Dia Nacional da Juventude: uma geração chamada a construir o futuro, mas esquecida pelo próprio Governo?

Jovens universitários manifestaram-se em frente ao Parlamento Nacional, no ano passado, contra a compra de carros para os deputados/ Foto: DR

Enquanto Timor-Leste celebra o Dia Nacional da Juventude, muitos jovens questionam se o foco excessivo em cerimónias não desvia recursos essenciais para enfrentar os desafios urgentes dos jovens. Com dificuldades no acesso à educação, emprego e salários dignos, o apelo é claro: mais investimento no futuro da juventude e menos em festividades simbólicas.

O dia 12 de novembro é um marco na história de Timor-Leste, um tributo ao sacrifício de jovens que lutaram e morreram pela independência do país. Este ano, o 19.º Dia Nacional da Juventude e o 33.º aniversário do Massacre de Santa Cruz foram celebrados com atividades por todo o país.

O Governo destinou 97.600 dólares para estas celebrações, organizadas pelo Ministério da Juventude, Desporto, Arte e Cultura (MJDAC), em colaboração com a Direção Nacional de Desenvolvimento da Juventude.

“Este dia é mais do que uma simples data comemorativa. É uma oportunidade para refletirmos sobre o que a juventude timorense sacrificou e sobre como podemos continuar a honrar esse legado,” afirma Manecas Lobo dos Santos, Presidente da Comissão Organizadora em Díli.

Denilson Júlio Guterres, Presidente da Juventude Geração 12 de novembro (J12), explicou que o orçamento de 22.700 dólares se destinou a atividades como consultas para os sobreviventes do 12 de novembro, uma reflexão sobre Max Stahl e Sebastião Gomes, limpeza geral no Cemitério de Santa Cruz, animação musical por grupos juvenis, e visitas de estudantes ao Centro Audiovisual de Timor-Leste (CAMSTL).

“Não podemos esquecer o que os nossos jovens fizeram por esta nação”, afirmou a Presidente do Conselho Nacional da Juventude de Timor-Leste, Maria Dady Magno. “É nossa responsabilidade garantir que o seu sacrifício não tenha sido em vão”, alertou, reforçando a importância da colaboração entre as diversas organizações juvenis e sublinhando que o reconhecimento deste dia é um tributo àqueles que sacrificaram tudo por um país livre.

Embora o lema das celebrações deste ano seja “Orgulho da nossa História e, juntos, vamos desenvolver uma nação próspera no futuro”, a realidade para muitos jovens é bem diferente. Apesar dos eventos organizados, como a Caminhada da Juventude e atividades culturais, muitos jovens timorenses continuam a questionar a relevância dessas celebrações face aos problemas urgentes que enfrentam.

Comemorar o passado, ignorar o presente?

O Ministro da Juventude, Nelyo Isaac Sarmento, a propósito das celebrações do Dia Nacional da Juventude, deixou uma mensagem: “Os jovens de hoje têm a missão de continuar o trabalho iniciado pela geração que lutou pela nossa independência. Com orgulho e dedicação, devem continuar a construir um futuro melhor para Timor-Leste.”

Apelo que Miguel Moniz Silva questiona. “A luta pela independência deixou marcas profundas, mas a nova geração enfrenta batalhas que não se resolvem com celebrações anuais. Os jovens são chamados para contribuir, mas continuam a ser deixados de lado. Onde está o apoio para que possam realmente construir um futuro?”.

O ativista sublinha que, enquanto o Governo gasta em comemorações, muitos jovens lutam para ter acesso a uma educação de qualidade e oportunidades de emprego. “O sistema de educação não prepara os jovens com as competências necessárias para o mercado de trabalho. E depois ainda se perguntam por que razão tantos jovens procuram trabalho no estrangeiro”, lamenta.

Embora o Governo destaque a importância da juventude, o setor da educação em Timor-Leste tem recebido uma parcela reduzida do orçamento. Enquanto os países vizinhos do Sudeste Asiático investem, em média, 15% da despesa pública em educação, Timor-Leste gasta apenas metade disso.

Um relatório do Banco Mundial de 2023 alerta para uma crise de capital humano no país, indicando que as crianças nascidas hoje terão menos de metade da produtividade que poderiam alcançar se tivessem acesso a educação e saúde adequadas. O estudo sublinha que, para aproveitar o potencial da população jovem, é urgente investir na educação, saúde e proteção social. Desde 2008, o investimento na educação superou os 10% apenas duas vezes, enquanto a média da ASEAN é de 14,8%.

As celebrações são uma mera formalidade do Governo para mostrar ao povo que se interessa, segundo Monsil, “mas isso não é verdade, porque os jovens continuam sem apoio suficiente e continuam a ser vistos como um estorvo aos olhos do Estado”, criticou.

De acordo com o ativista, o desemprego é um dos maiores desafios que os jovens enfrentam, agravado pela falta de políticas laborais que assegurem condições de trabalho dignas. “Os líderes apelam ao patriotismo dos jovens, mas não garantem o direito a um emprego com salário justo. Isso empurra muitos a deixarem o país em busca de um futuro melhor.”

