questões simples, mas que podem criar uma imagem negativa e causar uma má impressão nos investidores.

“Algo que podemos fazer para que Timor-Leste se desenvolva ainda mais é criar fundos que atraiam o interesse de investidores privados internacionais”

A economia de Timor-Leste continua altamente dependente do Fundo Petrolífero, com previsões de que as reservas de petróleo se esgotem até 2035. Quais são, na sua opinião, as políticas e estratégias que o Governo deve adotar para diversificar a economia e assegurar a sustentabilidade do país a longo prazo?

Devemos mudar o princípio de que Timor-Leste é um país muito rico. Precisamos de eliminar essa ideia da nossa mente, porque não somos como a Arábia Saudita, o Kuwait ou a Venezuela. Agradecemos pela graça de Deus – e não pela nossa própria inteligência – por termos petróleo.

Os fundos provenientes do petróleo têm sido utilizados para promover o desenvolvimento no país. Algo que podemos fazer para que Timor-Leste se desenvolva ainda mais é criar fundos que atraiam o interesse de investidores privados internacionais. Esses fundos podem impulsionar setores produtivos e gerar mais investimentos, como no turismo, na hotelaria, na pesca e noutros setores.

Além disso, uma das ações que o Governo precisa de realizar é recorrer a empréstimos com juros baixos. Não podemos solicitar recursos ao Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD) ou ao Banco Mundial sem avaliar a relação entre os custos dos empréstimos e o retorno ou rendimento anual que obtemos do Fundo Petrolífero. Os empréstimos que contraímos devem ser direcionados a investimentos que garantam retorno para o país, como portos e educação.

Por isso, o Governo deve dar prioridade a modalidades como a criação de fundos privados para investimentos e procurar formas de aumentar o volume de empréstimos com baixos juros que sejam sustentáveis. Quando fortalecermos os setores não petrolíferos, não dependeremos exclusivamente dos rendimentos do Fundo Petrolífero.

“Em segundo lugar, as infraestruturas escolares devem ser de qualidade. Não precisam de ser luxuosas, mas devem, no mínimo, contar com acesso a água, eletricidade e outras condições básicas”

Para garantir o desenvolvimento sustentável de uma nação, é essencial investir em recursos humanos qualificados. Contudo, a alocação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para a educação nunca ultrapassa os 11%. Quais poderão ser as consequências para o futuro do país caso este setor continue a não ser tratado como prioritário? 

A educação depende de uma combinação de três fatores. Primeiro, os professores, cuja qualificação ainda representa um desafio em Timor-Leste. Se os professores no país não forem suficientes, podemos trazer docentes do exterior, como da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), para reforçar a qualidade da educação.

Os recém-graduados que desejam ser professores devem participar em formações intensivas com uma duração máxima de cinco anos, para que sejam devidamente qualificados, ou podem receber bolsas de estudo para continuarem a sua especialidade fora do país.

Em segundo lugar, as infraestruturas escolares devem ser de qualidade. Não precisam de ser luxuosas, mas devem, no mínimo, contar com acesso a água, eletricidade e outras condições básicas.

Por último, o aspeto social da educação, que inclui os meios de comunicação social. Podemos falar sobre educação, mas, se não houver imersão em debates públicos ou jornalismo investigativo e educativo, pouco se avança. Por exemplo, falamos em promover a língua portuguesa, mas, se os debates, as discussões públicas ou os meios de comunicação que promovem a língua não recebem apoio, como podemos promovê-la? Isso torna-se apenas um discurso público vazio, sem a preparação adequada para que as pessoas desenvolvam competências de forma correta.

Qual é a sua opinião sobre os cidadãos em Díli e noutros municípios que perderam as suas casas e meios de subsistência devido a despejos administrativos realizados pelo Secretário de Estado dos Assuntos de Toponímia e da Organização Urbana? Que políticas poderiam ser implementadas para equilibrar as necessidades de urbanização e o direito à habitação? 

