Timor-Leste orgulha-se de ser um Estado democrático com liberdade de expressão garantida. Mas o que acontece quando essa liberdade serve para humilhar, excluir ou incitar ao ódio? No Dia Internacional para a Eliminação do Discurso de Ódio, assinalado a 18 de junho, o Diligente ouviu vozes que exigem respeito e defendem uma liberdade exercida com responsabilidade.
Assinalou-se, no passado dia 18 de junho, o Dia Internacional para a Eliminação do Discurso de Ódio. A data passou, mas o problema continua bem presente — em Timor-Leste e no mundo. O Diligente falou com pessoas que já foram alvo de insultos, discriminação ou violência por causa da sua identidade — seja orientação sexual, género, religião ou etnia.
O discurso de ódio não são apenas palavras duras. É uma forma de comunicação que alimenta preconceitos, legitima exclusões e, por vezes, abre caminho à violência. As Nações Unidas alertam para a sua propagação acelerada, sobretudo através das redes sociais, e sublinham que combater este fenómeno é essencial para proteger os direitos humanos e garantir sociedades mais justas.
A Estratégia da ONU apela a uma resposta coletiva: governos, escolas, plataformas digitais, líderes comunitários, jornalistas e cidadãos têm um papel a cumprir. A educação e o pensamento crítico são ferramentas fundamentais para desmontar o ódio. Ninguém nasce a odiar — o ódio aprende-se, mas também se pode desaprender.
Neste VOX POP, escutamos quem decidiu quebrar o silêncio e falar. Porque só falando é que podemos mudar.
“Não se combate o discurso de ódio apenas com leis. É necessária uma educação libertadora. Como dizia Paulo Freire, a educação é uma arma para a transformação social. Mas tem de ser uma educação que ensine a pensar criticamente sobre a sociedade”

“Discurso de ódio é qualquer comunicação ofensiva dirigida a um grupo ou indivíduo com base em características como nacionalidade, religião, cor, língua ou género. Pode provocar conflitos e pôr em causa a paz social.
Nas redes sociais, este tipo de discurso acontece com frequência, sobretudo contra religiões, nacionalidades, a comunidade LGBTQIA+, pessoas com deficiência, entre outros. Grupos de artes marciais, mulheres, jovens, ativistas e membros de religiões não católicas estão entre os mais vulneráveis a este tipo de ataques.
Por exemplo, já ouvimos líderes da Igreja dizer que os fundadores da ICCTL são ‘crocodilos’ que vêm trazer coisas negativas — uma expressão usada pelo Papa no passado. Mas a ICCTL também usou discurso de ódio, ao afirmar que a Catedral não é uma igreja, mas sim uma capela.
Nas redes sociais, também vimos comentários de ódio com base no género. Chegaram a criticar o Presidente da República por apoiar o casamento de Bella Galhos com a sua mulher, dizendo coisas como ‘porque é que duas mulheres se casam’ e outras expressões muito ofensivas.
Quando há conflitos entre um ou dois jovens, os líderes generalizam, dizendo que ‘os jovens causam sempre distúrbios’, esquecendo-se de que a juventude é um dos pilares da nação. Quando os envolvidos pertencem a grupos de artes marciais, a sociedade tende a rotular todos os membros desses grupos como maus.
As mulheres são frequentemente alvo de insultos como ‘feto aat’, ‘feto ain kanek’, ‘feto ladi’ak’ — diferentes formas de chamar as mulheres de ‘putas’ — especialmente quando partilham fotos pessoais.
O público, os líderes e até membros da PNTL desvalorizam e insultam ativistas que protestam contra injustiças, corrupção, exploração ou nepotismo, e que manifestam solidariedade com vítimas em Timor-Leste e com causas como a da Papua Ocidental, Palestina ou Sahara Ocidental. Chamam-nos ‘milícias’, dizem que ‘não respeitamos os líderes’ e, por vezes, até nos batem ou levam para identificação, como aconteceu recentemente com o Crónico Oprimido.
