Na pele de uma vendedora de pedras: o árduo caminho de um trabalho pouco lucrativo

Francisca Castro, 64 anos, recolhe e vender pedras do mar todos os dias em Bidau Santa Ana/Foto: Diligente

Há mais de 22 anos que Francisca Castro trabalha como vendedora de pedras em Bidau Santa Ana. A viúva continua a vender para pagar a escola dos filhos e planeia parar apenas quando o filho mais novo terminar os estudos.

Ao meio-dia de uma quinta-feira tórrida, vento forte e ondulação intensa, encontrámos Francisca Castro. Vestida com uma camisa preta e um pano antigo na cabeça, sentada à beira-mar a recolher as pedras que as ondas trazem até à costa. É fácil vê-la, acompanhada por outras duas mulheres que, como ela, dependem das pedras para sobreviver.

Francisca, cuja pele já começa a encarquilhar, nunca desistiu de trabalhar, continuando todos os dias a fazê-lo debaixo do sol abrasador. Um velho guarda-sol, que mantém à beira-mar, serve-lhe de abrigo quando se sente mais cansada.

Sai de casa por volta das 8h para recolher as pedras enquanto o mar ainda está calmo. Trabalha de segunda-feira a sábado e, aos domingos, depois da missa, volta ao trabalho ao meio-dia. Sai de casa com uma garrafa de água. Ao meio-dia, os filhos trazem-lhe comida. Se não conseguirem, compra arroz embrulhado por 50 centavos para aguentar até à noite.

“Não há sombra para me abrigar, então fico assim. Muitas pessoas olham para mim e pensam que sou louca por estar aqui todos os dias”, conta, sorrindo enquanto recolhe pedras num balde.

Admite que se sente cansada, mas já se habituou. “É preciso ter paciência, pois esta é a minha vida. Tenho três filhos a estudar e precisam de dinheiro para pagar os estudos. Também preciso de comprar alimentos para a família. É muito difícil”, diz, respirando fundo.

Francisca recolhe e vende pedras desde o tempo da ocupação indonésia. Reconhece que, para a sua idade, este é um trabalho pesado e pouco lucrativo. As pedras que recolhe são colocadas em sacos de cimento e vendidas por um preço entre três a cinco dólares americanos, dependendo do tamanho e tipo. Recolhe brita grande e pequena, pedras brancas e corais trazidos pelo mar, que são utilizados para decorar jardins e fachadas de casas ou fazer vasos.

Antes da visita do Papa Francisco a Timor-Leste, algumas pessoas compraram todas as pedras, pagando até 25 dólares por saco. Houve quem comprasse dois ou três sacos, mas agora, há quase um mês, não há compradores.

A estrada de Metiaut é um caminho movimentado, mas, segundo Francisca, muitos fingem não ver as mulheres que trabalham ali, incluindo os“ema boot”. Ainda assim, expressa gratidão a líderes como Taur Matan Ruak, que, ao construir a sua casa, lhes comprou pedras.

No entanto, outros prometeram comprar, mas nunca o fizeram. “O avô Ramos-Horta, quando passava por aqui, dizia que depois compraria as nossas pedras, mas estamos à esperar até agora. Desde que voltou a ser Presidente, ainda não veio”, diz, sorrindo.

Francisca acredita que as vendas diminuíram, porque em Bebonuk também se recolhem pedras. Mesmo assim, espera com paciência que a sorte volte. “É importante não desistir”, afirma com esperança no rosto.

Mãe de oito filhos e viúva, Francisca recebe o subsídio de idosa, que é de 342 dólares semestrais, mas considera que não é suficiente para cobrir todas as necessidades familiares. Por isso, continua a trabalhar para pagar os estudos dos filhos.

Em Timor-Leste, a terceira idade dá-se a partir dos 60 anos. No país, segundo os dados do Censo 2022, há 1,3 milhões de habitantes, dos quais 75 mil são pessoas desta faixa etária, o correspondente a 5,8% da população.

O IV Governo criou, desde 2008, um sistema de proteção social para os idosos. Atualmente, cidadãos com mais de 60 anos e pessoas com alguma limitação têm o direito de receber 342 dólares semestralmente.

De acordo com os dados do Ministério da Solidariedade Social, nos primeiros seis meses deste ano, 99.564 pessoas beneficiaram da pensão social, das quais 8,8% pessoas com deficiência e 91% de idosos.

“Recentemente, o meu filho precisou de dinheiro para o estágio. Fiquei preocupada porque era muito dinheiro: 60 dólares para uma atividade em Seloi e mais 90 dólares para Daisoli. Já não tenho mais dinheiro, por isso preciso de vender as pedras para conseguir algum”, explica, enquanto enche o balde.

Se vender as pedras, Francisca espera poder pagar o transporte e as fotocópias dos outros dois filhos. “Vendo as pedras por causa dos meus três filhos. Quando terminarem os estudos, poderei parar de trabalhar”, confessa.

Além de apoiar a educação dos filhos, Francisca também se preocupa com as necessidades da casa. “ Vivo com os meus filhos, que já formaram as suas famílias. Comprámos até cinco sacos de arroz de 25 quilogramas, por mês, além de óleo, temperos, café e outras coisas. Organizamo-nos com o que temos e apoiamo-nos uns aos outros”, afirma.

Outros filhos trabalham em lojas ou estão a frequentar formações. “Um dos meus filhos trabalhava como soldador, mas agora está a fazer um curso de inglês para trabalhar na Austrália”, conta.

Segundo o Índice de Pobreza Multidimensional (MPI, em inglês), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023, aproximadamente 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste encontram-se em situação de vulnerabilidade social. O documento indica ainda que 24% da população sobrevive com menos de 2,15 dólares por dia.

Francisca conta que recentemente o Secretário de Estado dos Assuntos de Toponímia e Organização Urbana proibiu as mulheres de recolher e vender pedras na estrada de Bidau Santa Ana.

“Podem pedir-nos para parar, mas e as pedras que já recolhemos? Este trabalho é o nosso sustento, mas os nossos líderes parecem não entender isso”, lamenta.

O Governo já informou que vai alargar a estrada. “Se pensarem em nós, será ótimo. Mas é difícil o povo ser ouvido”, afirma, pessimista.

Ver os comentários para o artigo

  1. Autentica escravatura!
    E os nossos politicos querem carros de 65 mil dolares?
    Mesmo em frente do nariz e nao enxergam? Podem ir a pe, de kuda, no bemo.
    Com 65 mil dolares muitas Franciscas nao teriam de ter trabalhos tao arduos.

  2. Maldita escravatura!

    Agua mole, pedra dura
    Tanto bate mas nao fura
    Vida dura
    Que perdura
    Antecipada sepultura
    Oh divina nunciatura
    Ha tanta coisa obscura
    Muita agua na fervura
    Pecador e mentiroso que jura
    Esta gente simples e pura
    65 mil dolares de cura
    Maldita escravatura!

    Ze Ulunfatuk Tos
    Poeta de TL

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