No interesse público, cada executivo toma decisões que, muitas vezes, podem não agradar a todos. Por exemplo, a realocação de pessoas que vivem em áreas de risco, como margens de ribeiras ou encostas. É importante reconhecer que essas ações são realizadas com a intenção de salvar vidas, evitando perdas humanas devido a desastres naturais, além de contribuir para a saúde e segurança da população.

No entanto, antes de remover as pessoas de uma área, o Governo deve notificar previamente os afetados e preparar um local alternativo para o reassentamento. Outra questão importante é a compensação das comunidades afetadas. O Governo deve garantir indemnizações justas e um tratamento humano.

O despejo administrativo pode ser considerado positivo ou não, dependendo do contexto. Se o Governo retirar as pessoas de uma zona sem justificação, sem notificação e apenas para beneficiar interesses particulares, como a entrega de terrenos a investidores, isso é inaceitável. Porém, se houver argumentos claros de interesse público, pode haver aceitação, mas isso não significa que o Governo tenha licença total para tratar as comunidades ocupantes de forma desumana.

Além disso, é necessário que os cidadãos colaborem e compreendam as políticas do Governo. Se alguém sentir que os seus direitos foram violados, deve apresentar o caso ao tribunal, procurando compensação pelos danos sofridos.

“A promessa de criar 60 mil empregos foi, equivocadamente, atribuída como um programa meu. Contudo, era um programa da Aliança Maioritária Parlamentar, composta pelo CNRT, o Partido de Libertação Popular (PLP) e o Kmanek Haburas Unidade Timor Oan (KHUNTO)”

Durante o seu mandato como ministro no VIII Governo Constitucional, anunciou publicamente que o Governo criaria 60 mil empregos por ano. Contudo, essa meta não foi alcançada na altura. O que gostaria de dizer ao público sobre os desafios enfrentados e o que precisa de ser feito para concretizar promessas semelhantes no futuro?

Isso é algo que considero ser um comentário frequente dos “haters” (críticos), muitas vezes sem fundamentos. Em primeiro lugar, quero esclarecer que nunca declarei publicamente a criação de 60 mil empregos por ano. Essa meta de 60 mil empregos surgiu numa discussão no Parlamento Nacional, relacionada com o programa do VIII Governo Constitucional. Esse programa foi liderado pelo próprio Congresso Nacional de Reconstrução de Timor (CNRT), que afirmou que, se o VIII Governo continuasse a liderar durante cinco anos, criaria condições para gerar 60 mil empregos.

Naquela altura, eu era Ministro dos Assuntos Parlamentares e participei no debate. Quando os deputados perguntaram sobre o programa do Governo, respondi nesse contexto. Contudo, isso não foi possível porque enfrentámos a crise política e a pandemia de COVID-19. Talvez, se naquela época as condições fossem favoráveis, essa meta pudesse ter sido alcançada. O cálculo para a criação desses 60 mil empregos incluía, entre outras coisas, a exploração de recursos naturais, como o petróleo em Timor-Leste.

Mesmo assim, o Governo criou mecanismos para proporcionar empregos temporários. Porém, é certo que a ambição de criação de empregos não seguiu o caminho projetado. Agora, a responsabilidade dessa meta de criação de empregos pertence ao Governo atual.

A promessa de criar 60 mil empregos foi, equivocadamente, atribuída como um programa meu. Contudo, era um programa da Aliança Maioritária Parlamentar, composta pelo CNRT, o Partido de Libertação Popular (PLP) e o Kmanek Haburas Unidade Timor Oan (KHUNTO). Já expliquei isso diversas vezes, mas há algumas pessoas que continuam a levantar este tema para tentar difamar a minha reputação e atacar o meu caráter.

“Se nós conseguimos a reconciliação com a Indonésia, especialmente com figuras como Prabowo Subianto, porque não podemos, como timorenses, reconciliar-nos uns com os outros?”

O Presidente da República, José Ramos-Horta, juntamente com o IX Governo Constitucional, têm procurado reforçar a reconciliação com os timorenses que vivem na Indonésia. Como avalia esta política? Que impacto acredita que terá na relação entre os dois países e na sociedade timorense? 

