Desvalorização do dólar causa preocupações para economia timorense

Desvalorização do dólar americano desde início de 2025 a 17 de abril/Fonte: Índice DXY

A desvalorização do dólar ainda não se faz sentir na economia de Timor-Leste, mas prevê-se que a moeda americana continue em queda durante o ano. Economistas e retalhista antecipam aumentos de preços e riscos de inflação, que penaliza os mais pobres.

A acentuada desvalorização do dólar americano nos primeiros meses de 2025 pode vir a pressionar a economia de Timor-Leste, fortemente dependente de importações. Uma subida dos preços dos produtos importados pode agravar a inflação e aumentar os níveis de pobreza.

A divisa norte-americana tem estado sob pressão e atingiu este ano mínimos em relação a outras moedas. O índice do dólar (DXY), que compara esta moeda às seis principais divisas mundiais, desvalorizou cerca de 8,95% entre 20 de janeiro, dia da tomada de posse do presidente Trump, e 16 de abril de 2025.

A queda do dólar não parece ter fim próximo. Analistas financeiros preveem a continuidade da tendência de desvalorização em 2025. Segundo a previsão do banco de investimento Goldman Sachs, a moeda norte-americana deverá desvalorizar durante o ano cerca de 10% em relação ao euro e aproximadamente 9% face ao iene japonês e à libra esterlina.

Índice do dólar desde o início do ano a 17 de abril de 2025/Fonte: Índice DXY

A quebra de confiança nos Estados Unidos, causada pela imposição de tarifas, possível crise económica norte-americana e imprevisibilidade das políticas de Trump, levou os investidores estrangeiros a abandonarem ativos denominados em dólares, o que enfraqueceu a moeda e poderá ter consequências para a economia timorense.

O primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, já alertou para os riscos. Em declarações à agência Lusa, Gusmão sublinhou que, com a desvalorização do dólar,  o país tem de “apertar o cinto”, antecipando um aumento nos custos das importações, num país que importa significativamente mais do que exporta.

A queda do dólar americano faz com que os produtos importados por Timor-Leste se tornem mais caros no caso de valorização das moedas de outros parceiros comerciais. Para adquirir bens nesses países, são necessários mais dólares para comprar a mesma quantidade de moeda estrangeira.

Segundo o economista português António Serra, esta queda do dólar “torna as importações timorenses mais caras e as exportações mais baratas”. No entanto, a principal exportação do país, o café, “tem o  preço fixado no mercado internacional e, por isso, as receitas de exportação podem não aumentar já que dependem do mercado internacional”.

“Por outro lado, os preços de muitos produtos importados, apesar de terem o seu valor fixado em dólares americanos,  podem aumentar se os países fornecedores quiserem manter a sua receita na moeda nacional, o que exigirá mais dólares”, explica o economista.

“A tendência vai ser de um aumento dos preços, se os exportadores aumentarem os preços para manterem as suas receitas em moeda nacional dos respetivos países”, alerta Serra. Para o economista, o resultado é a inflação, “que é conhecida como o pior imposto sobre os mais pobres”.

Impacto ainda não se sente, mas já preocupa setor retalhista

Os efeitos da desvalorização da moeda ainda não são visíveis. Na Indonésia, o impacto das políticas de Trump também se sentiu e rupia indonésia tem vindo a desvalorizar em 2025. O país vizinho é responsável por 34,4% dos produtos importados por Timor-Leste, mas a queda da divisa norte-americana é compensada pela desvalorização da moeda indonésia.

Ruli Marciano, gestor geral do supermercado Leader, confirmou ao Diligente que ainda não se sentem os efeitos da pressão cambial na importação e no preço dos bens. “Não importamos quase nada da Europa, então ainda não sentimos o impacto”, explicou.

O gestor disse também que ainda não são visíveis os efeitos do enfraquecimento da moeda norte-americana nas importações vindas da China, Singapura ou Austrália.

Também Alexandre Couto, administrador do supermercado Páteo, explicou ao Diligente que, por enquanto, o impacto da desvalorização do dólar nos preços ao consumidor ainda não é visível, devido ao “lead time” logístico associado ao aprovisionamento de produtos, que é de cerca de dois a três meses.  “Os produtos que hoje se encontram nas prateleiras foram adquiridos antes da recente desvalorização do dólar”, afirmou.

