Dia Internacional dos Migrantes: timorenses no estrangeiro enfrentam desafios e pedem apoio governamental

Um estudo da Organização Internacional para as Migrações (OIM) revela que aproximadamente 50 mil timorenses residem atualmente no estrangeiro. /Foto: DR

No Dia Internacional dos Migrantes, histórias de timorenses a viver no estrangeiro revelam desafios de adaptação e integração, mas também a resiliência e o desejo de contribuir para as suas famílias e comunidades.

O dia 18 de dezembro marca o Dia Internacional dos Migrantes, uma data reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2000. Este dia é dedicado a refletir sobre os desafios enfrentados pelos migrantes em todo o mundo e a promover o respeito pelos seus direitos.

Mais do que uma celebração, o Dia Internacional dos Migrantes é uma oportunidade para sensibilizar a sociedade para a importância de tratar os migrantes com dignidade, oferecendo-lhes segurança, acesso a oportunidades e o apoio necessário para se integrarem nas comunidades de acolhimento.

A data também destaca os contributos significativos que os migrantes dão às sociedades onde vivem, ao mesmo tempo que chama a atenção para os obstáculos que enfrentam, como discriminação, falta de acesso a direitos básicos e condições de vida precárias.

Conforme dados divulgados pelo Banco Mundial em 2023, apenas 30% da população em idade ativa em Timor-Leste possui um contrato de trabalho formal. Os restantes encontram-se desempregados ou inseridos no setor informal.

A Organização Não Governamental (ONG) La’o Hamutuk aponta que a taxa de desemprego em Timor-Leste atinge 27% da população em idade laboral, afetando principalmente os jovens. O salário mínimo no país, fixado em 115 dólares em 2012 pela Comissão Nacional do Trabalho (CNT) para o setor privado, é equivalente ao aplicado à Função Pública e permanece inalterado desde então.

Um estudo da Organização Internacional para as Migrações (OIM) revela que aproximadamente 50 mil timorenses residem atualmente no estrangeiro. Estes emigrantes enfrentam desafios significativos de adaptação e integração, mas também contribuem para o desenvolvimento das suas famílias e comunidades em Timor-Leste, através de remessas financeiras e novos conhecimentos adquiridos no exterior.

Na semana em que se assinalou o Dia Internacional dos Migrantes, o Diligente ouviu as histórias de timorenses que trabalham no estrangeiro para compreender como enfrentam os desafios de adaptação em novos países. As suas experiências são um testemunho de resiliência, mas também um apelo ao governo e à sociedade para criar melhores condições de trabalho e oportunidades em Timor-Leste, reduzindo assim a necessidade de emigração.

“Não devem viajar apenas com passaporte timorense, pois isso representa um grande risco. Atualmente, muitos colegas enfrentam problemas graves relacionados com esta questão. Por isso, apelo ao governo para que olhe para esta situação e apoie os emigrantes de forma mais eficaz” 

Fulis Correia Hau, de 27 anos, vive na República da Irlanda há 2 anos e trabalha numa fábrica de processamento de frango/Foto: DR

“A principal razão pela qual tive de procurar um emprego noutro país foi para sustentar a minha família em casa. Atualmente, Timor-Leste encontra-se ainda em fase de desenvolvimento, enfrentando desafios como a falta de infraestruturas, o acesso limitado aos mercados e a ausência de diversificação económica. Comparando com países como o Reino Unido, que possuem uma economia avançada e um mercado global, percebo que emigrar é uma solução para ajudar a minha família.

Sinto-me feliz com o salário que recebo, mas triste por estar longe da família e dos amigos. Tenho muitas saudades, principalmente da minha companheira em Timor-Leste. No entanto, as videochamadas e os telefonemas ajudam a amenizar essa saudade. Não planeio regressar a Timor enquanto não cumprir a minha missão de apoiar a minha família e garantir o seu bem-estar.

Na Irlanda, enfrento desafios como a barreira da língua, o clima gelado e, por vezes, atitudes racistas. Sinto que a integração não é fácil, pois a maioria dos europeus preocupa-se apenas com as suas próprias vidas. Ainda assim, encaro estas dificuldades como lições que me ajudam a aprender e a adaptar-me.

Apesar das diferenças culturais, como a falta de gestos de solidariedade e abraços, nós, emigrantes timorenses, continuamos a criar boas relações uns com os outros e mantemos vivas as nossas tradições. Celebramos, por exemplo, o Dia de Finados, e mesmo durante o trabalho na colheita de cereais ou trigo, trocamos produtos tradicionais de Timor, como bétel e areca, com colegas que regressam ao país. Estas práticas ajudam-nos a preservar a nossa identidade como timorenses.

