Foram 14 os momentos musicais que surpreenderam o público, com miniconcertos em vários cantos da capital. Os cidadãos encararam a iniciativa com um sorriso no rosto e aproveitaram para pedir mais investimento no setor cultural.
No âmbito da Fête de la Musique, ou Make Music Day, celebrada internacionalmente a 21 de junho, a Fundação Oriente (FO), em colaboração com a Cooperação Francesa em Timor-Leste, o Institut Français e o programa Hasoru Malu, organizou uma série de concertos em vários espaços públicos de Díli.
A Fête de la Musique, ou Make Music Day, teve início em 1982, em França. Atualmente, o dia é celebrado em mais de mil cidades espalhadas pelo mundo, com atuações livres e inclusivas. O princípio é muito simples: qualquer pessoa pode participar – músicos profissionais, amadores, jovens, idosos.
Na capital de Timor-Leste, ao longo do dia, somaram-se várias atuações espontâneas, de 30 minutos cada, de músicos profissionais e amadores, timorenses e internacionais. O público, a viver a sua rotina de mais uma sexta-feira, foi surpreendido e os sorrisos somaram-se, neste dia de celebração da música. O evento culminou com a atuação de três bandas timorenses, no jardim da Fundação Oriente: Lolobremu Quartet, Cocustic e Klamar.
De acordo com Joana Saraiva, delegada da FO em Timor-Leste, a iniciativa realizou-se graças ao Hasoru Malu, cujo trabalho se foca na dinamização da arte contemporânea timorense. A atividade contou também com o apoio da cooperação francesa. “A ideia era levar a arte para o povo, por meio da música, ou seja, colocar a arte mais perto das pessoas. É uma forma de promover a atividade artística timorense, porque o acesso à arte em Timor é bastante limitado e elitizado”, afirmou.
Joana Saraiva destacou ainda o facto de a Fundação Oriente registar todas as atividades, com som e imagem, para, mais tarde, “apresentar ao mundo o que foi a Festa da Música em Díli”. A delegada da FO disse ainda que está satisfeita por ter conseguido reunir condições para a elaboração deste evento, depois de vários anos sem iniciativas para a Fête de la Musique em Timor-Leste.
“Fiquei muito contente, porque um artista internacional veio animar-nos. Esta atividade não apenas tornou o nosso dia mais feliz, como também foi uma forma de atrair o público para comprar os nossos produtos”
Foi logo pela manhã que a música se fez ouvir nas ruas de Díli. O primeiro concerto, marcado para as 09h30, foi no Mercado da Fruta de Lecidere, em frente ao Lita Store.
André Esteves, professor e músico amador português, mostrou-se feliz com a sua primeira atuação na via pública. A viver em Timor-Leste há quase seis anos, o docente contou que a guitarra o acompanha para todo o lado e que é possível conciliar uma atividade profissional com “uma paixão” como a música.
“É assim que encaro a música: não sou um músico. Sou antes um curioso e um apaixonado por esta arte e pelas indústrias culturais e criativas. E tento conciliar isso com as minhas funções, digamos, mais profissionais. Tenho sempre uma guitarra comigo, seja aqui, em Portugal, ou sempre que viajo”, explicou André Esteves.
A ideia de participar neste evento partiu de uma conversa espontânea com a delegada da FO. “A Joana virou-se para mim e disse: ‘dia 21 de junho temos a Festa da Música e tu vais tocar [risos]. Como é sexta-feira e tu trabalhas, vais tocar de manhã, bem cedo, depois segues para o teu serviço’. Não podia recusar, até porque valorizo muito todo o trabalho desenvolvido pela Fundação Oriente no setor da cultura em Timor-Leste”, partilhou.
Quanto à escolha do local, André Esteves contou que houve várias hipóteses em cima da mesa, uma delas, a Prisão de Becora. No entanto, referiu de imediato que “só de pensar na habitual burocracia aqui em Timor-Leste, entre pedidos, cartas e audiências, mudámos logo de ideia, e segui o conselho de uma amiga, que sugeriu o Mercado de Lecidere”. “Ainda assim, ficou a ideia de, no futuro, se organizar um concerto no estabelecimento prisional de Becora”, confidenciou.
Já a escolha das músicas foi mais fácil. “Tinha algumas músicas originais, que fui escrevendo e que nunca ‘saíram da gaveta’. Achei que no Make Music Day faria sentido trazê-las cá para fora, ainda que estejam muito rudimentares. Depois juntei uma ou duas músicas em português e um par de músicas em inglês, numa das quais fiz um medley com uma música timorense”, explicou o músico.