Ainda assim, o responsável realça que, dado que grande parte das compras é feita em moedas estrangeiras (como o euro, o iene ou o yuan), a desvalorização do dólar já encarece as novas aquisições.

“Com a desvalorização do dólar, a quantidade de moeda estrangeira que conseguimos adquirir com o mesmo montante em dólares diminuiu, o que encarece diretamente as compras”, explicou. O administrador exemplifica: “Se anteriormente 1 dólar comprava um determinado bem, agora poderão ser necessários 1,10 para o mesmo bem”.

O impacto nos preços de venda, segundo Alexandre, só deverá tornar-se evidente nos próximos ciclos de reposição. “Os produtos comprados atualmente e que chegarão ao mercado dentro de um a dois meses já refletirão essa nova realidade cambial”, disse.

Quanto ao poder de compra, o Páteo admite preocupação. “Existe uma preocupação legítima quanto ao poder de compra da população, que poderá ser afetado se a tendência de desvalorização do dólar se mantiver”, reconheceu o administrador, referindo o risco de inflação.

No que toca a estratégias para mitigar o impacto, o responsável sublinha que as alternativas são limitadas. “Reduzir margens é extremamente difícil num mercado onde estas já são muito comprimidas. E reduzir importações ou suspender fornecimentos seria contraproducente”, afirmou, garantindo que a prioridade é “manter alternativas viáveis para os consumidores”.

Caso a desvalorização se prolongue, a empresa não exclui a possibilidade de ruturas de stock e dificuldades na reposição. “A cadeia de abastecimento depende de previsibilidade e estabilidade, e qualquer perturbação cambial prolongada introduz incerteza e risco”, alerta, embora ressalve que é prematuro antecipar a dimensão exata desses efeitos.

Alexandre Couto considera que, embora o Governo timorense não tenha como influenciar a política cambial internacional, podem contribuir para a estabilidade do mercado interno.

“É importante garantir segurança jurídica, previsibilidade e apoio logístico aos operadores económicos, além de manter a confiança no regime cambial baseado no dólar”, defendeu.

Apesar das incertezas, o administrador termina com uma nota de esperança. “A história económica ensina-nos que os ciclos cambiais são voláteis, mas também reversíveis. A nossa melhor resposta é a preparação, a transparência e a capacidade de adaptação.”

Preocupações num país que consome muito mais do que o que produz

De acordo com o relatório anual do  Banco Central de Timor-Leste, em 2024, Timor-Leste registou um aumento significativo nas importações de bens, atingindo os 923,2 milhões de dólares, o que representa um acréscimo de 12,5% face a 2023.

A Indonésia, a China com 15% do total de produtos importados, Taiwan com 13,2%, Singapura com 6,4% e Índia com 5,2% lideraram as importações. Os combustíveis constituem os bens mais importados, com 21,6% do total, principalmente provenientes de Taiwan. Seguiram-se os veículos (11,2%), maioritariamente importados da Indonésia. Os cereais, na maioria oriundos da Índia, representam 10,4% das importações.

O aumento das importações deveu-se, em parte, ao crescimento do consumo e do investimento internos, o que também contribuiu para o agravamento do défice comercial. Apesar de registarem um aumento, as exportações não-petrolíferas ficaram-se pelos 21 milhões de dólares.

Para o economista António Serra, a dependência das importações é “excessiva” e exige medidas governamentais. Relembrando as tentativas do VIII  Governo, o economista defende taxas alfandegárias entre os 12 e os 15%.

“O IX Governo eliminou, quanto a mim mal, o aumento anterior. A redução dessa dependência tem de passar por um aumento da produção nacional, nomeadamente agrícola”, sustenta.

Contudo, segundo o relatório do BCTL, a agricultura, o setor menos dependente do Estado, registou poucos avanços nos últimos cinco anos, com o crescimento a abrandar para 2,4% em 2024, face aos 2,5% registados em 2019. Como consequência, as importações de produtos agrícolas mantêm-se elevadas, comprometendo o equilíbrio externo do país.

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