Em Timor-Leste, quase 19% da população não têm acesso a instalações sanitárias adequadas e 13% carecem de água potável, agravando problemas de saúde pública e dignidade. A falta de investimento no setor mantém comunidades vulneráveis, especialmente mulheres e crianças. Soluções governamentais e iniciativas comunitárias enfrentam desafios culturais, económicos e políticos.
No Dia Mundial da Sanita, celebrado no passado dia 19 de novembro, é essencial destacar a importância do acesso universal a serviços básicos de saneamento e a água potável de forma sustentável. Estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas há 11 anos, este dia pretende alertar para a crise sanitária mundial. Segundo a ONU, “350 mil crianças morrem anualmente no mundo devido a diarreias provocadas pela ingestão de água contaminada”.
Este ano, o tema global é “Casas de banho – um lugar de paz”, enquanto o tema nacional é “Uma sanita digna – um lugar de paz para a família”. No entanto, a realidade em Timor-Leste continua alarmante: 18,9% da população utilizam instalações sanitárias não melhoradas, como latrinas sem lajes ou fossas abertas (6,3%), vasos sanitários suspensos (3,2%) e 9% das casas não têm instalações sanitárias, recorrendo à defecação a céu aberto. Essa prática inclui defecar no mato, campos, margens, rios, lagos ou no mar.
Deozenete Pereira, uma menina de 12 anos, é um exemplo desta realidade. Desde que a fossa séptica da casa de banho partilhada por três famílias encheu, há dois anos, a sua família passou a recorrer ao mato ou a campos de cultivo, muitas vezes à noite. “Vamos ao mato, ao meio dos campos ou às ribeiras. Não temos outra opção”, contou a jovem.
A falta de água em Taibessi-Temporal, Díli, onde a jovem vive com os pais e irmãos mais novos, agrava ainda mais a situação e afeta muito o dia a dia da menina que está no 6º ano de escolaridade. Diariamente, ela desce e sobe uma montanha para recolher água de um poste que apenas fornece o recurso entre as 15h e as 18h. Com apenas dez garrafas de água para uma família de cinco pessoas, o uso deve ser extremamente controlado.
Consequentemente, a higiene pessoal é, muitas vezes, negligenciada. “Este ano, tive diarreia pelo menos quatro vezes. Aqui, as crianças sofrem muito com tosse, febre e constipações”, diz Deozenete.
Situação da Escola Secundária 4 de Setembro
“Antes, as casas de banho nesta instalação não eram utilizáveis. Os estudantes tinham de ir às casas dos moradores nas proximidades. Foi uma situação triste”, relembrou o diretor da instituição, Sérgio Alfredo da Cruz. Segundo ele, logo após assumir o cargo em julho deste ano, a prioridade foi melhorar as condições escolares, pois a situação era extremamente precária. O diretor apresentou imagens que mostram a falta de higiene dentro das salas de aula, atribuída à ausência de portas adequadas.
De acordo com o diretor, o orçamento deste ano foi de 79 mil dólares, mas a direção anterior não utilizou a verba para melhorias na escola. Além disso, a contribuição anual dos pais dos alunos, no valor de 12 dólares por estudante, totalizando 47 mil dólares, não teve resultados visíveis. Sérgio Alfredo da Cruz teve de solicitar um orçamento adicional ao Ministério da Educação para reparar o edifício.
Atualmente, as 17 casas de banho, utilizadas por mais de 3 mil alunos, estão em condições de uso. Foram limpas, pintadas e equipadas com água corrente, baldes, conchas novas e portas apropriadas. No entanto, ainda existem sanitas entupidas que provocam mau cheiro.
“Reconheço que o mau cheiro afeta a saúde dos estudantes. Por isso, empreguei dois funcionários para manterem as casas de banho limpas e organizadas. Também estamos a utilizar uma bomba de vácuo para resolver os problemas de obstrução”, afirmou o diretor. Sérgio da Cruz continua a sensibilizar os estudantes para cuidarem das casas de banho, especialmente as alunas, pedindo que evitem deitar absorventes higiénicos nas sanitas.