Quando fazemos ações solidárias, como caminhadas junto à praia, aparecem membros da PNTL e da inteligência. Quando defendemos os moradores de Aitarak-Laran, que foram despejados à força, chamam-nos de ‘filhos de milícias’, ‘terroristas’ ou dizem que ‘os pais estão em Atambua’, chegando mesmo a agredir-nos. Estes insultos continuam nos comentários às publicações sobre o nosso trabalho. Muitos internautas não têm conhecimento suficiente para usar as redes sociais de forma responsável.
Também fui alvo de discurso de ódio quando organizámos protestos sobre os professores contratados. Fui insultada nas redes sociais.
Os órgãos de comunicação social também contribuem para o discurso de ódio. Muitas vezes, publicam apenas partes das entrevistas, o que leva a mal-entendidos. Alguns fazem diretos, mas cortam quando alguém está a falar de forma crítica ou desviam a câmara quando há ações da polícia.
Este tipo de discurso não devia existir. Durante a luta pela libertação nacional, muitos jovens corajosos estiveram na linha da frente a lutar contra a exploração e a injustiça. O discurso de ódio é uma traição aos princípios desses heróis que morreram pelo país.
As leis servem para regular o comportamento das pessoas, mas não são suficientes, porque muitas vezes são usadas apenas em defesa de quem tem dinheiro. Não se combate o discurso de ódio apenas com leis. É necessária uma educação libertadora. Como dizia Paulo Freire, a educação é uma arma para a transformação social. Mas tem de ser uma educação que ensine a pensar criticamente sobre a sociedade.
Hoje, o sistema educativo é demasiado técnico, apenas prepara pessoas para serem trabalhadores. No passado, a educação inspirada em Paulo Freire ajudou a criar consciência contra o colonialismo. Sem essa educação, as pessoas não teriam percebido o que estava mal.
Timor-Leste escolheu ser um Estado de direito democrático, com liberdade de expressão. Por isso, falamos pelas vítimas e pelos mais vulneráveis. Mas, na prática, vivemos com medo. Parece que estamos num Estado opressor. A nossa liberdade de expressão é muito limitada. Sentimo-nos ameaçados sempre que queremos dar a nossa opinião. Existe uma lei que impede protestos a menos de 100 metros de instituições públicas. O bom nível de democracia de que tanto se fala é uma cortina que esconde o que realmente acontece no país.
Parem com o discurso de ódio — nas redes sociais e fora delas. Os problemas devem ser resolvidos de forma adequada, para que possamos garantir a paz social. O Estado tem de prestar mais atenção e encontrar soluções eficazes.”
“O problema é que, muitas vezes, são precisamente as pessoas mais instruídas que usam um discurso de ódio camuflado, escondido em frases aparentemente inofensivas, para atacar ou humilhar outras pessoas, ignorando a sua dignidade humana”

“O discurso de ódio é uma forma de linguagem que não é educativa nem construtiva e que prejudica a dignidade e os direitos de outras pessoas. Usa-se a liberdade de expressão de forma abusiva, para violar os direitos de outrem. A liberdade de expressão existe, mas não é absoluta. Ter liberdade significa poder exercer os próprios direitos, mas sempre com respeito pelos direitos dos outros. É preciso exercer a liberdade com responsabilidade, com base no princípio do respeito mútuo.
O problema é que, muitas vezes, são precisamente as pessoas mais instruídas que usam um discurso de ódio camuflado, escondido em frases aparentemente inofensivas, para atacar ou humilhar outras pessoas, ignorando a sua dignidade humana. Um exemplo claro disso são as campanhas políticas: em vez de apresentarem os seus programas, os candidatos aproveitam o tempo de antena para se insultarem mutuamente ou para expor os defeitos dos adversários. Esse tipo de discurso pode incentivar conflitos e até provocar agressões físicas entre jovens apoiantes de diferentes partidos.
A comunidade LGBTQIA+ é também uma das mais afetadas, porque ainda é vista por muitos como um grupo marginal ou fora da sociedade. Por isso, a PNTL tem procurado promover a inclusão de pessoas LGBTQIA+ e de pessoas com deficiência, no sentido de garantir os seus direitos e segurança.
