A jovem artista vietnamita dedica-se à música jazz há seis anos e vai atuar pela primeira vez no estrangeiro. Timor-Leste será um dos primeiros países a ouvi-la atuar num evento público na Fundação Oriente, hoje, dia 3 de outubro, às 19h30.
No âmbito do Dia Mundial da Música, o Diligente conversou com a artista vietnamita convidada a fazer um concerto na noite de hoje, 3 de outubro, na Fundação Oriente. Dattie Do é uma jovem cantora e compositora de música jazz há seis, embora o gosto pela música tenha surgido na infância.
O jazz é um género musical que surgiu nos Estados Unidos da América no final do século XIX. Com raízes predominantemente africanas, o jazz caracteriza-se pela liberdade rítmica e melódica, além do improviso baseado em escalas complexas. Ao longo do século XX, entre clubes e bares, o jazz espalhou-se por todo o mundo, influenciando diversos estilos musicais, desde o pop até ao rock.
Dattie Do apaixonou-se pelo jazz na escola de música onde estudava, quando percebeu como as pessoas se divertiam enquanto ela cantava. Foi aí que sentiu que “era isso que queria fazer para o resto da vida”. Curiosamente, era uma aluna de música clássica, e não de jazz. Decidiu então sair da escola e começou a atuar no Binh Minh Jazz Club como cantora profissional.
É a primeira vez que a artista canta no estrangeiro. Há uma semana, realizou um concerto em Bali, Indonésia. Chegou a Timor-Leste na segunda-feira, a convite de Minh Pham, fotógrafo vietnamita-americano e diplomata reformado das Nações Unidas, que reside em Timor-Leste, para um concerto num evento privado organizado pelo fotógrafo.
Dattie Do vai atuar publicamente na Fundação Oriente, em Díli, hoje, 3 de outubro, juntamente com artistas timorenses.
Como se sentiu ao ser convidada por Minh e Stefania para atuar em Timor-Leste? O que a levou a aceitar o convite?
Quando o Minh e a Stefania me convidaram, fiquei muito surpreendida e muito entusiasmada, porque somos amigos há muito tempo. Eles estiveram em Hanói, onde eu vivo, antes de se mudaram para Timor-Leste. Além disso, fui convidada para atuar num festival em Bali na semana passada, o que tornou tudo ainda mais emocionante, pois é a primeira vez que toco no estrangeiro. O que mais me atraiu foi a oportunidade de rever os meus amigos e de ser convidada para tocar noutro país, que é o sonho de qualquer músico.
Como tem sido a experiência até agora? Que impressão tem de Timor-Leste e do seu povo?
Em primeiro lugar, acho que Timor-Leste é um país muito bonito. Ontem, eu e o Minh fomos almoçar a um restaurante chamado Ocean View, que era muito bonito. O clima aqui é muito diferente do que em Hanói, onde há quatro estações, mas o calor e a humidade são muito intensos. Aqui também faz calor, mas é mais fresco. As pessoas são muito simpáticas e acolhedoras. No Geral, estou a gostar bastante.
Em ambos os concertos, vai atuar com músicos timorenses. Como tem sido essa colaboração? O que acha da música e da cultura de Timor-Leste?
Tem corrido muito bem. Quando começámos a trabalhar juntos, enviei-lhes alguns standards de jazz e também alguns dos meus originais. Nunca tinha tido a experiência de atuar no estrangeiro ou de colaborar com músicos internacionais. No Vietname, na minha banda, temos um ou dois músicos internacionais, mas aqui, não conhecia ninguém. No início, foi um pouco intimidante. No entanto, os músicos timorenses foram muito simpáticos e deixaram-me liderar e expressar o que queria. Depois disso, senti-me muito mais confortável. No geral, tem sido uma experiência muito positiva.
Já atuou em eventos privados e públicos no Vietname, mas esta é a primeira vez que se apresenta num palco internacional. Como descreve esta experiência?
Estou bastante entusiasmada e ansiosa para atuar em ambos os concertos. É uma experiência nova para mim, pois é a primeira vez que atuo fora do meu país. Estou cheia de expectativas.
Este outro concerto acontece graças à Fundação Oriente, com o apoio do Minh Pham. Qual a importância destes intercâmbios e colaborações culturais para promover o entendimento entre países como o Vietname e Timor-Leste?