O diretor registou, através de fotografias, as condições anteriores, evidenciando urina e fezes nos cantos das salas de aula. “Provavelmente, isto aconteceu porque não temos portas adequadas para impedir a entrada de pessoas de fora”, justificou.
Apesar das melhorias recentes, as casas de banho da Escola Secundária 4 de setembro ainda apresentam um aspeto desagradável e mau cheiro, especialmente quando ocorrem entupimentos ou falta de cuidado por parte dos utilizadores.
Impacto na saúde pública e o papel das comunidades
De acordo com Emília de Jesus Mendonça, diretora nacional de Educação e Promoção de Saúde, a falta de água, saneamento e higiene resulta em problemas como doenças diarreicas e de pele. “As fezes atraem insetos, que acabam por contaminar os alimentos e bebidas”, alerta. Destaca a importância de lavar as mãos frequentemente e evitar usar casas de banho sem água, para prevenir a propagação de germes e proteger a saúde pública.
Lívia da Cruz, gestora de eficácia do programa da WaterAID Timor-Leste, explica que as crianças com malnutrição são ainda mais vulneráveis a doenças, devido à sua imunidade enfraquecida. Segundo o Índice Global da Fome 2024, Timor-Leste tem níveis sérios de fome, com 46,7% das crianças menores de cinco anos afetadas por nanismo, um indicador considerado “extremamente elevado”.
Em Caicoli, as valetas abertas transbordam águas negras e malcheirosas, agravando a situação de saneamento. Segundo Emília de Jesus Mendonça, algumas casas ainda canalizam fossas sépticas para estas drenagens ou constroem poços perto das fossas. “Tentamos sensibilizar as comunidades, mostrando até análises laboratoriais da água, mas mudar mentalidades é um grande desafio”, lamenta.
No entanto, foi difícil confirmar se esta situação ainda ocorre. Juanita da Conceição, de 28 anos, residente em Caicoli há um ano, afirmou que a sua casa de banho está equipada com uma fossa séptica e que apenas as águas residuais do banho são despejadas na drenagem, e não os resíduos de defecação. Mãe de duas crianças pequenas, Juanita referiu que a aldeia vizinha é que costuma eliminar os resíduos diretamente nas valetas.
Condições precárias: a falta de privacidade e segurança nas sanitas
A poucos blocos de distância da casa de Juanita vive Lídia Palmira Pinto, de 31 anos, finalista do curso de Direito na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL). Lídia, que vive com os sogros, mostrou a sua casa de banho, uma instalação antiga da época da ocupação indonésia.
A casa de banho está dividida em duas partes: uma onde se lavam as roupas e se toma banho, e outra destinada à defecação e micção. Antes de entrar na segunda parte, há uma fossa séptica, que, segundo Lídia, foi construída recentemente.
Quando questionada sobre a possibilidade de canalizar os resíduos diretamente para a drenagem, Lídia negou e afirmou que é outro bloco que pratica essa ação. Contudo, ao ser informada de que os residentes desse bloco também a acusam do mesmo, Lídia respondeu: “Se calhar, todas as casas já têm fossas sépticas”. Apesar disso, Lídia reconheceu que a atual condição da sua casa de banho não é nem saudável nem digna, mas atribuiu a situação às limitações financeiras que impedem melhorias.
Lívia da Cruz explica que a falta de acesso a instalações seguras aumenta o risco de violência sexual, especialmente para mulheres. Além disso, instalações inadequadas contribuem para a propagação de doenças e a falta de dignidade no quotidiano.
O papel do Ministério da Saúde, nesta questão, é garantir a qualidade da água utilizada pela comunidade, dado que a água é essencial para o saneamento. “De um modo geral, a água fornecida pela empresa Bee Timor-Leste (BTL) é fiável e não suscita dúvidas”, assegurou Emília de Jesus Mendonça.
