Assédio sexual em escolas: CFP responsabiliza diretores, mas aplica punição leve

“Não é por não haver contacto físico ou relação sexual que a ação deixa de ser grave”/Foto: DR

A Comissão da Função Pública confirmou a prática de assédio sexual por parte dos diretores das escolas Nicolau Lobato e 5 de Maio, mas aplicou apenas uma sanção leve — uma advertência por escrito — alegando falta de provas de contacto físico. A organização JU,S critica a decisão e interpôs recurso, afirmando que o assédio verbal e psicológico também é grave e deve ser punido.

Os casos de assédio sexual nas escolas Nicolau Lobato e 5 de maio, noticiados em março deste ano, foram confirmados pela investigação da Comissão da Função Pública (CFP). O relatório, publicado no início de setembro, concluiu que os diretores das escolas são culpados de assédio sexual, violando os deveres previstos nos artigos 40.º e 41.º da Lei n.º 8/2004, que regula o Estatuto da Função Pública.

No entanto, a sanção disciplinar aplicada foi apenas uma repreensão por escrito, equivalente a uma chamada de atenção. A JU,S – Apoio Jurídico e Social considera a punição demasiado leve face à gravidade dos atos e anunciou recurso da decisão.

O comissário para os Assuntos Disciplinares da CFP, Agapito da Conceição, justificou a decisão com a falta de provas de contacto físico entre os diretores e as vítimas.

“Quando os nossos investigadores foram ao terreno e entrevistaram todas as partes, não encontraram factos fortes nem evidências de contacto físico. Foram apenas conversas ou mensagens. Avaliámos tudo e, sem contacto físico, não podemos aplicar uma sanção grave”, explicou.

Agapito da Conceição minimizou a gravidade do assédio sexual, considerando-o grave apenas quando há contacto físico, desvalorizando o impacto de comportamentos verbais ou escritos.

“Quando as pessoas falam por brincadeira, onde está a gravidade?”, questionou o comissário, sublinhando que “há diferentes graus de assédio sexual: por mensagens, verbal e físico; e o físico também pode ser grave ou leve”.

Questionado sobre se o assédio sem contacto físico poderia ser considerado grave, o comissário respondeu que sim, mas insistiu que, sem provas fortes, não se pode aplicar uma sanção pesada. “Se a vítima indicar testemunhas e, após a investigação, não houver clareza, não podemos aplicar uma sanção severa”, acrescentou.

Segundo o responsável, a repreensão por escrito também tem impacto para os diretores, impedindo, por exemplo, futuras promoções. Caso houvesse provas sólidas, os infratores poderiam ser suspensos ou até demitidos, afirmou.

Agapito da Conceição argumentou ainda que algumas queixas podem resultar de manipulação ou vingança pessoal, citando casos em que “as partes já tinham tido relações anteriores” e que “a denúncia pode ter sido motivada por ressentimento”.

Por sua vez, a JU,S criticou a decisão, afirmando que a CFP ignorou a gravidade da conduta dos diretores e desrespeitou o que está previsto nas normas legais. “De acordo com o Estatuto da Função Pública e o Regulamento Disciplinar do Docente, o assédio sexual é uma infração grave. A sanção de chamada de atenção aplica-se apenas a violações leves”, declarou a advogada Neolanda Fernandes.

A organização classificou o comportamento dos diretores como um “desrespeito grave pelos cidadãos”, defendendo que a punição adequada seria a suspensão de funções (inatividade).

A JU,S também contestou a interpretação da CFP sobre a necessidade de contacto físico para que o assédio seja considerado grave. “Não é por não haver contacto físico ou relação sexual que a ação deixa de ser grave. Esse pensamento revela um estereótipo que discrimina as mulheres e ignora o impacto psicológico e o abuso de poder que estas situações envolvem”, afirmou a advogada, lembrando que os infratores ocupam cargos de direção e têm responsabilidade acrescida.

No seu comunicado, a JU,S revelou ainda que um dos diretores já havia cometido o mesmo tipo de ato por três vezes.

Após a decisão da CFP, no final de setembro, o Ministério da Educação comunicou às escolas que os diretores poderiam retomar funções. No entanto, segundo a JU,S, as escolas recusaram o regresso dos dirigentes, mostrando discordância com a decisão e preocupação com a segurança e o bem-estar das vítimas.

A ministra da Educação, Dulce de Jesus Soares, limitou-se a declarar aos jornalistas que a Inspeção-Geral do Ministério acompanha o processo e que é necessário analisar e ponderar todas estas decisões. Sugeriu, ainda, que as partes que não se sintam satisfeitas apresentem recurso.

A JU,S, responsável pelo apoio jurídico às vítimas, submeteu o recurso da decisão da Comissão da Função Pública (CFP) no dia 27 de outubro, poucos dias depois de ter sido notificada, a 10 de outubro, cerca de um mês após a decisão ter sido proferida.

A Comissão da Função Pública confirmou a receção do recurso, mas explicou que é necessário reunir o quórum de cinco membros, incluindo o presidente, para poder proceder à discussão do caso. A reunião ainda não ocorreu, uma vez que não se conseguiu reunir todos os comissários ao mesmo tempo. “Temos muito trabalho, mas, quando nos juntarmos, se pelo menos três pessoas se posicionarem contra a minha decisão, deferiremos o pedido da JU,S”, esclareceu Agapito da Conceição.

O comissário acrescentou que, ao apresentar um recurso, a JU,S deve também submeter novas evidências com factos consistentes. “Depois, temos de confirmar esses factos. Se não o fizermos e julgarmos uma pessoa que não é culpada, somos nós que estamos errados”, concluiu.

Esta afirmação contrasta com o resultado da investigação conduzida pelos próprios investigadores da Comissão da Função Pública, que concluiu, de forma final, que os diretores são culpados de conduta irregular, nomeadamente de assédio sexual.

A JU,S mantém, contudo, a confiança na Comissão para que esta avalie com maior rigor a gravidade da ação de assédio sexual cometida pelos funcionários públicos.

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