Regras de estacionamento são insuficientes para resolver problemas de trânsito em Díli

A FM apoia a medida do Governo, mas acredita que a nova política está mal concebida e permite que situações como a da imagem continuem a acontecer/Foto: Diligente

Este artigo é uma reação à proposta da Direção Nacional de Transportes Terrestres (DNTT), sobre o regulamento de estacionamento (de carros e motorizadas) que abrange a principal faixa de rodagem da capital, desde a rotunda Presidente Nicolau Lobato até à ponte BJ Habibie em Bidau.

Olhando para a regra divulgada através de Aviso, no passado dia 02 de abril, o estacionamento na referida estrada fica limitado a 5 minutos. Quem não cumprir esta regra fica sujeito a uma coima até 45 dólares americanos, conforme o artigo 4.º do Código da Estrada. Esta medida tem como objetivo evitar que veículos fiquem parados por longos períodos na estrada, considerando que isso é um dos principais fatores para o engarrafamento diário em Díli.

Em 2023, a Fundasaun Mahein (FM) publicou uma análise da gestão do tráfego, que incluiu ações de advocacia relativamente a políticas e mudanças consideradas necessárias para melhorar a segurança rodoviária e facilitar a circulação de pessoas e bens na cidade. Na altura, observámos que o problema do congestionamento em Díli se estava a agravar, também devido ao aumento do rendimento da população, que passou a ter mais acesso a veículos particulares. Contudo, a situação também é afetada por outros fatores, como: incumprimento das regras de trânsito; falta de policiamento nas estradas; práticas de condução inseguras e agressivas (inclusive por parte de viaturas da polícia e do Estado); o próprio processo de tratamento da carta da condução; e infraestruturas inadequadas, incluindo cruzamentos mal desenhados e a falta de passagens superiores ou subterrâneas para peões. Estes problemas criam um ambiente de alto risco para a segurança pública e afetam também o crescimento económico, por limitarem a mobilidade de pessoas e mercadorias na cidade.

A FM apoia a medida do Governo, com o objetivo de resolver este problema grave, mas acredita que a nova política está mal concebida e não atingirá o efeito desejado, pelas seguintes razões:

  • De acordo com a nova regra, os veículos podem parar “até 5 minutos” em zonas de estacionamento devidamente definidas na berma da estrada. No entanto, existem razões legítimas para paragens superiores a cinco minutos, como fazer compras ou refeições em restaurantes. Isto terá um impacto negativo nos negócios localizados ao longo da estrada principal.
  • A zona onde esta regra é aplicada vai desde a rotunda do aeroporto até à ponte BJ Habibie, em Bidau – uma área muito extensa. Como irá a PNTL aplicar consistentemente a regra dos 5 minutos numa área tão grande? Dados que os recursos da unidade de Trânsito são limitados, a FM considera irrealista a aplicação eficaz desta medida.
  • A FM não compreende a lógica de o Governo considerar que o congestionamento se deve ao facto de os condutores estacionarem por mais de 5 minutos. Na observação da FM, quando os veículos param em lugares de estacionamento adequados, isso não contribui significativamente para engarrafamentos. O congestionamento ocorre principalmente quando os veículos param ilegalmente (fora das zonas de estacionamento). Isto indica que o modo de estacionamento é mais determinante do que o tempo de estacionamento.
  • Não é claro que medidas adicionais o Governo irá implementar para garantir a sustentabilidade da nova regra. Que recursos foram alocados para assegurar a sua aplicação constante a longo prazo? Desde a independência, o Governo lançou diversas políticas e programas cuja implementação foi inconsistente, acabando por ser abandonados. Um exemplo claro são as operações semi-regulares da PNTL para recolher motorizadas com modificações ilegais – operações essas inconsistentes e ineficazes, já que essas motorizadas continuam a circular. Pior ainda, alguns agentes da polícia e os seus familiares são os próprios donos destes veículos ilegais.
  • Quando o Governo cria programas com conceitos frágeis e aplicação inconsistente, está simultaneamente a enfraquecer a legitimidade do Estado, pois a população deixa de acreditar na vontade ou na capacidade do Estado na aplicação das suas próprias políticas de forma coerente. Isto incentiva o público a simplesmente ignorar as regras e regulamentos, contribuindo para uma cidade caótica e desorganizada.

