Biblioteca Nacional de Timor-Leste continua por construir oito anos após inauguração simbólica

A fundação do projeto da Biblioteca Nacional de Timor-Leste em Hudi-Laran/foto:DR

Oito anos após o lançamento da primeira pedra, a Biblioteca Nacional de Timor-Leste continua por erguer. O atraso tem gerado críticas de leitores, escritores e editoras, que alertam para o impacto negativo na literacia, na produção científica e no acesso à informação num país que precisa urgentemente de investir no conhecimento.

Anunciada como um símbolo do progresso da literacia e da valorização do conhecimento, a Biblioteca Nacional de Timor-Leste permanece por construir, oito anos depois da primeira cerimónia simbólica de inauguração, que teve lugar por duas vezes.

De acordo com um comunicado de imprensa do Governo timorense, datado de 16 de agosto de 2017, foi lançada a primeira pedra da Biblioteca Nacional, com previsão de conclusão em 2019, em Hudi-Laran, Díli.

Um outro comunicado oficial refere que, a 19 de julho de 2022, foi realizada uma nova cerimónia de lançamento da construção do edifício, no mesmo local. Na ocasião, foi anunciado que a obra teria a duração de um ano e meio, com conclusão prevista para janeiro de 2024.

A infraestrutura está prevista para Hudi-Laran, no Posto Administrativo Dom Aleixo, em Díli, com uma área estimada de 27.000 metros quadrados. O edifício pretende ser um centro de preservação e promoção da cultura, literatura e história nacionais.

O projeto resulta de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Arte e Cultura (SEAC) e a então Autoridade Nacional do Petróleo e Minerais (ANPM), com um financiamento inicial estimado em 10 milhões de dólares norte-americanos, assegurado pela multinacional italiana ENI, ao abrigo de um acordo de exploração petrolífera no Mar de Timor. No entanto, até ao momento, o projeto permanece sem avanços visíveis.

A estagnação tem gerado frustração entre leitores e autores. Maunelson Amay, leitor assíduo, afirma que a inexistência da biblioteca nacional impede o desenvolvimento de hábitos de leitura e pensamento crítico. “Se um setor tão importante como este não for considerado prioritário, a nossa geração corre o risco de ficar para trás. Os livros e as bibliotecas são janelas para o mundo”, afirmou.

Maunelson sublinha que muitos cidadãos interessados em investigação científica enfrentam dificuldades no acesso a fontes adequadas. “Os livros vendidos em Timor-Leste são escassos e caros. A maioria vem da Indonésia e está escrita em indonésio, o que dificulta a compreensão de

muitos leitores locais.” Acrescenta ainda que “o interesse pela leitura existe, mas os ministérios competentes demonstram pouca ação para o incentivar e não fornecem bolsas de investigação”.

A escritora Lena Mafalda reforça estas críticas, sublinhando que os autores enfrentam desafios diversos: falta de editoras locais, ausência de plataformas de publicação, dificuldades económicas e carência de formação técnica. “O apoio institucional à literatura local continua fraco, o que limita o alcance das nossas obras tanto a nível nacional como internacional.”

Lena defende que a biblioteca deve também ser um espaço de afirmação da identidade cultural e de valorização da expressão feminina. “Queremos que a biblioteca seja um espaço onde as mulheres possam partilhar experiências e contribuir para o enriquecimento do arquivo literário nacional.”

Joelcio Guterres, gerente da TIO Publishing, destaca a importância da Biblioteca Nacional como entidade responsável pela atribuição do ISBN (Número Internacional Normalizado de Livro), essencial para o reconhecimento internacional das obras. “Sem uma entidade nacional, temos de recorrer ao estrangeiro, o que atrasa todo o processo editorial.” Para Joelcio, a biblioteca deve ser mais do que um armazém de livros. “Esperamos uma instituição com visão para promover a literacia. Só com conhecimento podemos transformar mentalidades.”

Burocracia, desistências e exigências travam projeto da Biblioteca Nacional

Desde o início, o projeto tem enfrentado múltiplos entraves. De acordo com uma notícia da Tatoli, em 2021, a empresa chinesa Shanghai Construction venceu o concurso para a construção do muro perimetral, mas acabou por desistir. Em 2022, a empresa indonésia Vika Construction foi selecionada, mas não deu seguimento à obra devido a problemas técnicos. Vários concursos públicos foram lançados, mas todos fracassaram devido a restrições administrativas e exigências consideradas excessivas pelas empresas.

Em 2024, a ANPM e a SEAC reabriram o processo de concurso. Apenas seis empresas submeteram candidaturas — duas indonésias e quatro chinesas —, o que reflete o elevado nível de exigência do caderno de encargos.

Jorge Soares Cristóvão, Secretário de Estado da Arte e Cultura, referiu que as equipas técnicas continuam a trabalhar no processo de seleção. “Estamos atualmente a avaliar os candidatos previamente selecionados.”

Contactada pelo Diligente, a Direção Nacional de Bibliotecas e Museus (DNBM) remeteu as questões para a ANPM, entidade responsável pela implementação do projeto.

O Ministro da Juventude, Desporto, Artes e Cultura, Nélio Isaac Sarmento, confirmou que o concurso público continua em curso e está a ser conduzido com transparência e sob supervisão rigorosa do Governo.

Em entrevista recente, Sarmento explicou que ainda não foi selecionada nenhuma empresa responsável pela execução da obra, pois a comissão de seleção continua a avaliar as propostas. “O processo está em curso. A comissão responsável ainda está a avaliar os candidatos e estou confiante de que em breve será escolhida uma empresa qualificada”, declarou.

Ao montante inicial da ENI (10 milhões de dólares), junta-se ainda uma contribuição adicional do Governo timorense no valor de dois milhões, para reforçar a implementação do projeto. “Após a desistência da empresa inicialmente vencedora, foi iniciado um novo concurso, que está agora na fase de avaliação”, acrescentou.

Entretanto, a equipa do Diligente procurou obter mais informações junto da ANPM sobre o progresso do concurso. No entanto, por o processo ainda estar em curso, a entidade recusou-se a prestar declarações ou conceder entrevistas.

Por sua vez, o Ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura, José Honório Jerónimo, anunciou que o Governo da China está a apoiar a construção de uma biblioteca central para a Universidade Nacional, em Aileu. “A construção da Biblioteca Nacional ainda não começou, mas o Governo chinês está já a colaborar na criação de uma biblioteca multifuncional em Aileu.”

Ver os comentários para o artigo

  1. ” Governo chinês está já a colaborar na criação de uma biblioteca multifuncional em Aileu.” !!!
    Como assim se a construção da UNTL em Aileu foi suspensa definitivamente pelo IX Governo?

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