Bebé de seis semanas morre após vacinação em Timor-Leste: caso está sob investigação

Horas depois da imunização, a criança começou a sangrar na zona da injeção/Foto: DR

Um bebé de seis semanas morreu, na manhã de 30 de outubro, no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), em Díli, um dia depois de ter recebido vacinas num centro de saúde em Liquiçá. O caso gerou forte reação pública após a mãe divulgar um vídeo do momento da vacinação, levando a críticas nas redes sociais dirigidas ao serviço de saúde e à estagiária que administrou a injeção.

Até ao momento, não há confirmação de que a morte tenha sido provocada pela vacina, por erro na administração ou por uma condição clínica prévia da criança. O caso está a ser investigado pela equipa técnica do sistema de Vigilância de Eventos Adversos Pós-Imunização (EAPI/AEFI), confirmou o vice-ministro para o Fortalecimento Institucional do Ministério da Saúde, José dos Reis Magno, no dia 4 de novembro, após a reunião do Conselho de Ministros.

Vacinação e primeiros sinais de alerta

No dia 29 de outubro, às 10h00, a criança recebeu três vacinas incluídas no Programa Nacional de Imunização: Vacina oral contra a poliomielite (OPV); Vacina pentavalente (DTP-Hib-HepB), que protege contra difteria, tétano, tosse convulsa, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b e Vacina pneumocócica conjugada (PCV), contra pneumonia, meningite, infeções do ouvido e septicemia.

As duas últimas são administradas por via intramuscular na coxa, sendo a primeira dose dada às seis semanas de vida, conforme o calendário nacional.

Segundo o relato da família, horas depois da imunização, a criança começou a sangrar na zona da injeção. Por volta das 17h00 do mesmo dia, foi levada de volta ao centro de saúde, onde recebeu atendimento médico, incluindo soro e compressas frias para estancar a hemorragia. “A bebé estabilizou, foi amamentada e ficou em observação no hospital”, contou Leomelinda Joaninha Maria dos Santos, chefe dos estagiários no serviço de saúde de Liquiçá.

Cerca das 04h00 da madrugada, a criança voltou a chorar de forma intensa e a apresentar nova hemorragia. Segundo a unidade de saúde local, já não foi possível administrar soro devido ao inchaço das veias dos membros superiores, e a bebé foi referenciada de imediato para o HNGV, em Díli, às 04h30. A criança acabou por morrer às 06h00, pouco após a chegada à capital.

Procedimento, acusação pública e resposta do hospital

O vídeo divulgado pela mãe nas redes sociais levou a uma onda de críticas, incluindo acusações diretas à estagiária que administrou a vacina, por alegada má prática e por não usar luvas.

A chefe dos estagiários, no entanto, rejeita a relação entre o procedimento e a hemorragia. “A injeção intramuscular exige que a agulha entre na totalidade. A agulha é pequena. A estagiária vacinou 26 bebés naquele dia, 16 dos quais receberam as três vacinas. Apenas este caso teve complicações”, afirmou.

Leomelinda reconheceu que a estagiária não usou luvas, mas salientou que a pele foi desinfetada com algodão e álcool, e que a ausência de luvas não provoca hemorragia.

Investigação em curso e perguntas sem resposta

O Ministério da Saúde ainda não divulgou se a criança tinha condições prévias (como alterações de coagulação sanguínea, cardiopatia congénita, infeção sistémica ou défice imunológico); se será realizada autópsia clínica ou quais as hipóteses diagnósticas em investigação.

Contactado recentemente pelo Diligente, o diretor do Serviço de Saúde Municipal de Liquiçá, Luís Manuel Albino, não apresentou, até ao momento, explicações conclusivas sobre a causa do inchaço generalizado e da hemorragia persistente.

Limitou-se a afirmar que o caso aguarda os resultados do processo de investigação, remetendo para as declarações que já prestou a outros órgãos de comunicação social. “Já submetemos o relatório ao ministério para se fazer a investigação”, disse, justificando a recusa em prestar mais informações com o receio de “haver mudanças na informação”.

Questionado sobre se foram realizadas análises clínicas à bebé antes da transferência para o HNGV, o diretor respondeu que “já explicou tudo aos media” e sugeriu confirmar as suas declarações “na RTTL ou no GMN”.

Mesmo após ter sido esclarecido que o Diligente não copia informações de outros órgãos, manteve a sua posição. “Acho que o processo é assim. Esperamos, porque submetemos os relatórios e aguardamos a decisão dos que estão acima de nós e estão a investigar.”

Questionado ainda sobre se foi realizada autópsia, limitou-se a afirmar que “não posso falar até lá”, tendo terminado a chamada telefónica sem responder a outras perguntas, entre elas: a causa do inchaço nas veias que terá impedido a administração de soro, o motivo de o sangramento na coxa ter voltado a ocorrer, e se foram ou não realizados exames laboratoriais de urgência quando a criança regressou ao hospital de Liquiçá.

Em declarações anteriores ao GMN, no dia 4 de novembro, Luís Manuel Albino admitiu a possibilidade de uma má prática, sugerindo que a posição da agulha durante a vacinação pode não ter sido correta. “A forma como a estudante pegou na agulha não estava correta; o local de injeção também não estava certo. Estes são os problemas que precisamos de confirmar para saber a razão da morte. Mas a decisão sobre se isso está errado ou não está nas mãos dos investigadores.”