Quando há insultos diretos entre pessoas em locais públicos, isso pode ser considerado crime de injúria, conforme o Código Penal. É um crime semipúblico, o que significa que só pode haver processo criminal, se a vítima apresentar queixa. No caso de insultos indiretos — como os que são feitos nas redes sociais — também é necessário apresentar queixa, e o caso pode seguir por via criminal ou civil.
Se os insultos forem dirigidos a líderes, a situação muda. Os líderes são representantes e símbolos do Estado, e nesse caso, mesmo sem queixa, a PNTL pode intervir e identificar os autores. A razão é que estes ataques podem gerar reações públicas contra os autores dos insultos e dar origem à chamada ‘justiça popular’, o que queremos evitar.
O papel da PNTL é prevenir, combater e investigar qualquer pessoa que use ferramentas — sejam palavras ou redes sociais — para incitar ao ódio, gerar inveja, criar divisões ou provocar conflitos. A polícia tem a obrigação de respeitar a dignidade humana. As pessoas que entram numa esquadra devem sentir-se seguras. Não estamos aqui para agredir ninguém. A função da polícia é proteger vidas. A polícia deve ser amiga do povo, não um motivo de medo.
Mesmo quando alguém comete um crime, continua a ter direitos. Atualmente, a lei exige que os detidos sejam acompanhados por advogados e que lhes sejam lidos os seus direitos. Se um agente agredir alguém que está apenas a ser levado para identificação, comete um crime. Deve haver um processo disciplinar e criminal, desde que haja queixa, a não ser que a agressão cause desfiguração física.
Somos um país que viveu um passado de conflitos, mas hoje somos um Estado de direito democrático que valoriza a dignidade humana. Por isso, apelo aos cidadãos para que resolvam os seus problemas com diálogo e raciocínio, não com violência. Devemos expressar as nossas opiniões de forma educada, informada e construtiva — criticar sim, mas sem humilhar ou desmoralizar os outros.
Espero também que, no futuro, haja uma lei específica para regular a forma como nos expressamos nas redes sociais, sempre com respeito pelos outros.”
“Já fui alvo de discurso de ódio e isso levou-me a um colapso mental. Quando comecei um novo projeto, algumas pessoas fizeram comentários negativos nas redes sociais. Acabei por me desligar das redes durante algum tempo, para refletir sobre o meu propósito e tentar afastar os pensamentos negativos”

“O discurso de ódio é feito de palavras que magoam profundamente, sobretudo a nível psicológico, e às vezes até fisicamente. Atacam pessoas por causa de quem são, da sua religião, género, orientação sexual ou por terem alguma deficiência.
Já fui alvo de discurso de ódio e isso levou-me a um esgotamento mental. Quando comecei um novo projeto, algumas pessoas fizeram comentários negativos nas redes sociais. Acabei por me desligar das redes durante algum tempo, para refletir sobre o meu propósito e tentar afastar os pensamentos negativos. Também já fui criticada por me pronunciar contra um projeto do Governo. Disseram-me que eu não sabia nada sobre o processo, sobre as etapas envolvidas, e chegaram a perguntar: ‘E tu, o que é que já fizeste?’ Levei isso como um desafio e uma oportunidade de aprendizagem. Mas, muitas vezes, quando temos um debate com argumentos, as pessoas perdem a paciência e começam a insultar, até envolvendo a nossa família. Parece que, quando fazemos algo de bom, há sempre alguém a falar mal de nós.
Quando comecei a promover os direitos humanos, diziam-me: ‘Só sabes falar, não sabes fazer mais nada’, ou ‘É só isso que sabes fazer’. Mas a verdade é que a primeira etapa da defesa dos direitos humanos é mesmo falar sobre eles.
As mulheres e a comunidade LGBTQIA+ são dos grupos mais vulneráveis ao discurso de ódio. À comunidade LGBTQIA+ dizem que não devia existir, que não há espaço para eles ou que estão a ir contra a religião. Às mulheres dizem que, se saem à noite, é porque são ‘putas’. Mas essas pessoas nem sabem para onde é que elas vão, nem porquê. Muitas mulheres são alvo de preconceito só por tentarem fazer algo diferente. E quando uma mulher diz que não queria engravidar, mas acabou por acontecer, a culpa recai sempre sobre ela — ‘ela é que quis’. É cruel ouvir isso, sobretudo quando ela já está a passar por tanta coisa.
