Presidente do Conselho de Imprensa alvo de críticas, após chamar “Bibi Malae” a jornalistas timorenses

“Vocês acham que eu quis insultar? Impossível. Se assim fosse, ter-me-ia insultado a mim próprio”. Foto: Conselho de Imprensa de Timor-Leste

“Bibi Malae”, do tétum, significa “ovelha”. Foi esta a expressão usada pelo novo presidente do Conselho de Imprensa para se referir aos profissionais de comunicação social e que levantou uma onda de protestos.  

Tomou posse há apenas um mês, mas o presidente do Conselho de Imprensa (CI) de Timor-Leste, António César Mali, está a enfrentar duras críticas da comunidade jornalística, após publicar uma declaração considerada ofensiva em relação aos profissionais de comunicação social.

O momento que gerou o desentendimento deu-se logo após a cobertura de uma conferência de imprensa organizada pela Secretaria de Estado da Comunicação Social (SECOMS), na terça-feira (22.07), no âmbito dos XII Jogos Desportivos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Na sessão aberta aos jornalistas, no Media Center do Centro de Convenções de Díli, o assessor da SECOMS, Augusto dos Reis, interveio diretamente, dirigindo perguntas ao Secretário de Estado, Expedito Dias Ximenes, comportamento que foi interpretado como “uma invasão do trabalho dos jornalistas”.

Pouco depois, o presidente do Conselho de Imprensa, António César Mali, fez uma publicação na sua conta Facebook, na qual criticou “a lentidão” dos jornalistas a fazer perguntas, referindo-se a eles como “Bibi Malae” (ovelha, em português), uma expressão popular no país, entendida como insulto, desrespeito ou tentativa de humilhação. A publicação do presidente gerou uma indignação generalizada entre os profissionais do setor.

O Secretário-Geral da Timor-Leste Press Union (TLPU), Zezito da Silva, exige um esclarecimento público por parte do presidente do Conselho de Imprensa:

“Esta declaração não só insulta, mas também inferioriza o trabalho árduo dos jornalistas timorenses. Exigimos uma explicação clara sobre o significado da expressão usada. Caso contrário, consideramos um ato de arrogância por parte do presidente do Conselho de Imprensa”.

Zezito referiu que César Mali assumiu o cargo de presidente do Conselho de Imprensa porque contou com a confiança dos seus colegas jornalistas durante o congresso realizado no ano passado. “A presença de César no Conselho de Imprensa deveria ser para tratar bem os jornalistas, mas acabou de usar uma expressão ofensiva para se referir aos seus colegas. Esse termo tem uma conotação negativa, como se a pessoa não entendesse nada”, destacou.

Para o jornalista, a publicação fere a ética e o respeito mútuo entre o órgão regulador da imprensa e os profissionais de comunicação social. Zezito apontou ainda para o impacto negativo que atitudes deste tipo podem ter na luta conjunta pela defesa da liberdade de imprensa e de expressão no país.

“Se ele não quer reconhecer os próprios erros, podemos ter aqui um problema. Como é que nos podemos unir para lutar e defender a liberdade de imprensa e de expressão em Timor-Leste, se o presidente do Conselho de Imprensa demonstra uma postura arrogante? Isso pode afetar a relação entre a comunidade jornalística e o Conselho de Imprensa de Timor-Leste”, alertou.

Zezito afirmou que, anteriormente, já havia chamado a atenção de César Mali, dados os comentários e as críticas, consideradas “pouco éticas”, que ia espalhando nas redes sociais, ainda antes de assumir a presidência do CI.

“No momento em que tomou posse, conversei com ele e pedi para ter cuidado e pensar bem antes de publicar qualquer comentário. Fomos acompanhando as suas publicações no Facebook e notámos críticas excessivas, muitas vezes com conteúdos pouco éticos. Naquele momento, ele disse que estava tudo ‘ok’. A verdade é que continuou com o mesmo comportamento, daí a nossa preocupação. Lamentamos essa atitude”, declarou.

O Conselho de Imprensa serve, no ponto de vista de Zezito, para representar os jornalistas timorenses, sendo essencial o “respeito mútuo e espírito de união para lutar contra os elementos que tentam destruir a liberdade de imprensa e de expressão em Timor-Leste”, disse.

