O que é a Filosofia?
Quando queremos definir filosofia, podemos começar por indicar o significado etimológico da palavra. Filosofia (philos: amor, amizade e sophia: sabedoria) significa “amor pela sabedoria”. Quando questionaram Pitágoras se ele era um sábio, o pensador respondeu que não era um sábio, mas um amante da sabedoria (filósofo), o que é completamente diferente de ser um sábio.
O significado etimológico remete-nos para o facto de a filosofia ser uma demanda pela sabedoria, o que é diferente da demanda pelo conhecimento, sobretudo quando este é técnico. Quando falamos em filosofia ou em ciências, estamos a falar da procura da verdade ou do conhecimento, embora ambas tenham diferentes objetos do conhecimento. O objeto da filosofia é diferente do das ciências ou das engenharias ou de outra área do saber.
As ciências e as engenharias almejam colocar em prática os seus conhecimentos técnicos na aplicação prática de alguma coisa, num objeto específico, como, por exemplo, a construção de uma estrada, de uma ponte, ou de uma fórmula química para um determinado medicamento. A ciência e as engenharias são conhecimentos que se adquirem de forma imediata, dependendo da intensidade do seu estudo e experiência. A ciência tem como base o método científico, a experimentação, a observação e a constatação das hipóteses.
A filosofia, pelo contrário, não é um saber que se adquire de forma espontânea. Distingue-se do conhecimento que possamos ter da política, da biologia, da história e das outras ciências sociais ou exatas. É um saber que exige tempo e algum grau de maturidade para o absorver, tendo, por isso, implicações no nosso comportamento, no nosso saber-estar e saber-ser, ao longo da nossa vida.
A filosofia caracteriza-se pela investigação da verdade de forma desinteressada, sendo, por isso, apolítica e a-monetária, sendo realizada através da iniciativa do pensamento crítico e reflexivo. O seu método é interrogativo ou reflexivo, à maneira socrática. Assim, a filosofia carateriza-se pela formulação de um pensamento próprio, crítico e reflexivo, acerca de si próprio, do mundo e dos temas fundamentais da vida humana que, inevitavelmente, tem repercussões na nossa forma de ver e de estar no mundo.
Contudo, um dos cuidados a ter com o saber filosófico é que o mesmo tem de estar constantemente sujeito ao crivo do nosso olhar atento, da nossa reflexão crítica, para não se transformar num dogma ou numa verdade absoluta, seja para si, seja para os outros. A filosofia, enquanto saber desinteressado e cuidadosamente formulado, tem a capacidade de influenciar todas as dimensões da nossa vida, seja na sociedade, na família ou na nossa profissão e talvez seja por isso que a filosofia seja popularmente como a “mãe das ciências”.
Tanto a filosofia como a ciência são fundamentais e, ao contrário do que se possa afirmar, ambas são complementares. O problema é que, como a filosofia requer tempo, amadurecimento e disponibilidade para se obter frutos, é cada vez mais incompreendida na cada vez mais veloz e ávida sociedade de produção e de consumo contemporânea.
Qual é a importância da filosofia para o mundo atual?
A vida humana contemporânea é altamente tecnológica, plástica e regulada por uma velocidade supersónica sem precedentes. De uma forma geral, a nossa vida pauta-se pela atenção que concedemos às opiniões (doxa), às verdades efémeras das redes sociais e à desinformação generalizada. Num mundo cada vez mais sem diretrizes e que presta vassalagem ao culto do ecrã e da imagem, o indivíduo é confrontado pelo ruído exacerbado, seja ele tátil, visual ou auditivo, pelas exigências de uma determinada era da sociedade, pela dúvida, pelo medo, pela ansiedade e depressão. Numa era do cansaço generalizado, o ser humano gasta-se e consome-se desenfreadamente. Neste ambiente frenético, é fundamental que cada um de nós encontre o seu lugar, posicionando-se face a si próprio, às pessoas e à complexidade dos desafios pessoais e mundiais. A única forma que o Homem tem para se posicionar perante a exigência da sua consciência e os temas e dilemas da vida humana é começar do zero, abraçando a filosofia, abraçando as causas.