Também defendo os direitos da comunidade LGBTQIA+. E quando ouço amigos meus discriminarem pessoas dessa comunidade — colegas que conheço e respeito — fico muito abalada. Já vi amigos tornarem-se alvos de discurso de ódio só por expressarem a sua opinião ou a sua identidade.
As redes sociais em Timor-Leste facilitam a propagação do discurso de ódio. É mais fácil esconder-se atrás do anonimato. E infelizmente, muita gente gosta de ver os outros discutir e insultar-se — isso gera muito engajamento. Mas tudo depende de como usamos as redes sociais. Temos liberdade de expressão, sim, mas não para difamar ou destruir os outros.
Acho que devemos ter uma lei que regule o discurso de ódio — não para limitar as críticas construtivas ou as opiniões bem fundamentadas, mas para nos impedir de usar palavrões, insultos ou termos ofensivos. A liberdade de expressão traz consigo uma grande responsabilidade.
Para combater o discurso de ódio, temos de começar por nós próprios. Precisamos de controlar as nossas emoções e a forma como reagimos quando alguém nos insulta ou fala mal de nós. Às vezes, o melhor é afastarmo-nos de quem nos faz sentir mal, ou então tentar dialogar com essas pessoas, se for possível. Temos de garantir que as nossas palavras não magoam ninguém. As palavras têm poder — usemos esse poder para inspirar e motivar. Sejamos empáticos. Usemos a nossa voz para promover dignidade, inclusão e paz.”
“Os órgãos de comunicação social têm um papel educativo. Devem seguir padrões profissionais e linguísticos adequados, sendo um exemplo para a sociedade”

“O discurso de ódio é uma forma de comunicação orientada para destruir o carácter de outra pessoa e a sua credibilidade, para assim ganhar simpatia do público e conquistar poder, desviando a atenção para os aspetos negativos dos adversários. Isto acontece, muitas vezes, durante períodos de campanha eleitoral ou em sessões de socialização. Costuma-se dizer que é mais comum entre elites, mas, na verdade, o discurso de ódio está presente no dia a dia de muitos, especialmente entre as classes média e baixa.
Nas redes sociais, como o Facebook ou o YouTube, vemos imensos conteúdos com discurso de ódio, porque cada pessoa sente que tem o direito de expressar a sua opinião. O problema é que essa liberdade, muitas vezes, acaba por ser usada para atacar com base na raça, religião, estatuto social, posição de poder, entre outros. E estes conteúdos continuam disponíveis nas plataformas, porque ainda não temos uma legislação específica para lidar com isso, sobretudo uma lei cibernética. Esta ausência afeta a segurança e a paz social.
É por isso fundamental criar uma regulamentação para o uso das plataformas online. Não se trata de limitar a liberdade de expressão, mas sim de garantir que esse direito seja exercido com responsabilidade. Precisamos de promover a literacia mediática, para que a população aprenda a utilizar a internet de forma consciente e a comunicar com respeito. Devemos cultivar uma cultura de pensar antes de falar, de refletir antes de partilhar. Só assim conseguiremos criar um ambiente social mais saudável.
O direito à liberdade de expressão é um direito forte — as pessoas sentem-se à vontade para dizer o que pensam. Mas, muitas vezes, esquecem-se do dever de respeito pelos outros. Por isso, é necessário lembrar constantemente que a liberdade vem acompanhada de responsabilidade. É essencial reduzir o discurso de ódio.
Os órgãos de comunicação social têm um papel educativo. Devem seguir padrões profissionais e linguísticos adequados, sendo um exemplo para a sociedade. Devem usar o seu espaço para ensinar como utilizar as redes sociais de forma consciente, como exercer a liberdade de expressão sem causar danos e como contribuir para uma sociedade mais justa e respeitadora.”
“Os discursos de ódio fazem com que uma pessoa perca a autoestima e tenha medo de sair de casa ou de conviver com outras pessoas. Na realidade, podem levar à violência, como aconteceu recentemente em Bobonaro com o ataque ao grupo religioso das Testemunhas de Jeová, ou até ao suicídio, como o caso de um jovem LGBTQIA+ que se enforcou”

“O discurso de ódio é uma forma de comunicação usada por uma pessoa para atacar outra pessoa ou grupo, com base em sentimentos de rejeição ou por diferenças de língua, religião, etnia, entre outros fatores. Isso acontece muito em Timor-Leste, sobretudo nos media e nas redes sociais.