Na perspetiva da FM, o congestionamento nas principais vias de Díli não é causado por veículos que estacionam por mais de cinco minutos. A situação atual é provocada por fatores como:

  • Estacionamento imprudente, como o “estacionamento duplo” (ou estacionamento em segunda linha), que bloqueia faixas de rodagem;
  • Falta de aplicação das regras de estacionamento já existentes;
  • Cruzamentos mal desenhados, sistemas de “inversão de marcha” (u-turn) ineficazes, semáforos mal sincronizados, e bermas demasiado estreitas;
  • Práticas de condução inadequadas, como condução agressiva, falta de uso de piscas, mudanças frequentes de via – inclusive por camiões e autocarros;
  • Microletes que param arbitrariamente, muitas vezes no meio da estrada;
  • Ausência de passagens (superiores ou subterrâneas) para que os peões atravessem com segurança.

Dado que a nova regra de estacionamento não aborda seriamente estes problemas, a FM acredita que ela terá pouco impacto na redução do congestionamento na capital. Além disso, considera-se que esta política é uma continuação do pensamento de curto prazo e representa uma falha em formular políticas baseadas em estudos ou análises aprofundadas.

A FM reforça as recomendações, já apresentadas em artigos anteriores, que considera essenciais para resolver o problema de forma abrangente e sustentável:

  1. Reformar completamente o processo de obtenção da carta de condução. O atual processo é pouco rigoroso e fácil de manipular. É comum conduzir sem carta. O Governo deve tornar obrigatória a frequência de cursos de condução certificados antes da emissão da carta. Deve também criar uma agência ou entidade oficial para ministrar essas formações. A polícia deve aplicar rigorosamente a obrigatoriedade da carta, sob risco de perpetuar a impunidade. É necessário ainda criar mecanismos que previnam o suborno por parte de funcionários públicos no processo de licenciamento.
  2. Implementar campanhas públicas de sensibilização para a segurança rodoviária e educação sobre o Código da Estrada. O Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC) pode realizar campanhas regulares para promover segurança e informar a população sobre os seus direitos e deveres nas estradas.
  3. Criar um Plano de Gestão de Tráfego para Díli. O MTC pode conduzir estudos sobre como reduzir o congestionamento e melhorar a segurança rodoviária na capital. Pode ser criada uma autoridade de gestão do tráfego dentro do MTC para desenvolver e implementar este plano. Como é irrealista resolver todos os problemas de uma só vez, a FM sugere a criação de projetos piloto em zonas específicas, como a estrada principal de Comoro, para servir como “estrada modelo”. Se for bem-sucedido, o modelo pode ser replicado noutros locais. O plano deve incluir: estacionamento adequado e fiscalizado; passagens superiores/subterrâneas em zonas-chave; mecanismos para manutenção das estradas; melhoramento das passadeiras; modernização dos semáforos; e redesenho dos cruzamentos com semáforos, para melhorar o fluxo.
  4. Construir mais parques de estacionamento e prevenir o estacionamento arbitrário. O Governo deve identificar espaços livres ou subutilizados em zonas críticas (ex. BNCTL em Mandarin, Praia dos Coqueiros, Igreja Motael) para criar parques de estacionamento. A polícia deve prevenir paragens abusivas e multar quem viola as regras. Isso facilita a circulação e gera receita para o Estado.
  5. Investir num sistema de transporte público de qualidade. Para substituir as microletes, o Governo pode adquirir autocarros modernos, construir paragens apropriadas e formar motoristas profissionais. Se o transporte for seguro, confortável e acessível, mais pessoas deixarão o transporte privado. O Plano Mestre do Setor dos Transportes de 2018 previa o início das linhas de autocarros em Díli em 2023, com investimentos em infraestruturas. A FM espera que o Governo retome esse plano.
  6. Reforçar a regulação dos táxis, microletes e outros transportes públicos. A população continuará dependente destes meios. Um estudo de 2016 mostrou que não há regulação eficaz para as microletes. Embora o Decreto Ministerial 05/2010 regule os táxis, a sua implementação é muito fraca. O Governo precisa rever e reforçar essa regulação para garantir segurança e eficiência, desde a formação obrigatória dos motoristas, manutenção regular dos veículos, até à exigência de licença válida.
  7. Investir no reforço da capacidade da unidade de Trânsito. Os serviços de trânsito precisam de mais recursos e formação para desempenharem eficazmente as suas funções. A FM recomenda que o Governo avalie as necessidades desta unidade, e depois implemente medidas para melhorar o conhecimento técnico, promover o profissionalismo e motivar os seus membros a aplicar a lei de forma eficaz.

A Fundação Mahein é uma organização apartidária que procura, desde a sua fundação em 2009, fortalecer o processo democrático e criar soluções duradouras para os desafios no setor da segurança em Timor-Leste.

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