De acordo com dados do Banco Mundial, apenas 30% da população em idade ativa em Timor-Leste possui um contrato de trabalho. Os restantes encontram-se desempregados ou a trabalhar no setor informal.

O salário mínimo em Timor-Leste, desde 2012, está fixado em 115 dólares americanos. De acordo com o regulamento, o salário mínimo deveria ser revisto de dois em dois anos, ajustando-se à inflação e ao custo de vida, mas tal revisão nunca ocorreu. Em 2014, um estudo recomendou um aumento para 200 dólares, mas essa sugestão foi ignorada pelo Governo. Em abril deste ano, o Conselho de Ministros rejeitou uma proposta para aumentar o salário mínimo, apesar do consenso entre representantes de trabalhadores, empresas e SEFOPE.

Berta Antonieta, ativista social, destaca que, durante 20 anos, o Estado falhou em oferecer um sistema educativo robusto. “Como podemos falar em desenvolvimento se os jovens continuam com fome e sem acesso a cuidados de saúde básicos?”, questiona Berta, apontando que a situação é particularmente grave nas zonas rurais, onde os jovens abandonam os estudos para ajudar as suas famílias.

O censo de 2022 revelou que apenas 54,6% dos jovens timorenses entre os 3 e os 29 anos frequentam a escola. Além disso, o Índice de Pobreza Multidimensional da ONU indica que 42% da população vivem em vulnerabilidade social, com 24% a sobreviver com até 2,15 dólares por dia.

O Índice Global de Fome deste ano revela que Timor-Leste enfrenta níveis graves de fome, com uma taxa de nanismo de 46,7% entre crianças com menos de cinco anos, um nível considerado “extremamente elevado”.

Para a ativista, os jovens são fontes de receitas mais valiosas do que a venda de petróleo e café, referindo-se às remessas que os trabalhadores no estrangeiro conseguem enviar para o país, melhorando a vida das suas famílias. “Não gosto de ver os líderes a desvalorizarem o esforço dos jovens só porque não lutaram na guerra. Os jovens estão a lutar, enfrentando pontapés, pancada e até mortes. É o preço pela falta de trabalho em Timor-Leste”, indignou-se.

Enquanto as celebrações servem para relembrar o sacrifício dos heróis do passado, muitos jovens timorenses acreditam que o foco deveria estar em resolver os problemas do presente. “Honrar o passado é importante, mas não podemos ignorar a necessidade de criar condições para que os jovens de hoje possam contribuir para o desenvolvimento do país”, sublinha Mario Ernit, estudante universitário. Para ele, a verdadeira homenagem aos heróis da independência seria um compromisso real com políticas que promovam o acesso à educação, ao emprego e a uma vida digna.

Opinião partilhada pela ativista Judite Dias Ximenes, que apela ao Estado para que redirecione os fundos destinados a comemorações, dando prioridade ao investimento nos jovens. “Em vez de gastar grandes somas em cerimónias, o Governo deve concentrar-se em proporcionar oportunidades e programas que preparem a juventude para o futuro”, defendeu.

Judite sublinha que, desde a independência, o Governo tem alocado orçamentos significativos para celebrar datas históricas, mas não tem investido o suficiente no desenvolvimento da juventude.

A frustração entre os jovens é palpável. “Não precisamos de discursos. Precisamos de ação. Precisamos que o Governo invista na educação e crie oportunidades reais para a juventude”, afirmou Monsil.

“Ler livros, criar debates e tomar controlo do nosso destino são as armas que temos”, concluiu Berta Antonieta, realçando que a mudança só será possível quando o Governo começar a tratar os jovens como agentes de transformação, em vez de apenas os ver como problemas a serem resolvidos.

Enquanto as festividades continuam, a verdadeira questão que permanece é se o Governo irá finalmente ouvir os apelos da juventude e investir em políticas que habilitem esta nova geração a transformar o país.

 

Ver os comentários para o artigo

  1. “Enquanto o pau vai e vem folgam as costas”!
    E uma tactica usada por muitos “desgovernos” para distrair o pessoal das verdadeiras realidades dos paises onde nao existe a capacidade de “enfrentar o touro pelos cornos”.
    Os folioes estao entretidos com o fogo de artificio, dancas e “tua manas” e esquecem-se dos problemas enquanto “o diabo esfrega o olho”.

  2. Na giria futebolistica, a semelhanca do Man United, a equipa nacional de TL, precisa urgentemente de mudar de treinador. Precisa de contratar um Ruben Amorim. O “NaN Ten Egg”nao da uma pra caixa.
    E necessario mudar de tactica, adoptar um 3x4x3 como sistema de jogo. A bola tem de ser jogada e ganha no miolo, no meio do terreno. Ha que abrir os flancos e cruzar a “pelota” pra area de penalty. Ha que ter “atletas” altos, veio-me a cabeca o Jose Torres.
    O jogo tem de ser simples e efectivo. Nao e necessario nenhuns “rebo rebo”. E necessario um patrao que imponha disciplina. Ha que ter nao so vedetas mas tambem pau para toda a obra. Ha que ter amor a camisola. Nao e necessario jogadores que se atirem pro chao a fazer-se ao penalty.

    Ze Chico Gordo
    Poeta e ex-defesa de futebol

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