Em relação aos jornalistas que alegadamente demoraram a fazer perguntas durante a conferência de imprensa, o dirigente sindical defendeu que cada jornalista presente no evento tem planos editoriais próprios, o que pode justificar a ausência ou a demora nas perguntas. “Não cabe ao Presidente do Conselho de Imprensa colocar em causa a capacidade profissional dos jornalistas com palavras ofensivas”, criticou.

Zezito pediu que o presidente do CI não se perca em justificações, para se defender, sendo que apenas deverá reconhecer e retificar as suas declarações. “Assumir um cargo público não é brincadeira. É tudo uma questão de ética e moral. Os jornalistas são profissionais de informação, não são animais”, destacou.

O representante da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), Scos Viera, manifestou publicamente o seu desagrado perante a expressão “Bibi Malae“, usada pelo presidente do CI.

Também para Scos a expressão foi ofensiva e desrespeitosa, vinda de alguém que “deveria ser um exemplo de ética e respeito”. “É um termo usado para descrever animais que seguem outros, porque não encontram alternativa. Essa expressão transmite a ideia de que os jornalistas não têm capacidade ou são estúpidos”, interpretou.

O jornalista confirmou a indignação entre os profissionais de comunicação. “Ele chamou os jornalistas de ‘Bibi Malae’. Então, neste momento, ele próprio é como o grande ‘Bibi Malae’ que lidera os outros ‘Bibi Malae’. Uma pessoa inteligente, que ocupa um cargo público, não deve usar esse tipo de linguagem”, lamentou, acrescentando que “quem deseja promover atitudes positivas deve, primeiro, comunicar de forma respeitosa”.

Scos considera que deve ser tomada uma posição, de modo a não abalar a confiança dos jornalistas no órgão que os deveria proteger. “É necessário clarificar as coisas e não apenas agir em autodefesa. É preciso reconhecer os erros. Isto não pode continuar a acontecer. Ele tem de ser corajoso e pedir desculpa”, apelou.

Já o representante da União Profissional de Jornalistas de Timor-Leste (UPJTL), Roni Silva, lamenta o “triste episódio”. “É inaceitável que alguém que lidera um órgão criado para proteger o jornalismo recorra a insultos públicos contra os próprios jornalistas”, disse.

A atitude de César Mali, aos olhos de Roni Silva, não valoriza o trabalho dos jornalistas, chegando mesmo a pôr em causa a sua dignidade. “É como pôr a cara do jornalista no chão. Ele não sabe que, durante os Jogos da CPLP, os jornalistas estão a trabalhar arduamente para promover Timor-Leste no mundo?”, questionou.

O diretor da SAP News, Sérgio Alves da Costa, que esteve presente na conferência de imprensa organizada pela SECOMS, criticou duramente o Presidente do CI, considerando que as declarações desvalorizam o papel dos jornalistas.

“Enquanto jornalista e líder na área dos media, considero que essa declaração não encoraja nem ajuda os profissionais de imprensa, apenas os magoa”, afirmou, acrescentando ainda que a atitude do presidente é uma tentativa de descredibilizar o trabalho jornalístico em Timor-Leste.

“Está [César Mali], no fundo, a dizer que os jornalistas não entendem nada do que está a acontecer. Eles apenas vão para ouvir, seguir, gravar e depois escrever e publicar, mas realmente não foi assim. Na altura também fizemos perguntas”, esclareceu.

Já Aníbal Espírito Santo, jornalista do LABEH, também se mostrou revoltado: “Antes de proferir qualquer palavra, é preciso pensar bem, porque às vezes achamos que é algo inofensivo, mas pode causar feridas noutras pessoas”, afirmou.

O jornalista argumentou que, se o próprio presidente do CI utiliza esse tipo de linguagem, o público também se sente legitimado a olhar os profissionais de comunicação como insignificantes. “Isso afeta-nos quando estamos no terreno a exercer a nossa atividade, porque as pessoas já não se preocupam connosco e ainda nos chamam de ‘jornalista Bibi Malae’, já que o próprio presidente desvaloriza a nossa classe”, lamentou.

Aníbal junta-se às vozes que pedem um pedido de desculpas por parte do presidente do CI, com a promessa de não repetir atitudes e mensagens ofensivas contra os seus colegas jornalistas. “Reconhecemos as nossas limitações e fragilidades. Ao presidente do Conselho de Imprensa, pedimos apoio e ajuda, não o contrário”, declarou.

