Dia Mundial da Música: de “Kadalak Sulimutu” às novas vozes que transformam Timor-Leste

Nos últimos anos, Timor-Leste tem assistido ao surgimento de novos talentos musicais que projetam o país para além das suas fronteiras /Foto: Diligente

No Dia Mundial da Música, celebramos o papel transformador da música em Timor-Leste, desde as canções de resistência, como “Kadalak Sulimutu”, até às novas gerações de músicos que continuam a lutar por justiça e identidade cultural.

Hoje, 1 de outubro, celebra-se o Dia Mundial da Música, uma ocasião para refletir sobre a importância que a música tem tido em Timor-Leste, tanto nas suas tradições ancestrais como nas expressões musicais mais contemporâneas.

A música timorense sempre foi uma ferramenta de resistência e de fortalecimento da identidade cultural. Durante a ocupação indonésia, canções como “Kadalak Sulimutu”, com letra de Francisco Borja da Costa, poeta e compositor timorense, e música de Abílio Araújo, economista e músico, emergiram como símbolos de união e força.

A canção, segundo Abílio Araújo, é “um apelo à unidade”, exemplificado no verso inicial: “kadalak suli mutuk fila ué inan” que significa “ribeiros convergindo formam um rio”. “Kadalak Sulimutu” foi amplamente utilizada pela resistência timorense para manter vivo o espírito de luta, servindo como meio de comunicação e inspiração, especialmente em tempos de isolamento.

Outro exemplo marcante deste período é a canção “Foho Ramelau”, também com letra de Borja da Costa e música de Abílio Araújo, criada em outubro de 1973. A canção homenageia o ponto mais alto de Timor-Leste, a montanha Ramelau, que se tornou um símbolo da força e resiliência do povo timorense durante a ocupação.

Segundo Araújo, é uma “música de revolução contra o colonialismo”, com o objetivo de motivar o povo a lutar pela sua independência. Borja da Costa foi assassinado no primeiro dia da invasão indonésia, em 1975, mas as suas canções continuam a inspirar muitos, como memória da luta pela independência.

A música “Óras too ona, atu ita hili”, composta em 1999 por José Filipe Ximenes “Zeca”, teve o propósito de motivar a população a votar no referendo que restaurou a independência de Timor-Leste. Esta canção tornou-se um símbolo de esperança e coragem perante as forças invasoras.

Canções tradicionais, como “Mai Fali Eh, Mama Bolu Ita”, um apelo de uma mãe para que os filhos retornem à pátria e aos pais, e “Toos Na’in”, cantada por Ego Lemos, refletem a vida rural e as dificuldades enfrentadas pelos agricultores timorenses.

“Timor Hau Hadomi O” é uma das músicas mais amadas entre timorenses e comunidades internacionais, tocada frequentemente em eventos como expressão de amor por Timor-Leste. “Haburas Rai”, também de Ego Lemos, exorta à preservação da natureza, alertando contra o corte de árvores e as queimadas.

A música “Princesa”, composta por José Avelar, da banda timorense Alcatraz, é uma das canções mais populares em Timor-Leste. Este tema é amplamente tocado em festas e casamentos, sendo quase impossível não o ouvir repetidamente nesses eventos. A sua melodia romântica e letra cativante conquistam tanto os timorenses como os estrangeiros que vivem no país, tornando-a num verdadeiro hino em celebrações.

A música em Timor-Leste vai além da resistência. Está profundamente enraizada no quotidiano das comunidades. Durante atividades agrícolas, como a colheita do arroz, os cânticos são parte essencial do trabalho, coordenando o ritmo das tarefas e promovendo o espírito de comunidade. Além disso, a música é usada para receber convidados importantes, simbolizando hospitalidade e respeito, uma tradição que se mantém viva até hoje.

Instrumentos tradicionais timorenses, como o babadok, são parte essencial da música e cultura do país. O babadok, um instrumento de percussão semelhante a um tambor, é utilizado em muitas cerimónias e celebrações, servindo como base rítmica para danças e rituais.

