UNTL extingue auditoria interna: reforma legal ou tentativa de silenciamento?

“O Reitor recusou dar seguimento ao nosso relatório sobre a alegada falsificação de documentos em 2024, realizada por algumas estruturas da UNTL, apesar de já o termos apresentado formalmente/Foto: Diligente

A UNTL dissolveu dois órgãos responsáveis por auditoria, inspeção e controlo de qualidade, passando todas as funções de fiscalização para o Fiscal Único. A decisão gerou versões contraditórias entre a Reitoria e o antigo responsável pela auditoria, que denuncia pressões, cancelamento de relatórios e tentativa de silenciamento.

A Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) extinguiu oficialmente dois órgãos internos responsáveis por inspeção, auditoria e controlo de qualidade. A decisão, anunciada pela Reitoria liderada por João Soares Martins, foi formalizada através do Despacho n.º 52/UNTL/R/XI/2025 – que elimina a Pró-Reitoria para os Assuntos de Inspeção, Auditoria e Controlo de Qualidade – e do Despacho n.º 53/UNTL/R/XI/2025, que determina a extinçãodo Gabinete de Inspeção, Auditoria e Controlo de Qualidade. Ambos osórgãos deixam de existir por força do novo estatuto orgânico, que reconhece apenas o Fiscal Único como mecanismo de supervisão.

O Gabinete de Auditoria e Controlo de Qualidade desempenhava funções essenciais de fiscalização interna, incluindo auditorias financeiras, administrativas e académicas, além de fornecer análises para a resolução de litígios administrativos e contenciosos. Cabia-lhe ainda monitorizar a implementação dos padrões de qualidade estabelecidos pelo Senado Académico.

O antigo Pró-Reitor para Auditoria, Inspeção e Controlo de Qualidade, Rosalino Gomes, revelou que a situação se agravou depois de ter sido convocado pelo Reitor, no dia 3 de novembro. Nessa reunião, disse que João Martins manifestou insatisfação com os relatórios que identificavam riscos graves em várias estruturas internas. “Antes da publicação do despacho, o Reitor chamou-me para comunicar que, desde que assumi funções em 2023, a auditoria tinha identificado numerosos riscos, incluindo suspeitas de fraude sistemática em algumas estruturas, com base em documentos da área das finanças. O Reitor considerou estas conclusões demasiado duras e disse que, se o termo ‘fraude sistemática’ fosse divulgado, poderia prejudicar o bom nome da UNTL”, afirmou Rosalino.

Disse ainda que entregou esses relatórios ao Reitor, mas que foram cancelados sem qualquer seguimento. “O Reitor recusou dar seguimento ao nosso relatório sobre a alegada falsificação de documentos em 2024, realizada por algumas estruturas da UNTL, apesar de já o termos apresentado formalmente”.

Segundo Rosalino, várias estruturas internas exerceram pressão sobre a equipa de auditoria, chegando mesmo a ocorrer ameaças à equipa quando esta solicitava determinados documentos. Acrescentou que a decisão de extinguir o órgão de auditoria está também relacionada com a crescente pressão pública após os protestos estudantis, incluindo na Faculdade de Filosofia.

Parte das conclusões da auditoria foi solicitada pela Comissão Anticorrupção (CAC), e alguns processos, de acordo com Rosalino, já estão em investigação na PCIC e no Ministério Público e alguns membros de estruturas da UNTL encontram-se já com estatuto de arguido.

Rosalino revelou que o Reitor lhe pediu para se demitir alegando motivos de “saúde”, ao que respondeu negativamente por se sentir inocente. “O Reitor pediu-me para me demitir por razões de saúde, mas recusei. Depois disso, decidiu encerrar a auditoria. Disse-lhe que a decisão era dele, mas o principal problema é o controlo total sobre todos os serviços da UNTL após a suspensão da auditoria.”

Relativamente à queixa apresentada à Direção do Serviço de Investigação Criminal (DSIK), Rosalino sublinhou que o objetivo não foi acusar ninguém, mas garantir a proteção de documentos sensíveis, incluindo relatórios do Tribunal de Contas e resultados de auditorias relacionados com casos em curso. “Fomos à polícia apenas para fornecer informações, não para processar ninguém. Queremos que a polícia proteja os documentos como os resultados das auditorias do Tribunal de Contas e outros relatórios relacionados com casos em investigação pelo Ministério Público, para evitar que nenhuma parte seja prejudicada devido ao controlo total da gestão e de todos os serviços”.

O representante dos estudantes no Senado Geral, Cesar João Maria Baptista, também manifestou preocupação. “Como representantes dos estudantes, estamos igualmente preocupados. Para nós, qualquer ação tomada não deve prejudicar a universidade, nem os estudantes, nem obstruir o seu funcionamento devido a conflitos de interesse entre uma ou duas pessoas na UNTL.”