Gostaria também de aconselhar os amigos que pretendem emigrar a prepararem toda a documentação necessária. Não devem viajar apenas com passaporte timorense, pois isso representa um grande risco. Atualmente, muitos colegas enfrentam problemas graves relacionados com esta questão. Por isso, apelo ao governo para que olhe para esta situação e apoie os emigrantes de forma mais eficaz.”

“Aqui, ninguém está acima da lei. As mulheres, as crianças e até os animais são protegidos”

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Ana Neto, de 32 anos, vive em Inglaterra há 1 ano/Foto: DR

“É verdade que “não há lugar como o nosso lar!”, mas a vida oferece-nos inúmeras escolhas e oportunidades. Decidi, por isso, emigrar para o Reino Unido, porque as condições de trabalho são, geralmente, melhores, com as empresas a investirem nos seus funcionários através de formação financiada. Os salários são bastante superiores aos nossos, permitindo-me poupar algum dinheiro. Além disso, as clínicas e hospitais são tecnologicamente avançados.

Sinto que fiz a escolha certa, pois as viagens para outros países europeus são baratas e, aqui, ninguém está acima da lei. As mulheres, as crianças e até os animais são protegidos.

A nível dos serviços administrativos, o sistema é incrível. Não é preciso acordar cedo para ficar em filas ou tirar senhas, já que todo o atendimento é feito por marcação, exceto em casos de urgência. Caso tenha dúvidas, por exemplo, sobre migração, basta aceder ao portal do Governo, que é muito acessível e informativo.

Enquanto estudante e trabalhadora, só preciso de ser confiante e não ter medo de perguntar quando tenho dúvidas. Se não percebo algo, peço às pessoas que repitam, porque, por vezes, o sotaque britânico é difícil de compreender. O mais importante é rezar todos os dias, pedindo a Deus que me acompanhe em todos os passos. Eu e o meu marido só precisamos de trabalhar, porque, hoje em dia, “it’s all about money” (é tudo acerca de dinheiro).

Infelizmente, como todos sabemos, muitos timorenses são obrigados a deixar os filhos, as mulheres ou os maridos para trabalhar no estrangeiro, devido à falta de emprego e aos baixos salários em Timor-Leste. Admito que, na empresa onde trabalho, os gerentes ficam surpreendidos com a dedicação dos timorenses.

Hoje em dia, é muito fácil aceder a qualquer tipo de informação. Por isso, não tenham medo de perguntar ou pedir ajuda. Nunca sabemos o que o futuro nos reserva. Eu gostava sempre de voltar a casa, porque lá estão os meus pais, irmãos e sobrinhos. Entre os meus irmãos, sou a única a residir fora do país.

Se um dia regressar a Timor, gostaria de continuar a trabalhar na área do Jornalismo, pois é uma profissão muito interessante e abrangente. Graças a Deus, estamos todos a trabalhar para garantir o sustento das nossas famílias.

Em 2013, fui estudar para Portugal, onde concluí a Licenciatura em Administração Pública na Universidade de Aveiro, aproveitando também para frequentar aulas extracurriculares do Mestrado em Administração e Gestão Pública, com financiamento do Estado timorense.

Após concluir os estudos, regressei a Timor em 2019 e trabalhei cerca de quatro anos no projeto CLJ, em parceria com o Camões I.P. e a SECOMS, a rever notícias em português escritas pelos nossos jornalistas timorenses. Mais tarde, decidi vir para Inglaterra, em 2023, em busca de uma melhor qualidade de vida e novas experiências. Desde então, a minha forma de pensar sobre o futuro mudou, e aprendi a estabelecer prioridades, a investir em mim própria e a viver o presente, como se não houvesse amanhã. Em casa, também sou mãe e mulher.

Nunca me arrependo das decisões que tomo, porque acredito que nada acontece por acaso. A palavra “arrependimento” não existe no meu dicionário.

Sou sempre grata por tudo aquilo que tenho. Contudo, por um lado, custa-me longe dos meus pais e irmãos. Por outro lado, estou com a minha pequena família. Viver neste país multicultural permitiu-me desenvolver laços de amizade e conhecer pessoas de diferentes culturas e etnias.”

“Se regressar a Timor, pergunto-me: o que farei aí? Olhando para a realidade, o desemprego em Timor continua elevado, o que me faz pensar que esta situação dificultará o meu regresso”

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Mateus da Silva, 41 anos, vive em Portadown, na Irlanda do Norte, há 19 anos e trabalha na área da indústria aeronáutica. / Foto: DR

“Vim para este país com o objetivo de melhorar a minha vida e ajudar a minha família em Timor. Também queria adquirir novas competências para a vida e para o trabalho. Adoro trabalhar, e atualmente estou na área da aeronáutica, na fabricação de peças de aviões, uma indústria que já existe há bastante tempo. Este trabalho dá-me satisfação, principalmente porque recebo um bom salário.