Concordo com a reconciliação e acredito que esta é uma política positiva para o futuro. Se nós conseguimos a reconciliação com a Indonésia, especialmente com figuras como Prabowo Subianto, porque não podemos, como timorenses, reconciliar-nos uns com os outros?

A política de reconciliação é um caminho positivo para Timor-Leste, pois permite-nos focar no desenvolvimento e no futuro, em vez de continuar a abrir espaço para conflitos relacionados com o passado. Se continuarmos a preocupar-nos apenas com o passado, será muito difícil avançarmos e acabaremos por nos vitimizar.

O processo de reconciliação em Timor-Leste tem avançado e é muito bem reconhecido internacionalmente. Por isso, não tenho qualquer resistência à política de reconciliação. O mais importante agora é que os líderes que promovem a reconciliação mantenham firmemente os princípios da paz. Não devem, durante campanhas ou debates, atacar-se uns aos outros, dizendo que fizeram mais ou que outros não fizeram nada. É essencial que a reconciliação não seja promovida apenas enquanto estão no poder, mas que continue a ser uma política constante e consistente.

“Proponho que o Governo declare um programa de emergência nacional para combater a má nutrição e a baixa qualidade da educação”

Desde a restauração da independência, Timor-Leste tem enfrentado avanços e desafios. Como avalia o progresso do país? Quais considera serem as questões mais urgentes que o Governo deve abordar para garantir um desenvolvimento integrado e inclusivo? 

Desde a restauração da independência, temos avançado no desenvolvimento humano, aumentado a esperança média de vida e melhorado o acesso à educação. Já começámos a notar algumas diferenças em comparação com os últimos 10 anos. Contudo, precisamos de trabalhar ainda mais para alcançar o desenvolvimento social, político e económico, pois só conseguiremos conquistar a paz e a estabilidade quando esses aspetos forem garantidos.

Continuamos a enfrentar desafios para fortalecer a nossa economia, que ainda é muito frágil. Para diversificar a economia e manter as conquistas já alcançadas, precisamos de implementar mudanças económicas e alterar as nossas perceções culturais e políticas. Para isso, devemos organizar debates e discussões sobre deveres cívicos e governação, abrindo caminho para a melhoria das nossas condições económicas.

Além disso, é fundamental investir na educação e na melhoria da nutrição. O Governo deve considerar a qualidade da educação e a nutrição como questões a serem tratadas com uma abordagem de emergência nacional. Proponho que o Governo declare um programa de emergência nacional para combater a má nutrição e a baixa qualidade da educação.

“As alterações climáticas têm afetado muito a nossa agricultura, dificultando a leitura da natureza e a antecipação das colheitas, o que afeta diretamente a produção”

Tendo liderado a delegação de Timor-Leste na COP27, quais são as estratégias que o país está a implementar para mitigar os efeitos das alterações climáticas e reforçar o compromisso com a sustentabilidade ambiental?

Na COP27, a minha abordagem foi simples. Durante a minha presença, fizemos grandes esforços para aceder a fundos internacionais e conseguimos aprovações para apoiar as áreas afetadas por desastres e danos. Assim, os países que enfrentam desastres ou são afetados pelas alterações climáticas podem obter fundos para financiar a reconstrução e ajudar as vítimas.

É importante destacar que Timor-Leste não é um país poluidor, mas sim uma vítima da poluição. Solicitámos que os países industriais, que são os principais responsáveis pelas alterações climáticas, sejam responsabilizados pelas suas ações. Além disso, o apoio à mitigação dos danos causados pelas alterações climáticas deve ser substancial, e os países não devem tratar este problema apenas como uma questão nacional.

As alterações climáticas têm afetado muito a nossa agricultura, dificultando a leitura da natureza e a antecipação das colheitas, o que afeta diretamente a produção. Além disso, entre 2021 e 2024, calculámos danos de cerca de 300 milhões de dólares devido a fenómenos relacionados com as mudanças climáticas.

