Iliana: a aldeia que sobrevive da água da chuva desde tempos antigos

O tanque de água depois de duas horas a chover/Foto: Diligente

Em Iliana, um campo montanhoso de Ataúro, famílias vivem exclusivamente da água da chuva. Tanques antigos, alguns do período indonésio, são insuficientes para enfrentar sete meses de seca, obrigando os moradores a racionar água e adaptar o dia a dia desde tempos antigos.

A senhora abriu a torneira e encheu metade do recipiente. “É água da chuva”, disse Esse do Rosário, agricultora e dona de casa em Iliana. Levou a garrafa para a cozinha e filtrou a água numa panela colocada sobre o forno a lenha. Depois de ferver, preparou chá e café com a mesma água para oferecer à jornalista.

Iliana é um campo situado nas montanhas de Ataúro e integra o suco Biqueli. Curiosamente, aqui vivem habitantes de duas aldeias: Iliknamu, pertencente ao suco Biqueli, e Arlo, do suco Beloi.

A busca por água durante a estação seca é a rotina diária dos moradores de Iliana — tal como acontece em Arlo, Doru e outras zonas onde as famílias sobrevivem exclusivamente da água da chuva armazenada durante os meses húmidos, uma prática herdada dos antepassados.

Ao reservar água por muitos meses, são evidentes as larvas de mosquito, que normalmente se desenvolvem em poucos dias. No entanto, a população de Iliana não tem como trocar por água nova.

Meli do Rosário, de 90 anos, mãe de Esse, mudou-se de Vatu’u para Iliana quando casou. A idosa é a prova viva de um problema estrutural persistente que atravessou três períodos históricos: o tempo português, o tempo indonésio e a atualidade.

“A nossa dificuldade é a falta de água. Consumimos água da chuva. Usamos a água acumulada no tanque pouco a pouco, até que volte a chover”, contou Meli do Rosário. Com apenas dois tanques, a água durou apenas até outubro, porque além de beber, a família precisa de água para cozinhar, lavar a louça e a roupa, tomar banho, entre outras tarefas. “Para tomar banho só podemos usar cerca de cinco litros de água. Lavamos a roupa uma vez por semana e só enxaguamos uma vez”, acrescentou a filha.

A segunda semana de novembro trouxe algum alívio à família. A chuva de duas horas encheu apenas uma pequena parte do tanque.

Judit Gonçalves, da aldeia de Iliknamu (suco Biqueli), tem apenas um tanque e precisa de calcular cuidadosamente o consumo para que ela e os filhos consigam aguentar até à próxima chuva. “A partir de maio, começamos a usar só o tanque, com muito cuidado”, explicou.

A quantidade máxima de água permitida por pessoa para um banho é de cinco litros. Judit lava a roupa uma vez por semana: coloca o detergente logo no início, sem poder enxaguar primeiro os panos, e apenas lhes passa água uma vez antes de os estender ao sol. Além disso, precisa de cozinhar a comida dos porcos, lavar a louça e fazer outras tarefas domésticas.

“Este ano, a água acabou em outubro. Ainda bem que, numa quinta-feira à tarde, choveu durante duas horas. Se não, ficávamos completamente secos. Quando isso acontece, pedimos ajuda às famílias que têm dois ou três tanques — podem ainda ter alguma água”, disse Judit Gonçalves.

Timóteo de Sousa, idoso da aldeia de Iliknamu, reforçou as queixas, afirmando que a população precisa apenas que o Governo disponibilize mais tanques e garanta uma vida digna, sobretudo apoio aos idosos. “Não haver água é o pior. Não há fonte de água aqui.”

Iliana situa-se a cerca de 7 quilómetros da vila/Foto: Diligente

No tempo português, a luta pela água era ainda mais difícil. “Usávamos a água que se acumulava em buracos nas rochas grandes dentro da floresta”, contou o pastor de Iliana, André Soares. O pastor vive no topo da montanha, ao lado da igreja. Logo atrás da igreja encontra-se um enorme tanque azul, elevado sobre uma estrutura de ferro. A canalização vem da aldeia Maquer, passando por Adara. A água deveria chegar a esse tanque e, a partir daí, ser distribuída para Iliana, Arlo e Vatu’u. Mas a realidade é outra.

“Instalaram isto no ano passado, mas a água nunca chegou. Até os tubos de PVC e as mangueiras foram queimados. Eu disse-lhes que tinham de instalar canos, mas responderam que, se houvesse água dentro das mangueiras, estas não seriam queimadas. Mas não há água. Só se canalizassem de Berau.”

Berau é uma aldeia rica em água e abastece a maioria das comunidades costeiras. Segundo o pastor, o incêndio que destruiu a tubagem aconteceu no ano passado, provavelmente devido à prática de queimar campos agrícolas ou à caça de animais, como cães e porcos.