Em resposta, numa entrevista ao Diligente, o Reitor João Martins afirmou que a equipa de auditoria não aceitou provas apresentadas por outras estruturas e que um erro detetado uma vez estava a ser repetidamente considerado como reincidente. “Normalmente, a auditoria interna serve para corrigir e apoiar a gestão interna. Quando outras partes apresentam provas contraditórias, eles não as aceitam e sentem que só eles têm razão. Se isto continuar assim, como podemos garantir e melhorar a situação interna? Detetar algo apenas uma vez e dizer que é repetido está incorreto; só no próximo ano, se o erro voltar a surgir, se pode falar em repetição”.

Justificou ainda o cancelamento de um relatório porque este terá sido divulgado no Facebook. “Cancelei-o porque o publicaram no Facebook, tornando-o viral, em vez de falarem comigo, depois com a PCIC e com a polícia. As auditorias não funcionam assim”.

Mudanças estruturais na UNTL suscitam dúvidas sobre controlo interno e qualidade da governação

Face a esta situação, o Senado Geral da UNTL questionou os resultados da auditoria e solicitou ao Reitor a substituição do órgão, de forma a garantir que as funções anteriormente desempenhadas pelo gabinete continuassem a ser asseguradas, uma vez que o Reitor é a autoridade máxima da universidade. “A nossa preocupação é que a Auditoria já não está a cumprir a sua função, mas também necessitamos de um órgão que possa garantir e supervisionar o funcionamento da universidade em questões financeiras e na execução das atividades desenvolvidas na instituição.”

Entretanto, a direção do gabinete de Controlo, Inspeção e Qualidade, que deixou de existir na UNTL, será substituída pelo Fiscal Único, que assumirá as funções e serviços anteriormente desempenhados pelo gabinete extinto. Segundo informações obtidas pelo Diligente através da RAFA.TL, o Ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura, José Honório da Costa Pereira Jerónimo, informou que, na nova Lei da UNTL, promulgada pelo Presidente da República, José Ramos-Horta, está claramente estabelecido que já não existe a Direção de Auditoria e Inspeção de Qualidade, e que o Ministério nomeará um fiscal para assumir essas funções. Por isso, há fundamento para que o Reitor, João Soares Martins, tenha suspenso ou extinguido este órgão na universidade.

“O novo estatuto da UNTL, promulgado pelo Presidente da República este ano, já não prevê um Pró-Reitor para Auditoria e Inspeção, passando a existir apenas um chefe de secção fiscal, que será nomeado pelo Ministério para tratar destas questões”, afirmou o governante.

O antigo Pró-Reitor para Controlo, Inspeção e Qualidade também partilhou a sua opinião sobre a criação do Fiscal Único na UNTL, defendendo que o trabalho deste novo órgão não será equivalente ao da auditoria e que não pode existir boa governação universitária sem auditoria interna. “Há informações que mencionam a criação de um novo órgão, o Fiscal Único, mas este órgão é separado e focado nas finanças. No entanto, se os serviços de auditoria relativos à administração, pedagogia e aos sistemas e procedimentos existentes na UNTL forem encerrados, não podemos dizer que está a praticar uma boa governação, pois deixa de haver controlo”, afirmou.

O Reitor da UNTL, João Soares Martins, explicou que a eliminação da estrutura de auditoria ocorreu porque o novo estatuto da universidade já não prevê a existência de um gabinete de auditoria. Neste estatuto, a função de supervisão interna é atribuída apenas ao Fiscal Único, nomeado diretamente pelo Ministro, substituindo o antigo órgão. “Sim, fui eu quem emitiu esta ordem, porque o novo estatuto da UNTL não permite nem prevê mais um gabinete de auditoria; apenas o Fiscal Único exerce essas funções. De facto, existe uma nova lei que menciona a criação de uma direção nacional de auditoria, mas, sob a direção-geral, iremos nomear pessoas para ocupar essas funções, devendo ser indivíduos com integridade para realizar auditorias, não pessoas sem integridade que publicam nas redes sociais e levam os casos à polícia. Pessoas com esse tipo de mentalidade não são necessárias no serviço de auditoria.”

O Reitor garante ainda que, com o novo estatuto, o Fiscal Único — nomeado pelo Ministério e já em processo de candidatura — irá desempenhar as suas funções de forma mais eficaz. “O Fiscal Único irá assegurar a auditoria, mas não atuará sozinho: haverá também auditorias externas a serem realizadas, portanto, não há motivo para preocupação. Temos o MESCC com os inspetores, que intervirão caso ocorra algum problema, porque até agora eles não compreendiam plenamente as regras da auditoria.”

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