A interferência do poder político e económico continua a afetar a independência dos meios de comunicação em Timor-Leste. No fórum editorial organizado pelo Conselho de Imprensa, discutiram-se temas como a pressão sobre os jornalistas, a falta de remuneração adequada e os desafios à liberdade de imprensa. Especialistas apelaram à necessidade de uma imprensa crítica e independente.
A interferência do poder político e económico nos meios de comunicação social, a baixa remuneração e a falta de capacidade crítica dos jornalistas em Timor-Leste foram alguns dos temas discutidos no fórum editorial, organizado pelo Conselho de Imprensa (CI) e que teve lugar em Balibó, no passado dia 15 de outubro.
A iniciativa, sob o tema “Atmosfera Liberdade de Imprensa no País Democrático”, teve como objetivo celebrar pela segunda vez o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa e o 49º aniversário da morte de cinco jornalistas internacionais pelas Forças Especiais Indonésias, em Balibó, a dia 16 de outubro de 1975.
O evento contou com uma exposição de fotojornalismo e um fórum editorial, que proporcionou aos proprietários dos órgãos de comunicação social, chefes de redação, editores e jornalistas a oportunidade de refletirem sobre a liberdade de imprensa de modo a evitarem, em conjunto, todas as formas de censura que possam comprometer a independência dos meios de comunicação timorenses.
O conselheiro do Conselho de Imprensa, Benevides Correia Barros, afirmou que a democracia nas redações continua a ser um problema para os meios de comunicação no país. Referiu, a título de exemplo, um caso na Rádio e Televisão de Timor-Leste, E.P. e na Tatoli, I.P., em que um governante terá ameaçado cessar os contratos dos jornalistas destes órgãos de comunicação estatais, se não seguissem as suas orientações.
“Temos de ser honestos e admitir que, na RTTL E.P. e na Tatoli, I.P., houve interferência dos governantes e eu tenho dados que o comprovam. No entanto, até agora, o Conselho de Imprensa não conseguiu obter informações claras dos próprios jornalistas, porque têm medo de denunciar as ações dos governantes e de sofrer as consequências”, lamentou.
Segundo a investigação do Conselho de Imprensa, divulgada em agosto deste ano, o Secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Dias Ximenes, violou o artigo 40º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, que diz respeito à liberdade de imprensa e de expressão, ao obrigar a redação a alterar uma notícia sobre a recusa do primeiro-ministro, Xanana Gusmão, em cumprimentar um governante.
O CI destacou que os dois órgãos de comunicação social em causa não pertencem ao Governo, mas sim ao povo, “pois são financiados com dinheiro público, pelo que têm a obrigação de fornecer informações verdadeiras ao público”. A investigação também refere que alguns meios de comunicação se sentem limitados por receberem subsídios do Governo, o que acaba por afetar a qualidade crítica e a credibilidade da informação que fornecem.
Benevides Barros incentivou os jornalistas a exercerem a sua profissão de forma independente. “A profissão deve correr no sangue, da carne até aos ossos. Ser jornalista é uma profissão nobre, mesmo quando financiada pelo Governo, como acontece em alguns casos, mas não deve ser influenciada pelos subsídios”, salientou.
O conselheiro do Conselho de Imprensa destacou ainda a falta de capacidade financeira dos proprietários dos órgãos de comunicação social, o que faz com que os jornalistas não sejam remunerados de forma adequada. “Os jornalistas timorenses recebem entre 80 a 120 dólares americanos por mês, o que é claramente insuficiente. Por um lado, exigimos que forneçam informações verdadeiras, com fontes credíveis e precisão, mas por outro, os jornalistas não têm a sua sobrevivência garantida”, afirmou.
Benevides Barros avaliou que ainda existem problemas relacionados com o compromisso e a dedicação dos jornalistas. “Alguns jornalistas, não todos, pois não tenho dados suficientes, exercem a profissão por três a cinco anos até serem reconhecidos por entidades políticas ou privadas, e depois utilizam essa experiência como trampolim para se tornarem assessores de comunicação em ministérios”, afirmou, sublinhando que esta situação compromete a sustentabilidade dos meios de comunicação a longo prazo.
Por sua vez, o académico Armindo Moniz afirmou que, para garantir que os jornalistas têm consciência crítica, é necessário mudar a mentalidade de “seguir apenas as orientações dos superiores”. Explicou que os jornalistas não podem seguir cegamente o que as elites dizem ou ordenam, mas devem ter as suas próprias ideias e consciência ao decidir o que devem escrever, colocando sempre o interesse público em primeiro lugar.