No passado, quando ainda não existiam tanques, e depois de a chuva parar, os antepassados desciam ao mar para tomar banho e lavar roupa, usando folhas de papaia como sabonete. Faziam-no sobretudo aos sábados, regressando com algumas garrafas de água para lavar a cara, as mãos e os pés no dia seguinte, antes de irem à missa.

Para beber, consumiam água acumulada nos buracos das rochas, muitas vezes misturada com fezes de animais, insetos, folhas e ramos espinhosos. “Paciência, bebíamos”, recordou o pastor. Quando essa água acabava, deslocavam-se até aldeias como Doru, Arlo-Mar, Atekru ou Adara — zonas costeiras onde existiam poços — ou até aos sucos Biqueli e Beloi, levando garrafas e bote, um cesto tradicional feito de palmeira.

“No tempo indonésio, veio um administrador distrital que queria conhecer os problemas da zona. Contei-lhe tudo isto, mas ele não chorou”, relatou o pastor, mantendo o mesmo tom com que narra o episódio há décadas.

As práticas descritas aplicavam-se apenas a quem tinha força para descer ao mar. Os que não conseguiam, aos domingos, recolhiam o orvalho da manhã das folhas das árvores e das ervas, acumulando as gotas nas mãos para lavar o rosto, as mãos e os pés. Se isso não fosse possível, mastigavam coco, cuspiam o líquido para as mãos e lavavam o rosto com essa água. “Quando nem isso havia, cuspiam nas próprias mãos e passavam pela cara, mãos e pés. Foi aqui que o governador chorou”, contou. Segundo André Soares, o governante terá construído cerca de dez tanques de cimento para captação de água da chuva após ouvir o relato.

Após a restauração da independência, os Programas Nacionais de Desenvolvimento dos Sucos (PNDS) permitiram a construção de mais tanques de cimento e a oferta de tanques plásticos. No entanto, continuam a ser insuficientes para garantir água durante os cerca de sete meses de seca. Algumas famílias têm apenas um tanque; outras possuem dois ou três.

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Sistema montado para captar a água da chuva/Foto: Diligente

As canalizações ligam não apenas os tanques de reserva, mas também tanques das casas de banho e baldes, para maximizar o aproveitamento da água da chuva. Quando a época das chuvas termina, a população passa a depender exclusivamente desses tanques.

“Mesmo assim, não é suficiente. Tomamos banho, lavamos roupa, cozinhamos. Não dá. Nem três ou quatro tanques chegam. Muito menos quando há visitantes.” O pastor repetiu o apelo de toda a comunidade: mais tanques, preferencialmente de cimento, uma vez que os tanques de plástico deixam a água com cheiro e cor amarelada.

Acrescentou ainda que o Governo disponibiliza abastecimento através de camiões de água, mas estes apenas enchem um tanque comunitário junto à estrada. Cada família tem de pagar cerca de quatro dólares para encher os seus próprios tanques.

O chefe da aldeia Iliknamu, Nicolau Tavares, afirmou que tem procurado apoio institucional para a construção de mais tanques. “Pedi também ajuda a uma senhora da Austrália que veio cá a pedido do próprio primeiro-ministro, mas ainda não houve resposta”, disse.

A aldeia, que inclui 18 famílias em Abak e 19 em Iliana, conseguiu nos últimos anos apoio para quatro tanques plásticos, dois tanques de cimento e mais dois tanques plásticos oferecidos pela ONG Permacultura Timor-Leste (Permatil). “O Governo deve apoiar, porque a população não tem acesso à água. A única esperança é a chuva. Se não vier, não há água.”

O chefe do suco Biqueli, Daniel Martins, reforçou que já foram feitos contactos com as autoridades para transportar água até às zonas montanhosas, bem como submetida uma proposta escrita ao Governo, através da Autoridade Municipal, para dar prioridade a canalização de água para Iliana — sem resposta até ao momento.

Martins explicou que, todos os anos, o orçamento do PNDS, cerca de 50 mil dólares, é direcionado prioritariamente para a construção de tanques nas áreas montanhosas. Com esse montante, é possível adquirir apenas cerca de dez tanques plásticos de 5 mil litros. “Além da compra, é preciso mobilizar materiais como cimento e areia para construir a base onde os tanques são colocados, bem como tubos de PVC para a canalização da água da chuva.”

O suco é composto por quatro aldeias — Iliknamu, Ilidua, Pala e Uaruana — com 2.832 habitantes e 778 famílias.