Todavia, abraçar a filosofia não é só abraçar o pensamento. É, em primeiro lugar, a procura da nossa agitação interior que, na maior parte dos casos, se esmoreceu pelo tempo, e que se encontra perdida ou fragmentada.
Abraçar a filosofia é como ir ao encontro da nossa infância, quando a lembrança deste ou daquele momento nos faz sorrir, ainda que momentaneamente. É a memória do quanto a nossa vida em criança estava recheada de sonhos e de imaginação, de promessas pessoais e de agitação interior. À medida que crescemos e nos tornamos adultos, essa agitação interior, que todos nós possuímos, vai-se esmorecendo com o tempo, por variadíssimas razões. O espanto inicial, nutrido pela intensidade da vida na infância, é lentamente substituído pelo hábito e rotina do quotidiano, das coisas, dos lugares e das pessoas que se tornam demasiado familiares e previsíveis para o indivíduo adulto. Em quase todos os casos, é através da morte da nossa agitação interior que suspende o amor genuíno pela sabedoria, esse tal amor desinteressado.
O dever de cada um é, antes de mais, procurar em si próprio a tal agitação interior e tentar cumprir-se no mundo, de acordo com essa agitação. Na verdade, o amor que está enraizado na etimologia da palavra filosofia não existe por acaso e, normalmente, é menosprezado. O amor pela sabedoria só pode ser desenvolvido se desenvolvermos o amor por nós próprios, pelo outro, pelo mundo e isso pressupõe algum recolhimento. Só podemos desenvolver um amor genuíno pela sabedoria quando este amor é provocado por uma “agitação” que se dá em nós, um chamamento interno, seja da nossa consciência, seja de outra coisa qualquer.
Tendo em consideração este ponto, compreendemos a importância da filosofia e podemos assumir que ela é cada vez maior para o futuro do indivíduo e para o futuro das nações, sobretudo com a ascensão da pobreza, das crises ecológicas mundiais, das guerras, da inteligência artificial e da sociedade-mundial cada vez mais artificial e tecnológica. Infelizmente, a filosofia continua a ser incompreendida e subestimada no mundo atual e a prova disso é a supressão cada vez mais frequente da disciplina de filosofia em bastantes currículos educativos de vários países.
Como se caracteriza a filosofia em Timor-Leste?
Timor-Leste é um país muito recente, em termos de democracia, uma vez que obteve a sua independência política em 2002, constituindo-se como um dos mais recentes Estados do terceiro milénio. Neste sentido, é um país em crescimento do ponto de vista democrático, da liberdade do pensamento, da liberdade da expressão e da liberdade da investigação académica. Há instituições de ensino superior que foram criadas e estabelecidas em Timor-Leste após o ano de 2020, o que diz muito sobre o ponto da situação da investigação académica no país. A filosofia, neste cenário, encontra-se numa fase embrionária e fragmentada.
A filosofia encontra-se num estado incipiente por duas razões. Em primeiro lugar, porque se trata de uma jovem nação, cuja liberdade de pensamento foi recentemente adquirida, como já foi referido; em segundo lugar, Timor-Leste ainda não tem obras filosóficas porque ainda não tem – nem teve tempo – para formar pensadores ou filósofos, isto é, pessoas que se debruçam sobre problemas filosóficos.
A fragmentação da filosofia que abordamos foca-se exclusivamente na questão do ensino da filosofia, situação que pode comprometer seriamente a passagem do estado prematuro da filosofia em que se encontra o país para um estado posterior.
Apesar de existirem três instituições de ensino superior em Timor-Leste que ministram o curso de filosofia – Faculdade de Filosofia da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, Instituto Filosófico São Francisco de Sales e Instituto de Filosofia e de Teologia D. Jaime Garcia Goulart – não existe a disciplina de filosofia no ensino público secundário.