Novos Talentos Musicais

Nos últimos anos, Timor-Leste tem assistido ao surgimento de novos talentos musicais que projetam o país para além das suas fronteiras. Bandas como The Galaxy têm conquistado o público jovem com um estilo moderno, enquanto Marvi, vencedora do The Voice Portugal, destacou o talento timorense a nível internacional. Estes novos artistas mostram como a música timorense pode evoluir, mantendo as suas raízes e, ao mesmo tempo, abraçando influências contemporâneas.

Esta nova geração de músicos timorenses dá continuidade ao legado da música enquanto força de mudança, tanto em tempos de luta como no desenvolvimento da identidade cultural.

Natalino Ximenes, guitarrista dos The Kraken, referiu que o Dia Mundial da Música “é especial porque mostra como a música pode aproximar pessoas e culturas”. Sublinhou o papel que a música sempre teve em Timor-Leste, tanto na luta pela identidade como na expressão cultural. Para ele, este dia é “uma oportunidade para pensar sobre como a música influencia a nossa sociedade e também para celebrar a criatividade e a diversidade musical que existe no país”.

Natalino contou que o seu interesse pela música começou na escola secundária, influenciado pelo irmão do seu primeiro professor de guitarra. Mais tarde, aprendeu a tocar com Maun Alulu, em Gleno, Ermera. O momento decisivo foi quando conseguiu a sua primeira guitarra, trocando os cães da família por uma guitarra, porque não tinha dinheiro para comprar uma. “Foi um passo importante para mim, queria muito aprender e dedicar-me à música”, afirmou. Inicialmente, não sabia se seguiria uma carreira na música, mas acabou por perceber que “era a melhor forma de me expressar”.

Ao falar dos desafios que enfrentou, destacou a dificuldade de proteger as suas músicas, algo que ainda não foi resolvido, apesar da aprovação do Código de Direitos de Autor em 2022. Outro obstáculo foi a falta de recursos para gravar e distribuir música em plataformas como Spotify e Amazon.

Quanto às influências musicais, sublinhou a importância da música tradicional timorense e a sua fusão com estilos internacionais. “A música tradicional de Timor-Leste é uma grande fonte de inspiração”, afirmou, referindo ainda que é necessário explorar mais a riqueza cultural do país no cenário internacional. Por fim, mostrou-se otimista quanto ao futuro da música timorense, acreditando que está a crescer e a diversificar-se, sendo “uma plataforma cada vez mais forte para expressar as histórias e desafios do país”.

Bandas como Klamar continuam a tradição de utilizar a música como veículo de crítica social. As suas canções abordam temas como justiça, corrupção e os desafios sociais que Timor-Leste ainda enfrenta.

Otopsy, vocalista da banda, afirma que “a música é um meio de expressar o que os artistas, neste caso os músicos, sentem e observam todos os dias”. Para Otto, a música tem o poder de intervenção social, sendo usada para “fazer com que os líderes tomem decisões pensando no bem dos cidadãos”.

Ele acredita que a música pode “mudar a realidade e a mentalidade timorense”, incentivando as pessoas a refletirem sobre o impacto dos seus comportamentos e a mudarem para o bem da sociedade.

Otto apela ainda à responsabilidade dos músicos: “Devemos usar o poder da música como deve ser. Continuem a cantar os problemas da sociedade, a criticar até vermos mudança. Continuem a sensibilizar a comunidade para criar uma sociedade mais inclusiva”.

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  1. A musica e um veiculo de transmissao do que vai na alma, as vezes usada como protesto.
    Cresci ao som das colcheias, fusas e semi fusas de Abril Metan, Chico Mauloi, etc…
    Do Brasil Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Caetano Veloso e ate o gaucho Teixeirinha.
    Venicius de Morais era unico.
    No Portugal revolucionario, Jose Mario Branco, Paulo de Carvalho, Ary dos Santos.
    Ja no tempo de Viriato havia excelente bandas. A Banda dos Sem Casaco, Pauladas Xutos e Pontapes. Bem diz o Ze Cid que ” Eu nasci pra musica”.
    A melhor banda actual em TL, e
    “PRADO DOS ZES TESINHOS”. Cobram ao Povo, 65 mil dolares por concerto!

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