Cidadãos questionam a atuação dos governantes e a utilização dos recursos públicos, face aos inúmeros problemas em setores essenciais, como a educação e saúde. Estudos revelam elevados índices de pobreza, desemprego e subnutrição infantil.
No seminário, realizado na passada terça-feira (27.08) pela Organização Não Governamental (ONG) timorense La’o Hamutuk, foram abordados os problemas estruturais que permitem a crescente concentração de riqueza nas mãos de uma pequena elite, composta por governantes, ex-governantes e empresários, enquanto a maioria da população continua a viver na pobreza extrema. A discussão fez parte de uma análise sobre os 25 anos da Consulta Popular – ocasião em que mais de 78% dos timorenses votaram, a 30 de agosto de 1999, pela independência em relação a Indonésia, que ocupava o país há 24 anos.
A atual e difícil situação socioeconómica de Timor-Leste foi descrita como reflexo de uma liderança que falhou ao não dar prioridade ao bem-estar do povo. O evento, que aconteceu em Díli, no salão da Comissão Nacional de Eleição (CNE) e contou com a presença de aproximadamente 200 pessoas, foi dirigido pelo provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, além de pesquisadores da La’o Hamutuk.
Na apresentação, Virgílio Guterres lamentou que 25 anos após a Consulta Popular, o Estado se tenha transformado num instrumento de exploração por parte de uma pequena elite. “Timor-Leste enfrenta desafios graves, como a má nutrição, que afeta 47% das crianças, e a alocação inadequada do Orçamento Geral do Estado (OGE) para setores essenciais como educação, saúde e agricultura, o que representa uma violação estrutural dos direitos económicos, sociais e culturais do povo”, realçou.
O provedor destacou ainda as recentes expulsões dos cidadãos de suas casas e estabelecimentos como mais um exemplo de violação dos direitos humanos cometida pelo Estado timorense. “Isto é grave, porque os cidadãos despejados perderam os seus direitos económicos e as crianças foram obrigadas a mudar de escola. Em termos de boa governação, isto é uma falha porque o Governo não preparou compensações razoáveis nem ofereceu habitação temporária”, enfatizou Virgílio Guterres.
O Governo alega que as remoções, em curso desde o início deste ano em Díli e em alguns municípios, visam regularizar áreas ocupadas irregularmente – argumento refutado por grande parte dos moradores e comerciantes afetados. Muitos cidadãos queixam-se ainda de que não receberam compensação e de que não lhe foram oferecidas alternativas para se mudarem.
Corroborando a opinião do provedor, Elizária Febe Gomes, pesquisadora na La’o Hamutuk, ressaltou que, ao longo dos anos, o OGE não trouxe mudanças significativas na vida do povo. “As infraestruturas precárias das escolas, tanto em Díli como nas áreas rurais, e a falta de acesso a água potável foram apontadas como indicadores de um desenvolvimento desigual”, observou.
Elizária Gomes ainda revelou estar insatisfeita com a ausência de membros do Governo e do Parlamento Nacional no seminário, sublinhando que a sociedade civil, os estudantes e os cidadãos comuns foram os únicos a marcar presença. A ausência das autoridades, na sua opinião, é um sinal da negligência do Estado em relação aos interesses do povo.
De acordo com a La’o Hamutuk, em 20 anos, os valores do OGE em Timor-Leste somaram 18,2 mil milhões de dólares americanos. Destes, 82% provêm de transferências do Fundo Petrolífero, totalizando 15 mil milhões, enquanto 2.5 mil milhões vieram de receitas domésticas, 300 milhões de empréstimos e 30 milhões de doações. A ONG destacou que, este ano, o Governo alocou apenas 19% do OGE para setores-chave como educação, agricultura, saúde, água e saneamento. Desde 2000 a La’o Hamutuk monitoriza a situação socioeconómica de Timor-Leste, produzindo relatórios e estudos regularmente.
Dados do Banco Mundial indicam que, no país, somente 30% da população em idade laboral possui contrato de trabalho. Os restantes, ou estão desempregados ou atuam na informalidade.
Já o censo de 2022 revelou que apenas 54,6% dos cidadãos entre 3 e 29 anos frequentam a escola. Por sua vez, o Índice de Pobreza Multidimensional mais recente, divulgado pela Organização das Nações Unidas no ano passado, aponta que 42% dos 1,3 milhões de timorenses vivem em situação de vulnerabilidade social, com 24% a ganhar até 2,15 dólares por dia.
O Índice Global da Fome de 2023 (o mais atual), demonstrou que quase metade das crianças (46,7%) com menos de cinco anos em Timor-Leste está com subnutrição crónica, uma condição em que uma pessoa tem baixa estatura para a sua idade e deficiência de energia, proteínas, vitaminas e minerais essenciais. Segundo o documento, com 74,5 mil crianças subnutridas – número calculado com base no censo de 2022 –, o país tem a quarta pior percentagem de nanismo infantil a nível mundial.
“Desenvolvimento de maquiagem”
Xisto Gonçalves, 41 anos, docente de economia na Universidade de Díli, criticou o que chamou de “desenvolvimento de maquiagem”, que tem caracterizado os esforços dos sucessivos governos. “Agora, podemos observar que o dinheiro público é frequentemente utilizado para embelezar a cara da nação (que é Díli) durante visitas de figuras importantes internacionais, como o Secretário-Geral da ONU [António Guterres] ou o Papa [Francisco]. Num curto prazo, surgem os projetos de emergência, com qualidade duvidosa, de caráter temporário, e desorganizados, o que causa problemas como inundações. Tudo isto para mostrar que Timor é uma nação bonita, mas depois de os visitantes irem embora, tudo volta ao normal. Isto evidencia a falta de um plano estratégico de desenvolvimento sustentável”, sublinhou o professor.
Para a visita do Papa Francisco, entre os dias 9 e 11 de setembro deste ano, o Governo alocou 12 milhões, incluindo 1 milhão para a construção do altar para a missa papal.
Virgílio do Guterres considera que esta alocação não é equilibrada. “Não questiono a alocação do orçamento do Estado para esta visita papal. O que questiono é que se podemos atribuir 12 milhões para isto, temos de alocar orçamento suficiente para o desenvolvimento do povo, como construir mercados, hospitais com qualidade. Atribuir 10 milhões para adquirir medicamentos para o hospital é muito difícil, mas conceder 12 milhões para esta preparação é muito fácil e rápido. Portanto, o Estado tem de gerir os recursos do povo de forma igual para todos”, argumentou.
A negligência dos líderes foi um assunto abordado durante todo o seminário. Frangelino Sarmento Soares, 33 anos, investigador do Instituto para a Paz (Peace Centre), reforçou a necessidade urgente de haver políticas mais inclusivas e diversificadas. “Estes dados refletem um problema integral e uma crise de liderança, em que não há consenso para libertar o povo da pobreza. Os líderes continuam a explorar a ignorância da população para servir os seus próprios interesses, o que faz com que as pessoas se conformem com uma situação de miséria e injustiça. O povo tornou-se passivo, porque a política foi estruturada pelos líderes para perpetuar essa passividade”, observou.
Frangelino Sarmento acredita que o Governo precisa de implementar políticas sérias para diversificar a economia, sem depender exclusivamente do Fundo Petrolífero. “O saldo atual de 18 mil milhões deve ser investido em setores-chave, como a agricultura e a educação”, acrescentou.
Gostei imenso, parabens.
O Papa (Vaticano), devia pagar os custos associados com a viagem onde ele vai visitar “o rebanho”. Os paises Rico’s podem pagar mas TL onde falta tudo? Nao!