Antes de vir, deixei muitas coisas em Timor, incluindo a minha família. A nostalgia acompanha-me sempre, onde quer que vá. Nos meus tempos livres, procuro formas de manter contacto com a família através das redes sociais ou por telefone, pois é a única maneira de me sentir mais próximo deles. Também os ajudo financeiramente, mas, às vezes, esse apoio é usado em situações de conflitos familiares ou tradições, o que me deixa triste, mas é a nossa realidade.

Tenho saudades do meu país, com o seu belo mar e temperatura quente. Sinto especialmente a falta de celebrações como o Dia de Finados e o Natal, momentos que costumávamos passar juntos em família.

No entanto, mesmo vivendo longe, os timorenses que estão aqui mantêm a nossa cultura viva, promovendo tradições como as danças tradicionais, o uso do tais e o dahur (dança tradicional timorense). Nós, concidadãos timorenses, procuramos apoiar-nos mutuamente, organizando atividades como missas, jogos e comemorações de aniversários. Este apoio torna-se essencial em qualquer situação.

Se regressar a Timor, pergunto-me: o que farei aí? Olhando para a realidade, o desemprego em Timor continua elevado, o que me faz pensar que esta situação dificultará o meu regresso.

Viver num novo país exige adaptação, incluindo aprender a língua e acostumar-se a estações do ano diferentes das de Timor. Já passei por essa fase e, hoje, sinto-me integrado e seguro aqui. Muitas coisas são mais fáceis de encontrar aqui, e consigo garantir uma educação de qualidade para os meus filhos. Contudo, reconheço que a educação em Timor também está a melhorar.

Uma observação importante para quem deseja emigrar: é fundamental seguir os caminhos legais. Isso ajuda a evitar discriminação. Além disso, é crucial adaptar-se ao ambiente onde se vive.

Por outro lado, olhando para o mercado em Timor, sinto que ainda é insuficiente. O nosso país tem terras férteis e condições favoráveis, mas poucas pessoas aproveitam esse potencial. Muitos preferem esperar pelas ações do governo em vez de agir por si próprios. Também verificamos que alimentos importados chegam em más condições, o que pode prejudicar a saúde, especialmente das crianças.

O governo deve criar mais oportunidades de emprego em Timor-Leste para reduzir a necessidade de emigração e atrair investidores de outros países, aumentando assim o investimento no país. Além disso, é essencial prevenir conflitos, como tensões entre comunidades, para garantir a paz e a estabilidade. Estas ações ajudarão Timor-Leste a crescer economicamente e a construir um futuro mais promissor.”

“Sinto uma grande responsabilidade para com a minha família em Timor. Trabalhar não é para enriquecer, mas para ajudar os nossos familiares, principalmente quando estão em situações difíceis”

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Abrão Soares, de 21 anos, vive na Coreia do Sul e trabalha na indústria pesqueira/Foto: DR

“Vejo os meus irmãos que emigraram antes de mim e fizeram muitas coisas boas em Timor-Leste. Esta é a minha principal motivação para emigrar: concretizar os meus planos para o futuro. Pretendo, um dia, gerir um negócio e poder ajudar os meus amigos que precisam de trabalho.

Atualmente, trabalho na indústria pesqueira na Coreia. Para nos adaptarmos a um novo país, é essencial comunicarmos bem com a população local, especialmente com o chefe e a sua família. Contudo, enfrentamos muitas dificuldades. Por exemplo, se não trabalharmos rapidamente, corremos o risco de sermos enganados pelo patrão. Apesar disso, sinto que o meu esforço compensa, pois o dinheiro que ganho envio-o para Timor para apoiar a minha família.

Sinto uma grande responsabilidade para com a minha família em Timor. Trabalhar não é para enriquecer, mas para ajudar os nossos familiares, principalmente quando estão em situações difíceis.

Tenho muitas saudades de Timor, porque lá a família está sempre presente. Quando nos sentimos em baixo, é ainda mais difícil lidar com a distância. Apesar de as dificuldades serem uma constante, coloco todas as minhas forças para as enfrentar. Comunicar com a minha família em Timor depende do meu tempo livre, mas sempre que possível falo com eles por telefone.

Deixo aqui um conselho aos meus amigos timorenses que pretendem emigrar: é melhor frequentarem um centro de formação para aprenderem a língua do país de destino, pois a língua é essencial para uma boa comunicação.

O mercado de trabalho em Timor-Leste é pequeno em quase todas as áreas. Trabalhar como guarda ou em negócios familiares ainda é uma novidade para muitos. Acho que seria muito importante se o governo prestasse mais atenção a nós, emigrantes. Seria bom que nos apoiasse em situações de dificuldade.”

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