A casa de banho da família de Deozenete Pereira é construída apenas com chapas de zinco, maioritariamente reutilizadas, apresentando buracos que comprometem a privacidade. Deozenete, sendo uma criança, toma banho com outras crianças no poste de água onde a família recolhe água. No entanto, as mulheres que utilizam esta casa de banho enfrentam desconforto por estarem expostas a olhares curiosos.
“Das casas situadas no topo, conseguem ver as pessoas que estão dentro da casa de banho mais abaixo, porque vivemos numa encosta”, explicou a menina. O pai trabalha como operário da construção civil e a mãe está desempregada, uma situação comum à maioria das famílias da área.
A casa de banho da família de Lídia Pinto também apresenta condições precárias, não possuindo teto. Ainda assim, tal como no caso de Juanita da Conceição, cuja casa de banho tem buracos nas chapas de zinco, Lídia afirmou que o espaço é seguro.
“O acesso a saneamento é um direito básico. Uma sanita é um espaço com impacto direto na segurança e na dignidade. A falta de acesso a uma sanita segura aumenta o risco de violência, especialmente contra mulheres”, afirmou a gestora de eficácia do programa da WaterAID Timor-Leste.
Para Januário Amaral, coordenador da Plataforma Nacional Água, Saneamento e Higiene de Timor-Leste (PN-BESI-TL), uma sanita digna oferece maior segurança às famílias e reduz situações desconfortáveis, como o risco de assédio sexual.
Planos governamentais e entraves à melhoria do saneamento
O Governo timorense tem consciência da urgência de investir no saneamento, conforme demonstrado na resolução publicada em 2012 sobre a Política Nacional de Saneamento Básico. “As doenças respiratórias e diarreicas continuam a ser as duas principais causas de mortalidade infantil em Timor-Leste, ambas fortemente ligadas ao saneamento e higiene inadequados. Só a diarreia é responsável por mais de 380 mortes de crianças por ano em Timor-Leste”, lê-se no documento.
Embora o atual Governo afirme que as áreas de água, saneamento e higiene são prioritárias, o investimento neste setor mantém-se baixo: apenas 1,2% do Orçamento Geral do Estado (OGE) tanto para este ano como para o próximo. O acesso a água, saneamento e higiene é um direito humano básico, garantido pela Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL). O artigo 57.º, sobre saúde, afirma: “Todos têm direito à saúde e à assistência médica e sanitária e o dever de as defender e promover”. Já o artigo 58.º, relativo à habitação, estabelece o direito de todos os cidadãos a uma habitação com dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto, que preserve a intimidade e privacidade familiar.
A PN-BESI-TL (Plataforma Nacional Água, Saneamento e Higiene de Timor-Leste), uma rede que há 10 anos defende uma maior alocação de recursos para este setor, alerta para o facto de, na prática, os governos terem falhado. Segundo o coordenador da plataforma, Januário Amaral, desde a restauração da independência, o orçamento destinado ao setor da água e saneamento nunca ultrapassou 2% do OGE. Para 2024, a percentagem continua em 1,2%, a mesma de 2023.
“O Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional (PEDN) 2011-2030 previa que, até 2020, todo o território de Timor-Leste fosse declarado livre de defecação a céu aberto. No entanto, em 2024, apenas alguns municípios alcançaram esse objetivo”, afirmou Januário Amaral.
Desde 2005, a organização WaterAID tem trabalhado para melhorar as condições de saneamento e higiene em municípios como Liquiçá e Manufahi. Nesses locais, foi realizado um esforço para sensibilizar os cidadãos sobre a importância do acesso a sanitas dignas e água potável. Ambos os municípios já foram declarados livres de defecação a céu aberto, enquanto algumas áreas estão no processo de declarar “Sucos Higiénicos”, medida que promove sanitas apropriadas, exclusivas para cada família.