Nos fóruns internacionais, precisamos de continuar a trabalhar em conjunto com os países subdesenvolvidos para pressionar os países industrializados a fornecerem apoio financeiro e cumprirem as suas responsabilidades, especialmente em relação às suas emissões.

Com a sua experiência em fóruns internacionais e organizações como o Conselho Económico e Social da ONU, que papel considera que Timor-Leste deve desempenhar no cenário regional e global nos próximos anos? 

O mundo respeita a nossa capacidade de sair de conflitos e não voltar a cair nos erros do passado. Contudo, ainda não recebemos o mesmo nível de respeito pela nossa capacidade de desenvolver o país. Acredito que Timor-Leste precisa de fazer melhorias na educação, saúde, diversificação económica e política, a fim de melhorar o bem-estar dos seus cidadãos.

Devemos concentrar-nos em tornar-nos um exemplo de resiliência, democracia e sustentabilidade na região, contribuindo para discussões sobre paz e desenvolvimento no cenário global.

A visita do Papa Francisco a Timor-Leste no ano passado gerou tanto entusiasmo quanto controvérsia, particularmente em relação à falta de respostas claras sobre os casos de abuso sexual perpetrados pelo Bispo Dom Ximenes Belo na Igreja Católica e à metáfora dos crocodilos. Qual é a sua avaliação sobre estes assuntos?

Para esta questão, não tenho comentários, pois o Vaticano tomou a sua própria decisão sobre o caso. Podemos apenas solicitar informações ao representante do Vaticano em Timor-Leste ou aos bispos para que possam fornecer mais detalhes.

“Não devemos continuar a copiar e manter as práticas das gerações anteriores que não garantem os direitos das mulheres”

Apesar de alguns avanços, as mulheres em Timor-Leste continuam a enfrentar grandes desafios, incluindo violência doméstica, discriminação e uma representação política limitada. Que medidas concretas considera necessárias para alcançar uma verdadeira igualdade de género no país?

É muito importante que a nova geração combata a violência doméstica, a violência sexual e o assédio. As autoridades devem promover ativamente a participação das mulheres na sociedade e aumentar a sensibilização sobre os efeitos negativos do sistema patriarcal.

Não devemos considerar as mulheres como objetos. Se quisermos que Timor-Leste avance, precisamos de modernizar as nossas práticas e mudar a forma como pensamos. Não devemos continuar a copiar e manter as práticas das gerações anteriores que não garantem os direitos das mulheres.

“A comunidade LGBTQIA+ é composta por seres humanos que têm o direito de viver com dignidade, e todos devemos respeitar isso. Por que devemos condenar ou julgar a orientação sexual de alguém?”

A comunidade LGBTQIA+ em Timor-Leste continua a enfrentar discriminação e estigma significativo. Qual é a sua posição sobre os direitos desta comunidade? Acredita que o Governo deveria adotar políticas mais inclusivas e combater abertamente a discriminação?

Receber um tratamento digno, liberdade e a vida são direitos básicos de todas as pessoas, e ninguém deve ser privado desses direitos. Como indivíduo, sou totalmente intolerante e condeno qualquer forma de discriminação baseada na orientação sexual, religião, fé, raça ou qualquer outra característica.

A comunidade LGBTQIA+ é composta por seres humanos que têm o direito de viver com dignidade, e todos devemos respeitar isso. Por que devemos condenar ou julgar a orientação sexual de alguém? É triste ver os abusos e a discriminação que ainda acontecem com esta comunidade. O Governo precisa de reforçar a implementação das leis para que as práticas criminosas contra esta comunidade sejam punidas.

A implementação das leis em Timor-Leste ainda é fraca. Esta comunidade enfrenta maus-tratos, e, quando apresenta queixas, muitas vezes a polícia ri-se. Por isso, precisamos de oferecer mais formações à polícia, especialmente para que os responsáveis pelas investigações compreendam que os maus-tratos são crimes graves que afetam a integridade das pessoas.

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