Uau! esta é uma pergunta difícil para mim. Mas, pessoalmente, acredito que a música desempenha um papel muito importante nas nossas vidas. Não consigo imaginar viver sem música. Acredito também que a música é uma linguagem universal, que nos permite ligar e entender uns aos outros, independentemente das nossas diferenças. A música tem sido fundamental para eu criar laços com amigos internacionais no Vietname, pessoas que não conhecia, mas que se tornaram grandes amigos por causa da música. Estas amizades enriquecem a minha vida e ajudaram-me a crescer como pessoa. Por isso, acredito que a música desempenha um papel muito importante no intercâmbio cultural entre países, e todos deviam investir mais nisso.
Trabalhar com músicos internacionais, no início, foi um pouco estranho porque nunca nos tínhamos encontrado, eu nunca tinha trabalhado a nível internacional. No entanto, os músicos timorenses são muito acolhedores, o que me ajudou a ganhar confiança para misturar o meu estilo com o deles. O resultado será mostrado no concerto.
O contacto com os músicos timorenses para a preparação dos concertos começou há cerca de dois meses. O Minh pediu à Joana [delegada da Fundação Oriente em Díli] para formar um grupo de músicos e pediu-me para enviar todas as canções que eu planeava cantar, juntamente com o material. Eles têm trabalhado nisso desde então.
Enquanto artista vietnamita, como vê o seu papel na partilha do seu património cultural com o público internacional, especialmente em sítios como Timor-Leste?
Neste concerto, vou cantar uma canção vietnamita, mas não porque sinta que preciso de trazer algo do Vietname para outro país, mas sim porque é uma canção bonita. Além disso, já gravei e lancei a canção. Para mim, é mais uma questão de quem tu és e o que trazes para fora, e não de onde isso vem. Se eu achar que algo é interessante e tem valor, pode unir as pessoas, independentemente da sua origem. No entanto, acho importante trazer diversidade e trocar ideias.
Quais são as suas expectativas para estes concertos e para futuras colaborações artísticas?
Bem, claro que espero que sejam um sucesso. Também espero que as pessoas assistam aos concertos apreciem a música que eu e os músicos fazemos. Espero que haja mais colaborações entre músicos timorenses, vietnamitas e de outros países, para que a comunidade do jazz possa crescer cada vez mais.
O seu percurso musical começou em Hanói e já atuou em locais emblemáticos, como o Binh Minh Jazz Club. Como é que a sua experiência na vibrante cena jazzística de Hanói influencia o seu desempenho em diferentes contextos culturais, como aqui em Timor-Leste?
Comecei a cantar profissionalmente em 2018, no Binh Minh Jazz Club, o primeiro clube de jazz do Vietname depois de 1975, após a reunificação do Norte e o Sul do país. O clube foi fundado pelo padrinho do jazz vietnamita, Minh, que é um saxofonista muito famoso. Em 2018, fui lá e pedi para me tornar cantora do clube, pois comecei a descobrir o jazz em 2016 e soube que era algo que queria fazer para o resto da minha vida.
O clube de jazz deu-me todas as oportunidades de que precisava para crescer como músico, para conhecer outros músicos de jazz e ganhar conhecimento e experiência.
Sinto que agora é o momento certo para testar o que aprendi ao longos destes seis anos. Até agora, a experiência com os músicos tem sido positiva, mas vamos ver como corre no concerto.
Lançaram o vosso primeiro single vietnamita, “Du Am”, em homenagem às suas raízes. Como equilibra as suas influências do jazz com os elementos culturais do Vietname, e como acha que isso será recebido pelo público de Timor-Leste?
Não sei, mas acredito que o que vem do coração encontra caminho para outros corações. Vou cantar a canção “Du Am”, a canção vietnamita que gravei e lancei. Será um pouco diferente da versão gravada, porque a original foi feita com um grupo maior de músicos de Jazz e um quarteto de cordas. Aqui vamos tocar com menos músicos, mas sei que vamos dar o nosso melhor.
Até agora, esta é a minha primeira canção lançada, o meu primeiro single, que saiu digitalmente no ano passado. É também a única canção vietnamita que tenho atualmente, mas a resposta do público internacional tem sido positiva.