“O público, quando recebe informações completas e verdadeiras, torna-se mais corajoso e disposto a criticar ações que indiciem tendências de corrupção. O problema é que, infelizmente, os meios de comunicação não conseguem realizar trabalhos de jornalismo investigativo. O público nunca recebeu informações suficientes sobre o caso de António da Conceição ‘Kalohan’, que foi absolvido pelo tribunal”, acrescentou. Disse ainda que, em Timor-Leste, quase todas as leis são escritas em português, o que faz o povo parecer ignorante, e quando os jornalistas atuam como porta-vozes das elites, a tendência é que a corrupção aumente, o Estado possa cair e a democracia morrer.
Para Armindo, a questão salarial é um aspeto secundário, mas o mais importante é questionar se os meios de comunicação realmente desejam ser independentes ou não. “Um órgão de comunicação pode ser independente, mas oferece informações sem qualidade ou conteúdo crítico. Isso vale alguma coisa? Precisamos de produtos independentes, com qualidade e sentido crítico”, afirmou. Destacou que os meios de comunicação devem usar a sua independência para expor as mentiras das elites e exigir responsabilidades pelas decisões que afetam a vida de muitas pessoas”.
Armindo destacou que, em Timor-Leste, existem muitos problemas estruturais graves, como no setor da saúde e da educação, mas poucos meios de comunicação fazem investigação. Observou que, com a tecnologia disponível atualmente, as pessoas no poder podem manipular informações para manter a sua governação. Deu como exemplo o incidente em que o Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, agrediu uma jornalista durante uma cobertura em Taibesi, mas poucos meios de comunicação questionaram o ocorrido.
“A Associação de Jornalistas de Timor-Leste apenas produziu um cartaz a dizer que tocar o corpo de alguém sem consentimento é crime, mas não tomou nenhuma ação. Pior ainda, o meio de comunicação onde a jornalista foi vítima fez uma conferência de imprensa dizendo que Xanana Gusmão não assediou, mas apenas tocou na perna. Isso é uma humilhação pública, como se o público fosse incapaz de avaliar a situação. Que tipo de qualidade jornalística é esta? Precisamos de garantir que os produtos jornalísticos não sigam este caminho”, afirmou.
Armindo sublinhou que os órgãos de comunicação social são pilares importante da democracia, mas a democracia pode ser prejudicada se as pessoas manipularem informações, o que impede o público de obter informações verdadeiras.
“Em Timor-Leste, há grupos de bajuladores que colocam a democracia em risco. Estão satisfeitos por serem bajuladores, mas não percebem que ser bajulador é como um veneno para a democracia. Num Estado democrático, são necessárias ideias, debate e outras coisas essenciais para construir o país ser mais próspero”, afirmou.
No mesmo local, Francisco Belo, chefe de redação da Hatutan.com e conselheiro de imprensa, disse que, para garantir a independência editorial, os profissionais do jornalismo precisam de ter capacidade intelectual para gerir as suas redações e evitar a influência política e económica.
“Jornalistas, editores e chefes de redação precisam de seguir um princípio: sua profissão é sagrada e deve ser honrada; não podem se marionetas que sobem e descem conforme as ordens do poder político”, afirmou.
Francisco Belo sublinhou que os chefes de redação devem ter coragem para dizer não à interferência dos proprietários dos meios de comunicação. “Não é apenas o poder político e económico que influencia os meios de comunicação, mas também os próprios donos exercem grande influência sobre as redações”, disse.
Armindo Moniz enfatizou que os jornalistas têm um código de ética que orienta a profissão, mas isso não é suficiente; ainda precisam de ter capacidade intelectual e moral para evitar qualquer intervenção. “O jornalista deve ser corajoso e honesto. Quando algo está errado, deve ser dito que está errado; quando está certo, deve ser reconhecido como certo”, sublinhou.
O presidente do Conselho de Imprensa de Timor-Leste, Otelio Ote, afirmou que a interferência política e económica continua a ser um desafio para os órgãos de comunicação social em Timor-Leste, e reconheceu que “não é algo que possa ser resolvido facilmente. Temos a responsabilidade de monitorizar a frequência, a qualidade das intervenções e a forma como nos podemos proteger contra interferências”, concluiu.