A WaterAID também construiu sanitas inclusivas em mais de dez escolas de Liquiçá e Manufahi, garantindo abastecimento de água e produtos de higiene suficientes. O objetivo é melhorar a frequência escolar das raparigas e reduzir o estigma associado à menstruação. “As mulheres precisam de um espaço apropriado durante o período menstrual. A falta de condições adequadas reflete-se na menor participação feminina em relação aos homens”, destacou Lívia da Cruz, gestora do programa.
Lívia da Cruz salientou que a WaterAID procura consciencializar as comunidades para que construam as suas próprias casas de banho. “Quando as pessoas constroem as suas sanitas, tendem a cuidar melhor delas. Não é um investimento caro, especialmente se compararmos com o dinheiro gasto em tradições culturais”, argumentou.
A diretora nacional de Educação e Promoção de Saúde acrescentou que o Ministério da Saúde está a coordenar com autoridades locais para suspender subsídios a famílias que não construam sanitas melhoradas, apesar de terem recursos para gastar em rituais. A estratégia inclui mobilizar jovens em áreas rurais para ajudar as famílias, contribuindo com trabalho ou recursos financeiros para desenvolver os sucos.
Quanto ao abastecimento de água, o assessor legal para Regulação de Água e Saneamento do Ministério das Obras Públicas (MOP), Jerónimo Luís, informou que apresentou um decreto-lei sobre a gestão de recursos hídricos ao Conselho de Ministros por duas vezes, mas sem sucesso. “Este documento visa gerir os recursos hídricos e responder à falta de água nas sanitas, pois a água, embora renovável, é limitada. Sem água, não há saneamento adequado nem paz”, sublinhou.
Outros decretos-lei preparados, relacionados com saneamento e drenagem, também não foram aprovados. Para Jerónimo Luís, os principais entraves são a falta de continuidade entre governos e o desentendimento entre políticos e técnicos. “A solução passa por conservar a água, construir reservatórios, tratar a água e criar infraestruturas para captar água da chuva. Contudo, estas ideias não chegam aos decisores políticos, que continuam a investir pouco”, lamentou.
Jerónimo lembrou que, nos próximos anos, a disponibilidade de água poderá não ser suficiente para atender à procura da população. “Estamos a retirar água do subsolo, mas não a reabastecemos. Quando chove, a água escoa diretamente para o mar. O VIII Governo recomendou canalizar água de Gleno para Díli, caso a água acabe, mas o custo seria exorbitante”, observou.
A falta de água também gera tensões entre as comunidades e as autoridades. Enquanto a população culpa o Governo pela má gestão e pela necessidade de montar canalizações ilegais, as autoridades culpam a comunidade pela falta de consciência no uso eficiente da água e pela sabotagem da rede pública.
“É uma injustiça social gastar tanto dinheiro sem beneficiar o povo. É também uma violação dos direitos humanos, já que o Governo, como garante da Constituição, tem a obrigação de assegurar o acesso à saúde”, concluiu Carlito da Costa, oficial de monitorização e advocacia da Associação HAK, durante um seminário no âmbito do Dia Mundial da Sanita.
Atualizada: 22/11/2024
No dia mundial da sanita!
Por melhores condicoes Povo grita
So e preciso cimento e brita
Para criar cagadeira bendita Descarregar quando a gente se ve aflita
Puxar o autoclismo, coisa bonita
Bide pra lavar o que salpica
Para que no traseiro nao fica
Privacidade quando se esta a Benfica
Que nao seja so pra gente rica
Pobre tambem descarrega caganita
No dia mundial da sanita!
Ze Sintina
Poeta e escritor mundial de WC
Excelente artigo Antonia Martins!
Infelizmente na nossa terra natal ate a trampa nao tem a liberdade de percorrer os tramites legais.
E caso para dizer “trampa sofre”.
Muito respeitosamente pus a tampa da sanita para baixo depois das devidas “necessidades”.