“Se fizermos tanques de cimento, só conseguimos construir seis, ou até menos, porque só o transporte do cimento, areia e outros materiais para Iliana custa entre 70 e 80 dólares”, explicou Daniel Martins. Para ele, as comunidades das montanhas devem ser prioridade, uma vez que as zonas costeiras têm acesso a perfuração ou canalização pública.

Com 175 mil dólares alocados este ano para o abastecimento de água potável pela Administração de Ataúro, Iliana e outras comunidades montanhosas continuam dependentes da chuva. Para o próximo ano, o valor diminui para 153 mil dólares, mas as metas continuam ambiciosas: garantir a “boa gestão dos recursos hídricos” e assegurar “100% dos timorenses com acesso a água potável”.

Em 2025, o abastecimento de água em Ataúro não está incluído no Fundo Especial do Desenvolvimento de Ataúro (FEDA). Contudo, para o próximo ano, estão registados cerca de 500 mil dólares no âmbito deste fundo para garantir que 100% da população tenha acesso a água potável, segundo o Livro Elementos Informativos para o Orçamento Geral do Estado de 2026.

Apesar deste compromisso de assegurar o acesso universal à água, quando questionado sobre quando é que a população de Iliana poderá finalmente ter água, o ministro das Obras Públicas, Samuel Marçal, respondeu que é preciso “rezar” para que isso aconteça. O ministro reiterou que o problema da falta de água resulta da escassez de recursos hídricos e não da falta de vontade do Governo em garantir o acesso.

“Recentemente, encontrámos mais uma fonte de água em Macadade, mas ainda está a ser realizado um teste para avaliar o nível de calcário”, explicou, acrescentando que o tanque azul construído em Iliana não foi utilizado porque as mangueiras ficam cheias de calcário em apenas um mês. O ministro garantiu que o tanque não ficará inutilizado e que o Governo está a estudar como aproveitar a água da fonte de Macadade. No entanto, admitiu ter pouca confiança, já que a força da água é de cerca de três litros por segundo.

Quando a distância impede o acesso a uma vida digna

Em Iliana, também falta comida. O dinheiro do subsídio de idoso que a avó Meli do Rosário recebe — 200 dólares de três em três meses — não é suficiente para comprar arroz e outras necessidades básicas do dia a dia. Os filhos e genros trabalham na construção sempre que surge algum projeto, enquanto as mulheres cuidam das hortas, que raramente geram rendimento, porque a estrada não facilita o transporte para a vila.

Apesar da escassez de água, muitas árvores e vegetais que não exigem rega diária conseguem crescer. Na casa de Meli do Rosário há mangueiras, laranjeiras e outras árvores de fruto. Contudo, não conseguem levá-los para vender por falta de transporte. Nesta terceira semana de novembro, começaram a plantar milho, agora que iniciou a época das chuvas, embora ainda tenha chovido pouco.

A avó queixa-se da falta de comida, sobretudo de arroz, que têm de consumir com moderação até receberem novamente o subsídio. Lamentou ainda não receber o apoio do programa Uma Kbi’it La’ek, apesar de a sua casa ter sido destruída, obrigando-a a viver na casa de um dos filhos.

Por outro lado, Benjamin Martins, de 60 anos, e a sua esposa, Lina de Sousa Martins, de 50 anos, têm de pagar 12 dólares para a ida e volta até à vila para venderem os seus produtos agrícolas. “O retorno depende muito dos bens que conseguimos produzir e levar. Se levarmos bastante, arrecadamos entre 10 e 30 dólares. Se for pouco, conseguimos apenas 5 dólares.”

Benjamim, natural da aldeia Adara, mudou-se para Iliana há dois anos, depois de casar com Lina. Ele pesca e ela trabalha na horta e cria gado. Quando a maré não permite a pesca, Benjamim ajuda no campo.

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Condições da estrada que liga Iliana à vila/Foto: Diligente

A estrada é também um fator determinante no acesso à saúde. Lina explicou que, para ir a uma consulta, tem de caminhar duas horas até aos centros de saúde — seja em Adara, seja na vila. Para emergências como o parto, a ambulância pode chegar à aldeia, que fica a cerca de 7 quilómetros.

Ainda assim, a população mostra-se otimista com a construção de um posto de saúde ao lado da escola Adoil, polo da Escola Básica Filial (EBF) Beloi, localizada a cerca de 20 minutos a pé de Iliana.

Tal como o centro de saúde, a eletricidade também está a ser introduzida. Os postes elétricos foram colocados há cerca de três semanas e a instalação já chegou à escola. Por agora, continuam a depender de painéis solares.