A história da canção é sobre um compositor foi para a tropa e se apaixonou pela irmã mais nova da mulher que conheceu. A irmã tinha um cabelo muito comprido e estava a tocar guitarra. Tinha acabado de lavar o cabelo e a luz da lua refletia-se nele, o que o cativou profundamente. Ele tinha cerca de vinte e anos, e ela tinha apenas 14 ou 16, então sabia o amor era impossível. Voltou para o acampamento, mas não conseguia parar de pensar nela e escreveu a canção naquela noite, sobre um amor impossível. “Não posso estar contigo, mas sinto a tua falta, amo-te e sonho que serei uma nuvem à deriva para onde estás, até nos encontrarmos na próxima vida”. É canção irremediavelmente romântica.
A faixa que lancei é uma combinação dessa canção e de um verso de abertura que escrevi com um amigo, inspirado na história da canção. Tem um significado poético que conduz ao que o compositor escreveu mais tarde.
Os seus EP’s e singles de jazz, como “Dindi”, ganharam reconhecimento internacional. Como se sente ao interpretar um género tão diversificado, e o que esperas transmitir ao público com a mistura de standards e composições originais?
Quando diz que é diversificada, não diria que a minha música é diversificada, pois tem sido principalmente jazz, e são standards de jazz que interpreto. “Dindi” é um standard de jazz muito famoso, escrito por um compositor de jazz igualmente famoso, António Carlos Hopi. Portanto, são standards de jazz. As minhas canções originais também estão dentro deste género. Mais tarde, adoraria explorar outras áreas, mas para já estou focada no jazz clássico. Para mim, estar focada num género como o jazz clássico, ajuda a criar um percurso. No início de uma carreira, o percurso é muito importante. Quando a raiz é forte, mais tarde, podemos crescer para outros ramos e outros estilos.
Quantas canções já escreveu?
Até agora, diria que escrevi e lancei oito ou nove canções. No “Merry Christmas EP”, há uma canção chamada “My Christmas Song”, que demorei muito tempo a escrever. Sempre adorei música de Natal e queria mesmo escrever uma música de Natal, mas não foi fácil.
Em 2020, decidi que ia escrever uma canção de Natal. Comecei em julho, no calor de Hanói, e liguei todos os ares condicionados no meu quarto para criar uma atmosfera fria e ouvi músicas de Natal para me inspirar. Mesmo assim, não consegui escrever nada até novembro. Chegou dezembro e ainda não tinha nada, então decidi desafiar-me. Organizei um concerto de Natal no Binh Minh Jazz Club para o dia 22 de dezembro e publiquei no Facebook que iria apresentar uma canção de Natal original. Na verdade, não tinha nada pronto. O dia do concerto chegou e, às seis e meia, antes do ensaio marcado para as sete e meia, ainda não tinha escrito nada. Lembro-me de estar sentada no piano e pensei: “Oh meu Deus, estou em apuros. O que vou fazer?” De repente, surgiu-me a ideia. “Porque não escrever uma canção sobre a luta para escrever uma canção de Natal?” Assim que aceitei a ideia, a canção surgiu em 15 minutos e tornou-se uma das minhas canções favoritas.
Como percebes o cenário musical como músico de jazz em 2024, considerando as raízes do jazz, que influenciaram todos os géneros musicais ao longo do século XX. Como vês o jazz hoje?
Acho que o jazz não é mainstream atualmente, mas no Vietname, por exemplo, tem crescido nos últimos cinco ou seis anos. O Binh Minh Jazz Club é um dos clubes de jazz mais famosos do Vietname. Há cinco anos, o público era maioritariamente estrangeiro, já que o clube está no centro de Hanói. Após a pandemia de Covid-19, comecei a ver mais vietnamitas, e muitos deles são jovens. Há cinco anos, só existiam havia apenas o Binh Minh Jazz Club e o Cool Cats Jazz Club, mas agora há mais três clubes de jazz em Hanói.
Internacionalmente, vejo que o jazz também está a crescer lentamente, mas de forma consistente, recebendo mais atenção. A Laufey (Laufey Lín Bing Jónsdóttir), uma musicista da geração Z, combina jazz na sua música e está a ter muito sucesso. Grandes estrelas como Lady Gaga também fazem jazz.