Assegurar os direitos: porque é que o Tara Bandu importa para as pescas, a alimentação e os meios de subsistência

"Garantir direitos aos pescadores artesanais não é caridade; é inteligência económica e boa governação." Bernardete da Fonseca/Foto: Blue Venture

Ao longo das costas do mundo, uma verdade está a ressurgir: quando as comunidades locais assumem a gestão dos seus mares, a vida dentro e fora de água prospera. O que antes significava proteção, hoje significa prosperidade, à medida que os pescadores artesanais se afirmam como guardiões do seu próprio futuro.

Em Timor-Leste, isto manifesta-se na revitalização do Tara Bandu, um sistema consuetudinário antigo que regula quem pode retirar o quê, quando, onde, como e em que quantidade. Embora este modelo de governação comunitária tenha passado por períodos de interrupção, o seu renascimento mostra como a liderança local, a ação coletiva e o conhecimento partilhado continuam a orientar o uso sustentável dos recursos costeiros.

Hoje, o ressurgimento do Tara Bandu representa mais do que um regresso à tradição. Assinala uma recuperação silenciosa, mas poderosa, da identidade e autonomia do povo timorense, demonstrando que conservação e cultura podem reforçar-se mutuamente.

Através do Tara Bandu, os nossos pescadores tradicionais estão a redefinir a conservação marinha e as pescas sustentáveis, mostrando o que acontece quando a autoridade assenta nas mãos das comunidades locais. Nos últimos anos, na Blue Ventures temos trabalhado com aldeias piscatórias em Ataúro, Manatuto, Manufahi, Ainaro e Hera (Díli) para apoiar a revitalização do Tara Bandu e ligá-lo aos princípios das Áreas Marinhas Geridas Localmente (LMMAs).

Isto não é um exercício romântico de regresso ao passado. É uma abordagem prática, baseada em evidências, que combina a governação tradicional com a ciência moderna.

E os resultados são claros. Em Ilicnamo, Pala e Arlo, os stocks de peixe costeiros estão a recuperar. Recifes outrora marcados por práticas de pesca destrutivas estão lentamente a voltar à vida. As famílias reportam maior estabilidade de rendimento. Estas comunidades não só salvaram a biodiversidade, como também reconstruíram as suas economias locais — de baixo para cima.

Porque é que garantir direitos importa

Há uma questão mais profunda: por que razão os direitos seguros são tão importantes?

Porque quando as comunidades são donas do processo, protegem-no. Direitos seguros dão às pessoas confiança de que o seu esforço não será anulado por intervenções externas. Transformam a conservação de caridade em interesse coletivo. A gestão responsável substitui a mera sobrevivência.

O Tara Bandu mostra na prática como isso funciona. Cria uma legitimidade social que regulamentos externos raramente alcançam, porque opera com base em valores partilhados. Fechos sazonais, áreas de proteção total e monitorização comunitária são sustentados por normas sociais, não por burocracia. O resultado são recifes mais saudáveis, maiores capturas e maior segurança alimentar.

O Governo Nacional também deu passos importantes. O Decreto-Lei n.º 26/2012, Lei de Bases do Ambiente, reconhece o papel dos sistemas consuetudinários locais — incluindo o Tara Bandu — na proteção ambiental, incluindo a conservação marinha e a gestão sustentável das pescas. Esta base legal permite que as comunidades governem as suas águas com reconhecimento do Estado, transformando sabedoria ancestral em prática aplicável.

Este reconhecimento não é simbólico. Quando a posse local é segura e os direitos são claros, as comunidades podem planear para a sustentabilidade em vez de sobreviver dia a dia. A clareza da titularidade abre portas ao microcrédito, a mercados sustentáveis de pescado e a parcerias com o setor público. Em termos simples, direitos seguros são a base da resiliência.

O valor do peixe

Para a maioria das famílias costeiras timorenses, o peixe vale mais do que alimento. É identidade, dignidade e sobrevivência. Quando as populações piscícolas prosperam, a nutrição melhora, os mercados estabilizam e as crianças podem crescer em comunidades que já não precisam de escolher entre a refeição de hoje e a pesca de amanhã.

Nas costas de Ataúro, isto não é uma teoria distante, mas uma realidade quotidiana. Ao combinar o Tara Bandu com recolha de dados e ação participativa, as comunidades criaram um ciclo autossustentado: melhor governação conduz à recuperação ecológica, o que melhora o rendimento e a motivação, reforçando o ciclo novamente.

Para decisores políticos e financiadores, a mensagem é clara. Garantir direitos aos pescadores artesanais não é caridade; é inteligência económica e boa governação. Comunidades empoderadas alcançam aquilo que projetos de modelo vertical frequentemente falham em entregar. O custo é modesto e os benefícios duram gerações.

E, embora projetos como o de Ataúro mostrem o que é possível, dimensionar estas iniciativas exige evidência — e é aqui que a investigação se torna fundamental. Uma análise cuidadosa dos dados existentes e de estudos de caso pode construir a base de conhecimento necessária para orientar investimentos nacionais e regionais, permitindo replicação sem esperar por projetos-piloto de vários anos.

Ainda assim, muitas comunidades costeiras no Triângulo de Coral continuam sem reconhecimento dos seus direitos consuetudinários. Os seus mares são cada vez mais pressionados por frotas industriais, empreendimentos turísticos e políticas pouco claras. Sem direitos seguros, a sua gestão continua frágil.

Uma mensagem para o Dia Mundial das Pescas

O Dia Mundial das Pescas 2025 lembra-nos que pescas sustentáveis não dizem respeito apenas ao oceano — dizem respeito às pessoas. Se queremos realmente transformar as pescas para benefício das pessoas, do mar e do clima, garantir direitos deve ser o ponto de partida.

Reconhecer sistemas como o Tara Bandu nunca é um gesto sentimental. É governação fundamentada em evidências. Imaginem cada aldeia costeira, cada suco, em Timor-Leste, com igual autonomia e reconhecimento. Imaginem conhecimento tradicional e ciência marinha a tomar decisões lado a lado.

Esse futuro não é utópico. Já está a acontecer nas costas de Ataúro. A lição é simples: dar às pessoas o direito de proteger os seus mares é onde a prosperidade começa.

Feliz Dia Mundial das Pescas!

Bernardete Fonseca é Diretora Regional Interina para a Ásia-Pacífico na Blue Ventures e continua a exercer funções como Diretora Nacional em Timor-Leste. Tem liderado iniciativas de gestão comunitária das pescas e conservação marinha, reforçando a governação do Tara Bandu e as áreas marinhas geridas localmente, integrando ao mesmo tempo monitorização científica e iniciativas de resiliência costeira. O seu trabalho centra-se na promoção da gestão sustentável dos recursos marinhos pelas comunidades piscatórias da região.

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