Maria Francisca, 72 anos, vendedora de produtos locais no Mercado de Lecidere ficou surpreendida com a atuação do artista. “Fiquei muito contente, porque um artista internacional veio animar-nos. Esta atividade não só tornou o nosso dia mais feliz, como também foi uma forma de atrair o público para comprar os nossos produtos. Queria que isto acontecesse mais vezes. Seria bom para nós e para os artistas”, disse a vendedora.
“É uma forma de terapia, que reduz a perceção da dor e alivia o dia a dia aqui em Díli. Posso relaxar, reduzir o stresse laboral e, assim, continuar o trabalho com um espírito renovado”
Às 12 horas, foi a vez da banda Díli Acoustic Comunity (DAC). A atuação teve lugar na esplanada do Supermercado Páteo. Leonardo Pereira, vocalista da banda, disse que ficou muito contente pela oportunidade de animar as pessoas que foram àquele estabelecimento para relaxar e conversar. “Apresentámos quatro músicas românticas. Esperamos que os clientes tenham desfrutado deste momento e aproveitado para relaxar com as nossas músicas, ganhando novas energias para continuar o trabalho”, afirmou.
Dália de Oliveira, 28 anos, funcionária de uma empresa de seguros, era uma das clientes a tomar café no Páteo. Explicou que a iniciativa foi como uma terapia. “Fico muito feliz, porque é uma forma de terapia, que reduz a perceção da dor e alivia o dia a dia aqui em Díli. Posso relaxar, reduzir o stresse laboral e, assim, continuar o trabalho com um espírito renovado. Isso é muito bom. Gostaria que os artistas pudessem fazer isto todos os dias e o seu trabalho deveria ser remunerado pelo Governo ou pelas empresas”, observou.
“Muitas vezes, as pessoas pensam que os jovens são todos criminosos. Isto é falso. Muitos deles são artistas. Só que ainda falta espaços para eles se poderem expressar”
Às 13h30, foi a vez de Juju and Friends atuarem no Aeroporto Nicolau Lobato, em Díli. Antes do concerto, o Diligente conversou com Ibas, 29 anos, vocalista da banda. Disse que tocar no Aeroporto é algo raro em Timor-Leste. “Sinto-me muito contente e orgulhoso, por poder cantar aqui pela primeira vez. Não preparámos nada em concreto, mas vamos tocar quatro músicas. Espero que as pessoas se animem e que possam sentir algo diferente neste dia. Esta atividade é muito importante para encorajar os jovens a expressarem o seu talento. Muitos deles são artistas, mas faltam espaços e incentivos para se poderem expressar”, partilhou.
Elge Soares, 25 anos, assistiu ao concerto antes de viajar para a Indonésia, para estudar. “Sinto um ambiente muito diferente do habitual aqui no aeroporto. Estava a preparar-me para fazer check-in, para viajar. De repente, surgiram estes artistas conhecidos – Juju and Friends –, a tocar algumas músicas. O trabalho deles é muito popular aqui em Timor-Leste, principalmente as músicas românticas. Adoro ouvi-las”.
“Cantámos quatro músicas, com críticas aos políticos, que usam o povo para alcançar os seus interesses. O público ficou entusiasmado”
A tarde ia avançando e, às 15 horas, a banda KBIIT já estava preparada para tocar no Jardim 5 de maio, conhecido como o jardim das leituras, onde muitos jovens compram livros e desfrutam do seu conteúdo debaixo das grandes árvores. Octávio Ximenes Exposto, 26 anos, baixista da banda, disse, depois de atuar, que quando começaram, as pessoas ficaram assustadas, por não perceberem o que se estava a passar.
“Depois reconheceram-nos, começaram a aproximar-se e tudo melhorou. Cantámos quatro músicas, com críticas aos políticos, que usam o povo para alcançar os seus interesses. O público ficou entusiasmado. Espero que possamos incentivar os leitores que costumam passar tempo neste jardim, para terem uma consciência crítica sobre o que se passa no nosso país”, disse.
Por sua vez, Wardasi Laumana, 34 anos, vendedor de livros no Jardim 5 de maio, enfatizou que a música traz “mais vida” ao espaço, principalmente aos jovens. “O impacto da música na sociedade é muito importante, para que haja mudança. Precisamos de ouvir muitas músicas, com letras críticas, para aumentar a criatividade e gerar novas ideias e soluções. A música que os artistas criaram surge num contexto histórico e cultural marcado por uma sociedade injusta”.