Os discursos de ódio fazem com que uma pessoa perca a autoestima e tenha medo de sair de casa ou de conviver com outras pessoas. Na realidade, podem levar à violência, como aconteceu recentemente em Bobonaro com o ataque ao grupo religioso das Testemunhas de Jeová, ou até ao suicídio, como o caso de um jovem LGBTQIA+ que se enforcou.
Todos os grupos sofrem com discurso de ódio, mas destaco a comunidade LGBTQIA+, porque a sociedade vê estas pessoas como se não tivessem o direito de existir, só por serem diferentes. Sinto-me triste ao assistir a tudo isto. Elas não escolheram ser LGBTQIA+ — são seres humanos como todos nós e também querem viver felizes nesta sociedade.
Também há muitos ataques a pessoas de outras nacionalidades, por exemplo aos cidadãos chineses que vêm abrir lojas. Algumas pessoas dizem que não são timorenses, que não deviam estar aqui a vender coisas. Eu própria já sofri discurso de ódio por defender a comunidade LGBTQIA+. Diziam-me coisas como: ‘Eles não deviam existir, se continuam a fazer isso, devíamos bater-lhes. Tu concordas com isso?’ E eu respondo que o importante é respeitar as pessoas, porque nós não sentimos o que elas estão a sentir.
Passei por uma situação semelhante ao defender estrangeiros, principalmente chineses que vêm trabalhar para cá. Disse que eles estão apenas a tentar ganhar a vida e até ajudam a criar emprego para timorenses. Acrescentei que, se houver maus-tratos, devemos questionar e agir, mas com base em factos, não em preconceitos. Disseram-me então que devia ir viver no estrangeiro ou que já ‘era uma chinesa’.
Durante essas discussões, algumas pessoas chegaram a fazer bullying comigo ou a envergonhar-me por causa do meu corpo. E o meu namorado é africano — por isso, também nos julgam. Dizem que ‘os timorenses já devem ter morrido todos’, por isso é que eu estou com ele. Falam muito mal dele só por causa da cor da pele.
Existe liberdade de expressão, mas não é total. No caso da comunidade LGBTQIA+, por exemplo, mesmo que organizem marchas ou eventos no Dia do Orgulho LGBTQIA+, o bullying continua e a sociedade ainda não os aceita plenamente.
Acho que devem existir duas coisas para combater isto: penalização através da lei e também educação, com ações de sensibilização para explicar o que é o discurso de ódio. As pessoas devem perguntar-se se este tipo de discurso deve mesmo continuar a existir. No meu entender, o discurso de ódio devia ser abolido, para não continuarmos a atacar os outros, nem causar baixa autoestima e exclusão. Devíamos fazer tudo para que o discurso de ódio desaparecesse de Timor-Leste.”
“Quando somos publicamente queer ou pertencemos à comunidade LGBTQIA+, a sociedade não aceita que tenhamos opinião sobre qualquer coisa. Colocam-nos numa caixa, como se só pudéssemos ficar calados, aceitar tudo, trabalhar em salões de beleza ou fazer decorações”

“Tenho uma plataforma chamada Gen Z Talk Timor-Leste, onde fazemos defendemos os direitos humanos e a justiça social. Em 2021, quando iniciámos o projeto, decidimos mostrar abertamente quem somos. Eu identifiquei-me como queer e, logo de início, fui alvo de retaliação por parte dos internautas, com comentários como: ‘Ah, o que mais de mau querem trazer para a nossa nação?’. Desde então, sempre que criamos conteúdos sobre os direitos da comunidade LGBTQIA+, ou simplesmente falamos sobre a vida ou partilhamos a nossa experiência, recebemos comentários negativos, não só contra o conteúdo, mas também contra a nossa identidade. Chegaram a partilhar as nossas fotos e a falar mal de nós.
