Com 15 anos, Geovania Barreto enfrenta as limitações de uma deficiência física com resiliência e determinação. Apesar das barreiras familiares, sociais e educativas, sonha em ser médica e ajudar quem vive desafios semelhantes. A sua história é um exemplo de força num sistema que ainda tem muito a melhorar em termos de inclusão.
Encontramos a Geovania, uma adolescente de 15 anos, sentada à entrada da sua casa simples em Quintal-Boot. A luz suave do dia ilumina o seu perfil sereno, mas cheio de determinação. As suas pernas e mãos, marcadas pela deficiência que a acompanha desde que nasceu, são testemunhas de uma batalha constante por autonomia e dignidade.
Apesar de todas as dificuldades, Geovania mantém um olhar firme e um espírito resiliente. No 5.º ano de escolaridade, ela luta para superar as barreiras impostas pela sua condição, enfrentando não apenas os desafios físicos, mas também os sociais e emocionais. A sua postura tranquila reflete uma força interior imensa, uma vontade inabalável de aprender, sonhar e construir um futuro melhor, mesmo quando as circunstâncias insistem em dificultar o caminho.
Desde cedo, Geovania aprendeu a viver entre a dor da rejeição e a força do amor incondicional da sua tia. O abandono por parte dos seus pais, que não conseguiram aceitar a sua condição, marcou profundamente a sua infância, mas não a definiu. “Os meus pais não aceitam a minha condição, mas a minha tia cuida de mim e apoia-me sempre,” conta, com a voz embargada por uma mistura de gratidão e tristeza.
O dia a dia da jovem é uma prova constante da sua resiliência. Na escola para alunos com deficiência, que só funciona dois dias por semana devido à falta de professores, tenta absorver o máximo que pode. Cantar, ler e escrever são algumas das atividades que preenchem esses dias de aprendizagem, mas não suficientes. “Gostava de poder estudar todos os dias, como os outros alunos,” desabafa, expondo uma frustração que contrasta com o brilho nos seus olhos ao falar do futuro.
Em casa, a rotina é ainda mais desafiadora. Geovania depende completamente da ajuda da tia para tarefas simples, como comer, tomar banho ou trocar de roupa. A sua tia, apesar de ser o pilar que sustenta a sua vida, enfrenta dificuldades financeiras e emocionais que se acumulam diariamente. “Raramente alguém vem ver como estou ou oferece alguma ajuda,” partilha Geovania, com um tom que mistura aceitação e uma leve esperança de que as coisas possam melhorar.
As relações familiares, por outro lado, são um terreno incerto e doloroso. Apesar de ter quatro irmãos, Geovania sente-se afastada deles. “Os meus irmãos não sabem que faço parte da família. Apenas sabem que sou filha da minha tia,” explica, com uma sinceridade que denuncia uma profunda falta de ligação emocional.
O sonho de Geovania é claro e ambicioso: ser médica. “Mesmo sabendo que será difícil, quero ajudar outras pessoas que enfrentam dificuldades como eu,” afirma com uma maturidade rara para os seus 15 anos. Este sonho nasce não apenas do desejo de ajudar os outros, mas também da sua própria curiosidade em compreender a condição que limita os seus movimentos. “Tenho curiosidade de saber como é ter um corpo que se move normalmente, como vejo os outros a caminhar e a brincar,” confessa, deixando transparecer a força do seu espírito e a profundidade da sua humanidade.
A perda do seu irmão, que também viveu com uma deficiência, é uma memória que ainda pesa no coração de Geovania. É uma lembrança que a liga ao passado, mas que também a inspira a seguir em frente. “Ele também enfrentou dificuldades, mas não desistiu,” recorda, com um brilho nos olhos que reflete a sua própria determinação.
Educação inclusiva: um desafio urgente para Timor-Leste
No passado dia 3 de dezembro celebrou-se o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, instituído pelas Nações Unidas em 1992. A data é dedicada à promoção dos direitos das pessoas com deficiência e ao reforço da inclusão social, económica e política. Serve também como um importante momento de reflexão, especialmente em Timor-Leste, onde as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras significativas para o acesso à educação e à participação plena na sociedade.
A história de Geovania, que frequenta a escola apenas dois dias por semana devido à falta de professores, ilustra de forma clara os desafios da educação inclusiva no país. Apesar de toda a sua determinação e vontade de aprender, Geovania depara-se com um sistema educativo que não consegue garantir o apoio necessário para desenvolver o seu potencial.
Segundo o Censo da População e da Habitação de 2022, 17.061 pessoas foram identificadas com deficiência em Timor-Leste, representando uma parcela significativa da população.
Os dados também mostram que, embora a prevalência de deficiência seja maior nas faixas etárias mais avançadas, as crianças entre 5 e 9 anos representam apenas 0,3% das pessoas com deficiência. Isso destaca a importância de intervenções precoces e do desenvolvimento de políticas inclusivas que possam ter um impacto positivo na vida destas crianças desde cedo.
Para o próximo ano, o Governo alocou 272 mil dólares para a Política Nacional de Educação Inclusiva, com o objetivo de garantir que os alunos do ensino secundário com necessidades especiais recebam apoio adequado no ensino e na aprendizagem, bem como para promover a formação de professores em educação inclusiva.
No entanto, a luta por uma educação inclusiva não é apenas uma questão de orçamento, mas de compromisso social e político. Histórias como a de Geovania mostram que, apesar das adversidades, há jovens com sonhos e determinação para superar os obstáculos. O desafio agora é garantir que essas barreiras sejam removidas, permitindo que todas as crianças em Timor-Leste, independentemente das suas capacidades, possam aprender, crescer e contribuir para a sociedade de forma plena e digna. A educação inclusiva não é apenas um direito, mas também uma oportunidade para construir um futuro onde ninguém fique para trás.
Outra grande reportagem da Lourdes do Rego. Os meus mais sinceros votos que a Geovania consiga ver a luz ao fundo do tunel.
A sua coragem e determinacao e uma bofetada de luva branca para todos nos.