“Este evento é muito bom para promover os talentos, não só de homens, mas também de mulheres e meninas. Assim, podemos todos fazer parte do desenvolvimento da nação através da arte. Ninguém fica para trás. Seria bom o Governo valorizar o talento dos artistas, criando condições para que seja uma profissão”
Já na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), durante a tarde, ao lado da biblioteca Uma Amerika, apresentou-se o grupo musical feminino Uma Elite, formado por três jovens timorenses. Febiela Joice, 19 anos, vocalista, confessou que ainda não produziram as suas próprias composições e que, por isso, tocaram músicas de outros artistas.
“Quando andava no ensino básico, já gostava de cantar. Cheguei a competir em concursos na escola. Por isso, a música é uma parte da minha vida. Este evento é muito bom para promover os talentos, não só de homens, mas também de mulheres e de meninas. Assim, podemos todos fazer parte do desenvolvimento da nação através da arte. Ninguém fica para trás. Seria bom o Governo valorizar o talento dos artistas, criando condições para que seja uma profissão”, afirmou Febiela Joice.
A performance do grupo foi acompanhada por muitos jovens. Efa dos Santos, 25 anos, é estudante na Universidade Nacional de Timor-Leste, no Departamento de Ciências Exatas, e voluntária na Uma Amerika. A universitária confessou que o concerto mudou o seu dia. “Costumamos terminar as atividades na Uma Amerika e voltamos logo para casa. Porém, hoje vimos o concerto das nossas três amigas. Espero que isto possa incentivar as mulheres a mostrar o seu talento musical”.
“Acho que é uma maneira mais fácil de nos conectar, especialmente em um momento em que o mundo parece bastante fragmentado e há muito sofrimento, há muita desigualdade. Assim que você começa a tocar música com alguém, não importa de qual país você é no mundo, tudo isso desaparece e você está falando a mesma língua”
Já ao final da tarde, às 17 horas, Billy Barker, artista australiano, atuou em frente ao Palácio do Governo. Cantou três músicas em inglês e a famosa música timorense “Oh, oh, oh, Timor”. Questionado sobre o contexto da sua visita a Timor-Leste, o artista respondeu que veio através de amigos timorenses que trabalham no programa Pacific Australia Labour Mobility (PALM), na Austrália. “Toquei com eles na Austrália e, agora, convidaram-me para vir aqui. Estou cá há três semanas e conseguimos organizar alguns concertos”, disse.
Sobre o Make Music Day, o artista partilhou que se trata de uma oportunidade para olhar a música como uma linguagem global. “Acho que é a maneira mais fácil de nos conectarmos, especialmente num momento em que o mundo parece bastante fragmentado, com muito sofrimento e muita desigualdade. Assim que uma pessoa começa a tocar música com alguém, não importa de que país somos. Nesse momento, tudo isso desaparece e começamos a falar a mesma língua”.
Aldálio Gusmão, 20 anos, estudante da Universidade Oriental, na Faculdade de Ciências da Saúde, estava a fazer desporto no Palácio do Governo e acabou por assistir ao concerto. “Quando reparei no artista australiano a cantar, parei para ver e ouvir. Gostei muito do momento em que ele cantou uma música em tétum. Isto mostra que a música é uma linguagem universal e ultrapassa barreiras étnicas, de raça, de culturas ou línguas, e permite que pessoas de diferentes origens se relacionem emocionalmente. A música une-nos. Queria que houvesse muitos artistas nacionais e internacionais a atuarem em lugares públicos, para animar os jovens e promover o talento”, contou.
Depois dos miniconcertos, em diversos pontos da cidade, entre as seis da tarde e as 19:30, houve espaço para cinco apresentações em frente à Fundação Oriente. O mural, pintado pelo artista timorense Tony Amaral, foi o pano de fundo para as atuações de Dili Comunity Choir, Jovie, Izu, Safrei e Brothers Percussions.
Eram já oito da noite, quando a banda Lolobremu Quartet subiu ao palco, no jardim da Fundação Oriente. Seguiram-se os Cocoustic e, para finalizar um dia com mais de 12 horas de música, os Klamar atuaram perante uma belíssima moldura humana, como tem sido habitual nos eventos da Fundação Oriente.