Na altura, tive um esgotamento psicológico e decidi fechar as contas das redes sociais — foi a primeira vez que sofri ataques online. Tive medo, porque Timor-Leste é um país pequeno. Tentei procurar apoio: falei com colegas, com a família, e disseram-me que eu não tinha feito nada de mal — pelo contrário, estava a ajudar outras pessoas a identificarem-se. Então recuperei. Depois de um mês fora das redes sociais, voltei. Reergui-me e continuo a dar visibilidade a, agora com mais coragem, e a criar conteúdos sobre os direitos da comunidade LGBTQIA+.
Vi muitos colegas passarem pelo mesmo. Sempre que decidimos ser abertos sobre a nossa identidade queer, e escrevemos, expressamo-nos ou publicamos nas redes sociais, as pessoas não se focam nas nossas ideias — atacam diretamente a nossa identidade. Isso acontece sempre com palavras ofensivas, e é perigoso para nós. As redes sociais não são um lugar seguro para a nossa comunidade — não nos sentimos seguros. Não há ataques físicos, mas expressões como ‘panleiru’ e ‘buifeto’ são o pão nosso de cada dia, até nos encontros com estranhos. Às vezes, basta um olhar para sentirmos esse julgamento.
Legalmente, temos o direito à liberdade de expressão, de criar grupos, de nos reunirmos, e muito mais — mas até que ponto, principalmente para a comunidade LGBTQIA+? Socialmente, essa liberdade não existe da mesma forma. Expressamo-nos com medo, porque as pessoas atacam logo a nossa identidade, em vez de ouvirem as nossas ideias ou argumentos. Quando somos publicamente queer ou pertencemos à comunidade LGBTQIA+, a sociedade não aceita que tenhamos opinião sobre qualquer coisa. Colocam-nos numa caixa, como se só pudéssemos ficar calados, aceitar tudo, trabalhar em salões de beleza ou fazer decorações.
Nesta sociedade patriarcal, as mulheres também não podem, muitas vezes, expressar a sua opinião. A sociedade já decidiu que as mulheres devem apenas cozinhar. Se uma mulher dá uma opinião, é logo rotulada de vaidosa, de sabichona, de quem fala demais. As pessoas não gostam disso. O mesmo acontece com as pessoas com deficiência: quando se expressam, o foco recai sobre a sua condição física, e não sobre o que estão a dizer. Somos três grupos cujos direitos à liberdade de expressão estão constantemente a ser postos em causa.
A educação, a formação e a socialização que algumas pessoas promovem não são suficientes. É preciso compromisso real, sobretudo por parte das grandes instituições — como o Governo e as agências internacionais — em praticar, de facto, a inclusão que escrevem nos relatórios. Devem apoiar as causas e os grupos de luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, das mulheres e das pessoas com deficiência. Devem partilhar com eles o poder de decisão — porque são esses grupos que conhecem melhor a realidade que enfrentam. É assim que se combate a injustiça.
Quanto à legislação sobre discurso de ódio, considero que as leis devem ser específicas, para não serem mal utilizadas, como acontece com a lei da difamação. A legislação deve indicar claramente os tipos de palavras que são puníveis — por exemplo, expressões que atacam diretamente a orientação sexual, a identidade de género, a condição física ou pessoal, entre outras. Todas as pessoas devem poder exprimir-se sem medo de serem atacadas.”
“O radicalismo e a ignorância alimentam os discursos de ódio na sociedade timorense. As redes sociais agravam o problema, porque não há qualquer controlo. Questiono-me: por que é que as pessoas insultam os LGBTQIA+ com tanta facilidade? E por que é que o povo julga duramente um cidadão comum suspeito de crime, mas quando se trata de um político, mesmo que o crime seja provado, muitos o defendem?”

“O discurso de ódio é uma forma de afirmação ou declaração sem fundamento lógico ou argumentativo, que ataca a personalidade, a identidade, a fé, a ideologia ou a posição social das pessoas. O mundo está cada vez mais intolerante e excludente. Na filosofia, categorizamos o discurso de ódio como argumentum ad hominem — um argumento contra a pessoa.
