Jovens timorenses estão a usar a arte para defender o mar. Através de uma exposição imersiva, o coletivo Underwater Cinema denuncia os impactos da poluição e da construção desordenada sobre os ecossistemas marinhos. O movimento quer mudar mentalidades e levar a educação ambiental às escolas do país.
Uma exposição artística e educativa, inaugurada no dia 5 de abril na Fundação Oriente, em Díli, está a transformar a forma como os timorenses olham para o mar. Idealizada pelo coletivo Underwater Cinema, conhecido pelas suas ações de limpeza marinha e sessões de snorkeling aos fins de semana, a instalação convida o público a mergulhar — sem sair do chão — na riqueza e fragilidade do ecossistema marinho de Timor-Leste.
Com o nome Underwater Cinema, o grupo aposta agora numa abordagem diferente: usar a arte como ferramenta de educação ambiental e transformação cultural. A exposição, que decorre até 12 de abril, tem recebido centenas de visitantes por dia e pretende, no futuro, estender-se a outras regiões do país.
Por agora, o grupo está a planear transportar habitantes de zonas próximas de Díli, como Hera e parte do município de Manatuto, para visitarem o espaço. Além disso, pretende contactar escolas para que também possam visitar o local.
Mais do que limpar o mar: mudar mentalidades
Joãozinho Dedito Martins, conhecido como Dedy Kayaka, coordenador do grupo, explica que as ações anteriores – como as sessões de cinema subaquático ou as atividades nas escolas – não foram suficientes para provocar uma verdadeira mudança de consciência. “O próprio currículo escolar não inclui educação ambiental. As crianças não têm incentivo para aprender sobre o tema”, lamenta.
Foi por isso que o grupo decidiu criar uma experiência sensorial e imersiva, onde os visitantes sentem que estão a entrar num verdadeiro aquário. A exposição está aberta ao público desde o dia 5 de abril e, logo de manhã, antes das 9h, já há dezenas de pessoas à porta. “Muitos visitantes vêm para tirar fotografias. E isso é positivo — é assim que os envolvemos. Um dia, essa curiosidade visual vai transformar-se em consciência”, acredita Dedy Kayaka.
Arte para sensibilizar, não para decorar
Além das instalações visuais, a exposição reúne obras de cerca de 40 artistas timorenses, de várias idades, que aceitaram o desafio de pintar e refletir sobre o mar.
“A arte permite mostrar que pequenos gestos fazem a diferença. No passado, os nossos antepassados deitavam cascas de banana ou mandioca no chão — algo biodegradável. Hoje fazemos o mesmo, mas com plástico, e isso destrói o ambiente”, compara.
A exposição está dividida em três áreas temáticas: A beleza do mar — onde se exibe a biodiversidade marinha timorense, com destaque para corais, baleias e golfinhos. “Estes recursos são fundamentais para a economia azul, para o turismo, a pesca e o ambiente”, sublinha Dedy.
As ameaças — sala onde os visitantes são confrontados com a poluição, sobretudo o plástico e as redes de pesca abandonadas, bem como os impactos de infraestruturas mal planeadas junto ao mar. “A Baía de Tibar é um exemplo. O país precisa de desenvolvimento, sim, mas tem de ouvir as várias vozes antes de construir. Caso contrário, estamos a sacrificar um recurso natural que pertence a todos.”
“Quando os peixes consomem microplásticos e esses peixes são consumidos pelos humanos, surgem sérios riscos para a saúde. Infelizmente, muitas pessoas ainda não têm esta consciência. Pensam que o plástico apenas prejudica a paisagem, sem perceberem o outro perigo que representa”, detalhou.
A última sala é dedicada às soluções, onde se apresenta o trabalho de grupos de voluntários e alternativas concretas para proteger o oceano. “Ser voluntário é um ato de paixão. Mas falta apoio institucional para que estas pessoas possam continuar a lutar pelo mar”, alerta.
Dedy critica ainda a ausência de planeamento urbano em Díli e a falta de sistemas de escoamento e de contentores adequados para resíduos hospitalares. “O Governo fala em promover a economia azul, mas ignora os riscos ambientais. O nosso movimento é pequeno, mas a pressão para destruir o ecossistema é enorme.”
Para Dedy, a chave para mudar está na educação. “O currículo precisa de ser reformulado. Não podemos investir só nos jovens — temos de começar pelas crianças. Se aprenderem desde cedo a cuidar do ambiente, vão influenciar os adultos à sua volta.”
“O mar é mais do que água: é vida, herança e responsabilidade”
A exposição tem provocado emoções fortes entre os visitantes. Marquito do Rego, estudante do Instituto de Ciência de Saúde de Díli (ICS), admitiu que antes via o mar como uma paisagem qualquer. “Agora percebo que o mar fala connosco. Tem uma beleza frágil. Ouvir as ondas acalma. E perceber os seus perigos inspira-me a protegê-lo.”
Para ele, limpar o lixo não basta — é preciso transformar o modo de pensar. “A mudança começa na mente e no coração. A exposição mostra isso de forma clara.”
Geovani da Cruz, de 23 anos, também estudante do ICS, nunca mergulhou no mar profundo. Mas sente-se agora mais próximo desse universo. “O mar é uma das maiores riquezas do nosso país. Esta exposição permite ver com os próprios olhos aquilo que só imaginava.”
Remígio Soares, estudante da UNTL, alertou para o problema da gestão de resíduos em Timor-Leste. “As pessoas continuam a deitar lixo em qualquer lado. E esse lixo vai parar ao mar, mata os peixes e destrói tudo. Esta exposição mostra que proteger o mar é muito mais do que limpar: é mudar comportamentos.”
Ministério da Educação quer envolver escolas
A Ministra da Educação, Dulce de Jesus, marcou presença no evento e manifestou o seu orgulho pela criatividade dos jovens voluntários. Nesse sentido, o Ministério da Educação pretende, no futuro, colaborar com o grupo Underwater Cinema e valorizar o talento dos jovens como forma de sensibilizar os estudantes para a importância da educação ambiental, através da exibição de vídeos educativos.
“No futuro, o Ministério da Educação quer colaborar com o grupo para divulgar os seus trabalhos, com o objetivo de consciencializar as crianças e ajudá-las a desenvolver, desde cedo, uma consciência ambiental, sobretudo no que diz respeito à preservação do mar”, afirmou a ministra.
A intenção passa por integrar os trabalhos do grupo como materiais pedagógicos, promovendo uma maior sensibilização ambiental junto das novas gerações. A ministra destacou ainda o potencial da parceria com os professores, permitindo que os alunos conheçam de perto as atividades desenvolvidas e aprendam, de forma envolvente, diferentes formas de proteger o oceano.