O jornalista Domingos Javelino da Silva teme as consequências das atitudes do responsável do CI. “Palavras como as proferidas por César Mali incentivam a uma cultura de intimidação, enviando sinais negativos contra os jornalistas”.

Otélio Ote, ex-presidente do Conselho de Imprensa, também se pronunciou relativamente às declarações do seu substituto, desvalorizando a carga negativa que fez levantar uma onda de indignação. Para o ex-presidente, a publicação “mais parece uma brincadeira”, ao relacionar a situação com a informação de que os jornalistas não fizeram perguntas e, em vez disso, foi o próprio a assessor da SECOMS a fazer.

Ainda assim, Otélio Ote considera que “é necessário saber gerir a comunicação em espaços públicos para evitar múltiplas interpretações. Devemos continuar a respeitar-nos mutuamente. Usemos uma linguagem educada ao expressar opiniões em público”.

Assessor da SECOMS em situação de incompatibilidade

O representante da AJTL, Scos Vieira, também criticou a atuação do assessor da SECOMS, acusando-o “de invadir as funções jornalísticas, uma vez que assumiu, ao mesmo tempo, o papel de assessor de imprensa e de jornalista”.

“O problema não é o jornalista fazer perguntas ou não, mas sim outra pessoa invadir um serviço que não é dela”, disse Scos, acrescentando que o presidente deveria ter feito uma chamada de atenção ao assessor, “em vez de humilhar, discriminar e ofender os jornalistas inocentes”.

Scos Vieira garantiu que, embora a AJTL não tenha poder jurídico para tomar medidas formais contra o presidente do CI e o assessor de um órgão do Governo, “continuará a fazer advocacia e a denunciar atitudes que minem a dignidade dos jornalistas”.

A atuação do assessor da SECOMS também não agradou a Zezito. “Um assessor de imprensa não é jornalista. A sua tarefa é preparar comunicados e apoiar a realização da conferência. Não deve fazer perguntas no desempenho das suas funções”, afirmou, pedindo atenção especial da tutela sobre possíveis incompatibilidades.

De acordo com o artigo 17.º da Lei da Comunicação Social, a função de jornalista é incompatível com o exercício de determinados cargos, incluindo o de assessor de imprensa, comunicação e imagem. A legislação determina que um jornalista não pode, simultaneamente, exercer funções como funcionário público, dirigente partidário, titular de cargo em órgãos de soberania ou de liderança comunitária, nem atividades ligadas à publicidade ou assessoria.

A estratégia não é novidade, segundo Aníbal Espírito Santo, recordando o episódio recente, durante os Jogos Desportivos da CPLP. Alegadamente, o assessor não deu oportunidade aos jornalistas de colocarem as suas perguntas. “O assessor assumiu uma posição, como se estivesse a controlar todos os meios de comunicação, e depois ficou na linha da frente para fazer perguntas ao SECOMS e à comitiva dos países da CPLP”, contou.

Aníbal apelou ao assessor que reconheça os seus erros e pare de limitar o trabalho dos jornalistas. “Queríamos fazer perguntas, mas o assessor passou-nos à frente e bloqueou-nos, limitando assim a nossa atuação”, lamentou.

O Diligente tentou entrevistar o assessor do SECOMS, Augusto dos Reis, mas não obteve resposta.

Presidente do CI esclarece: “Expressão ‘Bibi Malae‘ não teve intenção de ofender”

Em entrevista ao Diligente, o presidente do Conselho de Imprensa, António César Mali, esclareceu que não teve qualquer intenção ofensiva ao utilizar a expressão “Bibi Malae”, acrescentando que a usou apenas como um costume. “Eu não tive intenção de chamar alguém de ‘Bibi Malae‘. É uma expressão popular que usamos frequentemente no dia-a-dia. Eu não sei porque é que os colegas consideram isso um ponto sensível”, disse.

César Mali deu o exemplo dos padres e bispos, que são chamados de “bibi atan” (pastor, em português), sem que isso os ofenda ou incomode, uma vez que essa expressão se refere ao tipo de trabalho que fazem, não ao animal. “A minha consciência está tranquila e a minha intenção era outra. Contudo, como todos temos o direito à liberdade de expressão e de interpretação, achei importante esclarecer que não tive, nem um pouco, a intenção de ofender”, disse.