Vi ativistas a enfrentarem discursos de ódio apenas por criticarem decisões públicas. Chamam-lhes ‘milícias’, ‘filhos das milícias’, dizem que ‘os pais eram pró-autonomia’, chamam-lhes ‘anarquistas’, ‘estúpidos’, e tratam-nos com desrespeito. Assisti a trocas de acusações entre políticos de diferentes partidos, tentando gerar ódio contra os adversários para ganharem confiança e posição. Vi também como as pessoas pertencentes a grupos minoritários — como mulheres, LGBTQIA+ ou simplesmente cidadãos críticos — são mais atacadas só por serem quem são. Muitos líderes veem os que os criticam como um grupo separado, não integrado na construção e desenvolvimento do Estado. Este paradigma leva-os a usar discursos de ódio como forma de autodefesa.
Assisti ainda a casos em que o Governo despediu funcionários públicos apenas por não pertencerem ao mesmo partido ou por fazerem críticas. E, quando expressamos uma crítica sobre algum assunto público, somos logo catalogados como apoiantes de outro partido. Também eu fui alvo de ataques pessoais por criticar injustiças. Acusaram-me sem qualquer fundamento lógico. Acabei por sair do meu trabalho, porque não queria continuar a ser alvo constante de discursos de ódio. Preferi sair para evitar conflitos, mas com o objetivo de continuar a combater a injustiça.
O radicalismo e a ignorância alimentam os discursos de ódio na sociedade timorense. As redes sociais agravam o problema, porque não há qualquer controlo. Questiono-me: por que é que as pessoas insultam os LGBTQIA+ com tanta facilidade? E por que é que o povo julga duramente um cidadão comum suspeito de crime, mas quando se trata de um político, mesmo que o crime seja provado, muitos o defendem?
Para mim, o ódio é uma questão de consciência humana, e a lei não consegue regular uma consciência abstrata. Pode continuar a ser punido civilmente, mas não penalmente. As pessoas têm liberdade de expressão, mas o discurso de ódio é o alicerce de uma democracia irracional. É preciso investir seriamente na educação e na literacia. Há estudos que mostram que são precisamente os intelectuais que mais contribuem para os discursos de ódio. Por isso, é urgente melhorar a educação.
Entre colegas e pessoas do mesmo nível, sentimos alguma liberdade para expressar opiniões. Mas entre nós e o Estado ou os líderes, essa liberdade está em risco. Há aparelhos do Estado, como a polícia militar e forças secretas, criados para proteger os decisores políticos, que acabam por controlar essa liberdade. Criticar o Estado ou o Governo pode resultar em intimidação moral e até física.
Os órgãos de comunicação social têm um papel fundamental no combate aos discursos de ódio. Devem fazer coberturas cuidadas e notícias bem fundamentadas, que levem o público a refletir através de debates lógicos e concetuais. Mas, infelizmente, hoje em dia vemos muitos meios a escrever títulos provocadores, que incitam o ódio entre grupos sociais. Devia haver fóruns para debates racionais e argumentativos. Precisamos de mais literacia, mais escrita e mais leitura, para ativar o raciocínio lógico e crítico. Os intelectuais devem promover campanhas de escrita e esclarecer o público.
Apelo às novas gerações para que aprendam com o que está a acontecer, para que não sigam os maus exemplos, mas que façam a diferença e promovam a mudança. Não defendam algo com ignorância — tomem distância, analisem, reflitam. Não sigam apenas a opinião dos outros. Pensem por vocês próprios. Vamos abolir os discursos de ódio com discursos de crítica fundamentada em lógica e argumento!”
“Gostava de convidar todos os líderes políticos, os jovens, os pais e todos os cidadãos, de todas as camadas sociais, a terem consciência e responsabilidade nas suas palavras e nos seus discursos. Precisamos de ser pessoas prudentes, coerentes e responsáveis antes de falar”

“O discurso de ódio nasce da falta de atenção, de consciência e de reflexão antes de falar, usando palavras que ferem o coração dos outros e que levam ao rancor, ao ódio e à vingança. São palavras ofensivas que destroem a integridade e a dignidade de alguém, como os insultos. Por exemplo, os políticos insultam-se mutuamente: ‘eu é que lutei mais, tu não fizeste nada’ — e tudo isso.