O diretor acrescentou ainda que uma equipa do Ministério da Saúde foi designada para investigar o caso. “Vão procurar saber a razão da morte — se foi por sangramento, pela demora na referência, ou talvez por deficiência de vitamina K. Ainda não sabemos o verdadeiro motivo”, disse.

Recorde-se que a vacina pentavalente está incluída no calendário nacional desde 2012 e é administrada a milhões de crianças em todo o mundo. Casos graves temporalmente associados à vacinação já foram reportados noutros países como eventos adversos pós-imunização, mas investigações independentes conduzidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) não estabeleceram relação causal direta entre a vacina e mortes investigadas.

Em Timor-Leste, o país possui um sistema oficial de monitorização de EAPI/AEFI e uma cobertura de mais de 80% da terceira dose da vacina pentavalente em 93% dos municípios, o que demonstra uma ampla utilização do imunizante no país.

Reações e impacto social

A criança foi sepultada na aldeia de Metabou, em Liquiçá, mas a sua morte tornou-se um ponto de tensão e desconfiança nas comunidades, expondo fragilidades no sistema de saúde, na comunicação com as famílias e nos procedimentos de vigilância clínica após episódios graves.

Especialistas em imunização defendem que reações graves após vacinação devem ser investigadas com rigor e transparência, sobretudo quando afetam recém-nascidos ou lactentes, que podem deteriorar-se rapidamente devido a infeções, hemorragias, malformações congénitas ou choques sistémicos.

O Diligente contactou o Ministério da Saúde, neste caso a Direção Nacional de Saúde Materna Infantil, e aguarda resposta oficial.

O que dizem as investigações internacionais sobre a vacina pentavalente

Segundo o Comité Consultivo Global sobre Segurança das Vacinas (GACVS) da Organização Mundial da Saúde, vários países asiáticos que introduziram a vacina pentavalente entre 2008 e 2013 registaram eventos adversos graves temporalmente associados à vacinação, incluindo óbitos — como o Sri Lanka, Butão, Índia e Vietname — levando, em alguns casos, à suspensão temporária do imunizante para investigação.

No Sri Lanka, por exemplo, foram reportadas mortes após a vacinação, mas as autópsias revelaram que várias estavam associadas a cardiopatia congénita grave. No Vietname, foram analisados 43 casos graves, 27 dos quais terminaram em óbito, enquanto na Índia foram notificados 83 eventos adversos graves. Apesar do impacto destes números, nenhum dos casos investigados foi considerado como tendo relação causal comprovada com a vacina.

O relatório sublinha ainda que óbitos podem ocorrer em associação temporal com a vacinação sem que isso signifique causalidade, especialmente porque a pentavalente é administrada nos primeiros meses de vida — período em que também há maior risco de Síndrome de Morte Súbita do Lactente (SMSL) e de outras condições clínicas graves não diagnosticadas.

A OMS reforça que estas situações exigem investigação clínica completa, incluindo autópsia, recolha de dados laboratoriais e comunicação transparente com a população. Embora o relatório não inclua dados específicos sobre Timor-Leste, as recomendações aplicam-se igualmente ao país, que tem implementado a vacina desde 2012 e dispõe de um sistema nacional de vigilância de eventos adversos pós-imunização (AEFI).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) sublinha que a vacinação é uma das formas mais eficazes de prevenir doenças, tendo salvo mais de 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos e contribuído para uma redução de 40% na mortalidade infantil.

De acordo com a OMS, a maioria das vacinas infantis é utilizada há décadas com segurança, e milhões de pessoas são vacinadas todos os anos sem complicações. Antes de qualquer vacina ser introduzida num país, esta é submetida a rigorosos ensaios clínicos e a avaliações independentes que garantem o cumprimento dos mais altos padrões de segurança e eficácia.

Após a introdução das vacinas, as autoridades nacionais de saúde continuam a monitorizar eventuais reações adversas. Quando surge um caso suspeito, uma equipa independente de especialistas analisa se o evento está ou não relacionado com a vacina. A OMS apoia os países no reforço destes sistemas de vigilância e segurança, que incluem a Comissão Consultiva Global sobre Segurança das Vacinas, responsável por avaliar relatórios e emitir pareceres científicos.

A OMS reforça que as vacinas são muito seguras e que os efeitos secundários graves são extremamente raros. Os mais comuns são ligeiros e temporários, como dor no braço ou febre baixa. “Uma pessoa tem muito mais probabilidade de ser gravemente afetada por uma doença prevenível do que por uma vacina”, recorda a organização, destacando que enfermidades como o sarampo, a meningite, a hepatite B ou a poliomielite podem provocar cegueira, paralisia, infertilidade, cancro ou morte.

Nos raros casos em que ocorre um evento adverso pós-vacinação, este pode dever-se a reações individuais muito incomuns ou a erros no armazenamento ou administração da vacina. Nestes casos, é aberto um processo de investigação detalhado que envolve avaliação médica e, se necessário, a realização de estudos adicionais. A OMS sublinha que, na maioria das investigações, os problemas acabam por não estar relacionados com a vacina em si, mas sim com fatores coincidentes.

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