Tendo em conta esta realidade, por um lado, questiona-se como é feita a seleção dos alunos de filosofia para frequentarem o curso de filosofia do ensino superior, uma vez que essas instituições têm de aceitar alunos que nunca contactaram com a filosofia, no ensino secundário, e que não possuem quaisquer competências nesta área.
Por outro lado, questiona-se quais são as saídas profissionais dos estudantes de filosofia do ensino superior, uma vez que não poderão lecionar uma disciplina que não existe no currículo de ensino geral.
Esta situação compromete seriamente o equilíbrio do currículo escolar e a aquisição de competências fundamentais nos alunos do ensino secundário, como a capacidade de questionarem a realidade que os circunda, a capacidade de desenvolverem pensamento próprio e de se posicionarem criticamente em relação aos vários aspetos sociais e políticos do país. A ausência da disciplina de filosofia no ensino secundário está a ter fortes repercussões na sociedade atual.
A disciplina de filosofia é importante para a educação atual de Timor-Leste?
Quanto mais atenção e importância uma nação presta à filosofia, mais essa nação sairá beneficiada pelos préstimos da própria filosofia. Os alunos, as escolas e os cidadãos em geral ficarão mais preparados para ter uma vida mais enriquecida, mais instruída, mais culta e ponderada. A inevitável reflexão sobre as coisas, sobre si próprio e sobre o mundo proporciona uma compreensão mais apurada e subtil da vida e uma maior tranquilidade interior do indivíduo. Como referia Sócrates a este propósito: “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. É importante que todos os alunos sejam convidados a olhar para a vida de forma extraordinária, que procurem o que cada um possui de mais extraordinário e que tentem viver a sua vida de forma extraordinária. Isso não tem de levar a que tentem ser famosos ou que tenham de ter muitas visualizações no Youtube para se sentirem alguém. Raras são as disciplinas no ensino primário ou secundário que conseguem fazer isso. A filosofia, por seu lado, possui esse poder, esse magnetismo, essa diferença.
A disciplina de filosofia é importante, não só porque convida os alunos a desconfiarem da sociedade da informação, da opinião e da manipulação de âmbito político ou social, como também a posicionarem-se perante a religião, a estética, os vários dilemas éticos da vida, a política e questionarem os males que assolam a sociedade e o Homem, entre outros aspetos. As competências que os alunos poderão adquirir na disciplina de filosofia permitem, sem sombras de dúvidas, não só enriquecer a sua subjetividade de forma extraordinária, como também potencia aos mesmos a adquirirem mais competências nas outras disciplinas. Da mesma forma, ela é importante na medida em que estimula cada um de nós a procurar a sua agitação interior. Isto é, a procurar descobrir em si aquilo que é extraordinário, por oposição ao que os outros podem entender como vulgar ou ordinário.
O dever do professor de filosofia é sobretudo o de chamar a atenção dos alunos, afirmando que cada um deles possui essa tal agitação interior e que ela não deve ser menosprezada e muito menos ignorada. Neste sentido, a disciplina de filosofia, no ensino secundário, estatui-se como uma necessidade vital para qualquer currículo educativo no mundo, sendo, por isso, vital a sua criação e implementação no currículo educativo de Timor-Leste, não só devido às competências fundamentais que o aluno poderá adquirir através desta disciplina, como também, e sobretudo, pela pessoa e cidadão que poderá vir a ser.
Filipe Abraão Martins do Couto fez doutoramento em Filosofia, pela Universidade do Minho. Possuí um mestrado em Filosofia Política, pela Universidade Nova de Lisboa, um mestrado em Mediação Cultural e Literária, pela Universidade do Minho e um mestrado em Ensino da Filosofia, pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho. Tem uma pós-graduação em Gestão e Políticas da Ciência e Tecnologia, pela Universidade Nova de Lisboa. É licenciado em Filosofia, pela Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é Investigador Sénior Internacional no Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia de Timor-Leste e Investigador da Universidade do Minho.