Falta-nos, muitas vezes, o respeito humano e a prudência para perceber, conhecer e respeitar a dignidade e a existência do ser humano no mundo. A quem é que eu me dirijo? Por que razão falo? É necessário? É urgente? Estou a ser diligente? Uso palavras compreensíveis, palavras de respeito, de caridade — ou palavras ofensivas?
A rede social em si é uma descoberta excelente, mas muitas vezes utilizamo-la de forma errada, para expressar as nossas vaidades, o egoísmo, o orgulho. Isso destrói a integridade de uma sociedade, de um povo, de uma família, de uma personalidade. Há órgãos de comunicação social que registam e divulgam palavrões e insultos, e isso pode gerar ódio e vingança no coração do povo e de quem ouve essas palavras.
Nós, timorenses, carregamos o pesadelo e as feridas das nossas experiências — desde a colonização portuguesa até à ocupação indonésia. Psicologicamente, vivemos ainda numa situação muito frágil. Precisamos de reconciliação, precisamos de converter a mente e o coração, para reencontrarmos a nossa identidade como timorenses e podermos amar-nos mutuamente.
A violência entre os nossos jovens nasce muitas vezes do ódio e da vingança. E porquê? Porque lhes falta atenção por parte dos pais. Desde o ventre da mãe, quando ainda são bebés, vão absorvendo tudo — as conversas positivas, as negativas, a violência — e isso molda o seu carácter e a sua personalidade. Às vezes, os pais, os avós, os irmãos dizem: ‘tu és um bicho’. Mesmo que a criança seja muito lógica e questione se é ou não filho dos pais, essas palavras plantam o rancor desde cedo no seu coração.
A sociedade tem a responsabilidade de educar, formar e acompanhar os filhos com doçura, com cuidado, com respeito e com amor, para evitar estas conversas de ódio ou a vivência num ambiente de ódio.
Também existem muitos discursos de ódio contra as mulheres. Nós, mulheres, temos de ter esperança, confiança e certeza de que também temos capacidades — não são só os homens. Todos temos. Durante os 24 anos de ocupação, quem lutou na linha da frente foram as mulheres: procuravam esconder os maridos, os filhos, os sobrinhos, encontravam os sítios mais seguros. Caminhavam à frente, sem armas. A sua arma era a coragem e a fé.
Quanto à comunidade LGBTQIA+, acredito que no início a sociedade não aceitava, mas hoje a maioria aceita, e já não vemos grande repercussão. Devemos respeitar a personalidade de cada um como ser humano. Quanto aos seus comportamentos ou atitudes, isso é responsabilidade de cada um.
Timor-Leste é uma nação pacífica. Temos há sete anos a Associação das Religiões em Timor-Leste, onde partilhamos experiências, dificuldades e sucessos, e procuramos soluções juntos para reforçar a nossa existência neste país. Cada um professa a sua fé segundo a sua religião e respeita a existência de todos como seres humanos, como imagem de Deus. A fé leva o ser humano a viver em paz e a respeitar os outros, mesmo que pensem mal de nós.
A liberdade de expressão é um direito, mas também uma responsabilidade. Não podemos confundir liberdade com libertinagem. Como imagem de Deus, temos a soberania de respeitar os outros nas conversas, seja na política, na família, na escola ou na universidade. O ser humano é o criador de tudo o que existe na nossa realidade, por isso tem a responsabilidade de cuidar das suas palavras e dos seus pensamentos.
Gostava de convidar todos os líderes políticos, os jovens, os pais e todos os cidadãos, de todas as camadas sociais, a terem consciência e responsabilidade nas suas palavras e nos seus discursos. Precisamos de ser pessoas prudentes, coerentes e responsáveis antes de falar. Devemos proferir palavras que elevem a dignidade do ser humano e que eliminem o ódio e a vingança da nossa sociedade.
Devemos responder ao discurso de ódio com delicadeza, com atenção e com um verdadeiro espírito de resolução de problemas. É urgente produzir pensamentos mais positivos, que promovam os valores e os princípios da nossa sociedade — e, muito em particular, incentivar as nossas crianças e os nossos jovens a viverem com integridade e responsabilidade, como seres humanos conscientes para o amanhã.”