Na pele de um agricultor: a luta de Januário Belo para sustentar a família

Januário com o filho mais novo/ Foto: Diligente

Durante 16 anos como agricultor, Januário Belo tem enfrentado uma batalha silenciosa nos campos de Hera, onde tenta, dia após dia, sustentar a sua família com o cultivo de hortícolas. No entanto, para ele, os agricultores só são importantes para o Governo quando as eleições se aproximam.

Encontrámos Januário numa manhã, sozinho no campo, coberto de lama, o filho de apenas 4 anos a brincar por perto. Descansa à beira da sua plantação, exausto, mas com a serenidade de quem já aceitou o peso de uma vida difícil.

Nascido em Quelicai, Baucau, Januário, de 31 anos, migrou para Hera, Díli, aos 15 anos, deixando para trás a família e a escola, em busca de uma vida melhor. Desde 2008, vive em Hera com a sua irmã mais velha, e foi ali que começou a reparar nos terrenos vazios que poderiam ser aproveitados para uma fonte de rendimento.

Determinado, conseguiu uma parceria com o proprietário de um terreno e começou a cultivar hortícolas, como a beringela. O acordo era simples: o lucro seria dividido igualmente. Mas,  por mais que trabalhasse, os resultados estavam sempre aquém das expectativas.

“O Governo não olha para nós, agricultores. Não há apoio, e por mais que me esforce, a minha vida não melhorou”, desabafa. Depois de 16 anos de trabalho árduo e com quatro filhos, a vida não lhe deu as condições para os manter todos consigo. Três deles tiveram de regressar à aldeia, ficando apenas o mais novo ao seu lado em Hera.

O seu dia começa antes do sol nascer. Às 6 da manhã, já está a regar os legumes, e assim permanece até às 9 horas. Depois, espera que a terra absorva a água, para voltar ao trabalho às 13 horas, quando começa a remover a relva que teima em crescer ao redor das plantas, tarefa que se prolonga até às 19 horas. Este ciclo repete-se, dia após dia, até que, ao fim de um mês, os legumes estão prontos para serem colhidos. Contudo, a recompensa pelo esforço é parca. “Por estar sozinho, só consegui colher 10 sacas por mês, e ainda tenho de dividir os lucros com o dono do terreno.”, conta com um sorriso resignado.

Os legumes são levados para o mercado de Taibessi, onde os preços flutuam conforme a concorrência. Se tiver sorte, consegue vender um saco por 8 dólares, mas implica chegar ao mercado às 5h da manhã, quando as vendas ainda são tranquilas. Em dias de maior movimento, o preço desce para valores que o deixam desanimado: “Às vezes tenho de vender por apenas 2 dólares, ou fico com os legumes a apodrecer. Já tive de dormir no passeio um ou dois dias, à espera de compradores. Mas o que mais posso fazer?”

Em cada palavra, nota-se o desgaste de quem já viu muitas promessas quebradas. “Escrevem sobre nós, mas ninguém nos ouve. Para o Governo, só somos importante nas eleições. Prometem ajuda, mas depois desaparecem, escondidos atrás de vidros escuros nos seus carros topo de gama”, desabafa, sem esconder a amargura.

Os números confirmam as dificuldades que Januário e tantos outros agricultores enfrentam. Segundo o Índice de Pobreza Multidimensional (MPI), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023, aproximadamente 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste encontram-se em situação de vulnerabilidade social e 24% da população sobrevive com menos de 2,15 dólares por dia. E, enquanto o país celebra o Dia Mundial da Alimentação amanhã, dia 16 de outubro, o agricultor em Hera continua a trabalhar incansavelmente, sem qualquer expectativa de apoio.

Nesse contexto, durante a conferência de imprensa realizada hoje, 15 de outubro, em celebração do Dia Mundial da Alimentação, que se assinala amanhã, a organização Lao Hamutuk (LH) enfatizou a importância de o Governo investir no setor agrícola. A LH destacou que garantir o direito à alimentação é um direito fundamental dos cidadãos e que essa medida é crucial para prevenir a subnutrição e a pobreza, além de ajudar a libertar as pessoas de condições de vulnerabilidade social.

Em julho deste ano, o Fórum das Organizações Não Governamentais Timor-Leste (FONGTIL) recomendou ao Governo que aumentasse o investimento no setor agrícola, no âmbito das discussões sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2025, sugerindo uma maior alocação de recursos. No entanto, a proposta de OGE para o próximo ano prevê o mesmo valor deste ano: apenas 2,1%.

Quando lhe perguntámos o que espera do futuro e se tem algum pedido para o Governo, Januário baixa o olhar, solta um sorriso triste e diz: “Já perdi a esperança. Não acredito que algo vá mudar. Vou continuar a  trabalhar, porque os meus filhos dependem de mim. Eles alimentam-se do que eu cultivo, e não vou deixar que mendiguem por comida ou educação.”

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