O chefe do suco Biqueli, Daniel Martins, explicou que a reconstrução da estrada entre a aldeia Pala, no centro do suco, e Iliana começou em novembro de 2019, a cargo da empresa Chime Naya Buras, Unipessoal Lda., responsável pelos 7 quilómetros do trajeto. No entanto, devido à pandemia, a obra foi interrompida. A empresa conseguiu colocar pavimento de betão apenas em um quilómetro, e apenas em metade da largura da estrada, o que continuou a dificultar o seu uso.

“Depois, o Governo fez um novo concurso público e contratou duas empresas: a Ligatada, Unipessoal Lda., que ficou responsável por 3 quilómetros, e a Weditu, Unipessoal Lda., que ainda está a trabalhar e também tem 3 quilómetros para reabilitar”, explicou.

No site da Autoridade de Desenvolvimento Nacional, a reabilitação da estrada rural atribuída à Chime Naya Buras ainda aparece como estando em progresso. Em 2022, surgiram dois novos projetos para a mesma via, dividindo-a em duas partes, sem indicação das empresas responsáveis.

O chefe do suco acrescentou que outras estradas que ligam várias aldeias também estão em construção, algumas na zona montanhosa e outras na zona costeira: “De Macadade até Arlo, trabalha a Maureha; de Arlo para Doru, a Riristar; de Abak até à escola Metanau, a Ilha da Paz; de Metanau à Iliana, a Fitun Galilea; de Pala à Uaruana, a Bububere; de Uaruana até Akrema, a Riristar.”

Segundo o documento do OGE 2025, o Governo preparou cerca de dois milhões de dólares para a reabilitação de várias estradas em Ataúro. Para o próximo ano, a administração de Ataúro prevê alocar 1,7 milhões de dólares à construção, reabilitação e manutenção de estradas urbanas e rurais.

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Depois de uma caminhada de meia hora, as crianças chegam à escola/Foto: Diligente

Quando estudar exige esforço que vai além da sala de aula

De madrugada, por volta das quatro horas, Pedro e Natércia do Rosário Magno já estão acordados para se prepararem para ir à escola. A mãe, Esse do Rosário, também desperta cedo para preparar o pequeno-almoço: trigo frito e chá. Ainda com sono, os irmãos ajudam o pai a prender os galos antes de irem à casa de banho.

A água corre apenas em gotas. Está quase a terminar, restando apenas o fundo do tanque. Cada um usa apenas uma concha de água para lavar a cara, as mãos e os pés — menos de um litro por pessoa. Depois de se vestirem, comem o trigo frito e bebem o chá.

Às seis horas, saíram de casa. Era dia de exame de passagem de ano e as crianças tinham de partir mais cedo, porque demoram meia hora ou mais a chegar à escola, onde o exame começa às oito. Com o passo normal de um adulto, Iliana fica a cerca de 20 minutos da Escola Básica Filial Beloi, que reúne 56 estudantes provenientes de várias aldeias, incluindo Iliana.

Com apenas três professores e cinco salas, a escola funciona com duas multiturmas — duas turmas agrupadas numa única sala: 1.º ano com 2.º ano e 3.º ano com 4.º ano. Os quadros são divididos ao meio. Enquanto o professor leciona a uma turma, a outra realiza atividades ou exercícios. Cada professor ensina, assim, duas turmas em simultâneo.

A professora Azelia Ximenes observou que os materiais escolares conseguiram ser distribuídos dentro do prazo, mas apelou ao Governo para aumentar o número de docentes, melhorar o edifício escolar — incluindo casas de banho e biblioteca — e garantir abastecimento de água.

Nas aldeias mais distantes, incluindo Iliana, surgiram, em abril, iniciativas comunitárias para criar escolas pré-primárias (Taman Kanak ou TK, em indonésio). Meriam Ximenes Alves, professora da TK Iliana, dedica-se para que os meninos possam brincar e aprender sem terem de percorrer longas distâncias. Dos 2 aos 6 anos, todos se sentam juntos nas pequenas mesas e cadeiras verdes instaladas dentro da própria casa de Meriam. À tarde, ela ensina ainda adultos e idosos a ler, preparando-os para participarem no exame realizado em Beloi.

Embora o trabalho de Meriam seja voluntário, o OGE 2025 prevê uma transferência pública de cerca de 43,5 mil dólares para a educação pré-escolar na administração de Ataúro, valor que deverá aumentar para cerca de 49 mil dólares em 2026.

Apesar das dificuldades, a população continua a adaptar-se e a procurar formas criativas de ultrapassar limitações. Depois de tantos anos a enfrentar o mesmo problema — a escassez de água — o povo de Iliana mantém a esperança de que o Governo intervenha e envie apoio com a maior brevidade possível.

A água não é apenas uma necessidade básica; é um direito fundamental, constantemente violado em muitos locais de Timor-Leste.

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