Questionado sobre os motivos que o levaram a usar a expressão “Bibi Malae” para se referir aos jornalistas, César clarificou que “essa expressão se referia ao facto de os jornalistas que estavam na conferência de imprensa agirem de forma muito lenta, o que levou o assessor da SECOMS a fazer diretamente perguntas ao Secretário de Estado”.

Apesar de vários jornalistas considerarem a expressão desrespeitosa e ofensiva, o presidente apelou à compreensão do contexto.

“Vocês acham que eu quis insultar? Impossível. Se assim fosse, ter-me-ia insultado a mim próprio. Eu também sou jornalista e a lei não me proíbe de exercer a minha função como tal. Se chamei os colegas jornalistas de Bibi Malae, então eu também sou Bibi Malae”, destacou.

César Mali também reconheceu que o cargo de presidente do Conselho de Imprensa representa a confiança que os jornalistas lhe depositaram. Mas “só por causa da expressão ‘Bibi Malae’, a minha reputação já não vale nada? Isso não faz sentido”, disse.

O presidente foi claro ao afirmar que não pedirá desculpa em público, justificando que tal implicaria admitir uma culpa que, segundo ele, não existe. “Eu sinto que não cometi nenhum erro, por isso não vou pedir desculpas. Eu sou uma pessoa humilde, mas quando digo a verdade, vou continuar a defendê-la”, destacou.

Apesar da controvérsia, César destacou o compromisso contínuo do Conselho de Imprensa com o fortalecimento da capacidade dos profissionais de comunicação social. Declarou ainda que estão em curso iniciativas para reforçar a formação em jornalismo de investigação e técnicas de entrevista, em cooperação com especialistas internacionais.

“A formação dos jornalistas, organizada pelo Conselho de Imprensa, é parte de um plano anual que já decorre há vários anos, e a capacitação continuará”, disse.

Questionado sobre a atuação do assessor da SECOMS, durante a conferência de imprensa, o presidente do CI sublinhou que, segundo a legislação, apenas pessoas com carteira profissional de jornalista podem intervir diretamente em conferências de imprensa para profissionais da área.

“Se a conferência for destinada a jornalistas, quem não o for não pode fazer perguntas. Se o assessor quiser incluir alguma informação, pode fazê-lo por meio de um press release”, afirmou César.

“A minha sugestão é a seguinte: se o SECOMS e o seu assessor quiserem partilhar alguma informação com os jornalistas, devem lançar um press release um ou dois dias antes da conferência de imprensa, para que os jornalistas tenham tempo de ler e, com base nisso, possam formular as suas perguntas”, explicou, admitindo que ainda não fez uma chamada de atenção ao assessor.

Questionado sobre a possibilidade de politização ou tentativa de controlo da conferência de imprensa por parte do assessor do SECOMS, César afirmou que ainda não pode tirar conclusões, referindo que o Conselho de Imprensa só se pronunciará formalmente após uma análise aprofundada do caso.

“Neste momento, não posso afirmar que houve uma intenção negativa na intervenção do assessor. Se houver alguma queixa por parte das organizações de jornalistas, poderão submetê-la ao Conselho de Imprensa, que fará a devida análise e verificação antes de tirar qualquer conclusão”.

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  1. Bibi Malae: é sempre uma expressão popular que humilha a quem se refere.

    Esta expressão é entendida, no tétum terik, como uma pessoa que está a olhar, como se fosse sem vida, para alguém sem entender o que deve fazer, apesar das explicações. 🥱

    Neste caso, não estou a defender o Presidente do CI (ele devia ser mais justo em criticar os jornalistas, enquanto líder), os jornalistas também devem fazer autocrítica para serem mais interativos com as fontes.

    O assessor da SECOMS não devia interferir.

    E uma nota ainda para os jornalistas para não serem “bibi malaes” nem “papagaios”.

    Durante uma formação administrada pela economista portuguesa Helena Garrido aos jornalistas timorenses sobre a economia – sobretudo no tocante à análise de números-,

    Ela alertou para a importância de os profissionais de comunicação social evitarem ser “papagaios”.

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