Na pele de André da Costa, um trabalhador timorense na Coreia do Sul

"Uma vez caí ao mar e não consegui levantar a cabeça porque não sabia nadar. Fui arrastado para o fundo.” /Foto: DR

Rodeado por insultos, perigos no mar e jornadas exaustivas que chegam a 20 horas por dia, André da Costa enfrenta uma batalha diária na pesca sul-coreana. A persistência e o sacrifício permitiram-lhe comprar terrenos e financiar os estudos de oito irmãos em Timor-Leste. 

Para muitos timorenses, trabalhar no estrangeiro é uma oportunidade para obter um salário mais alto do que aquele que conseguiriam no seu país de origem. A escassez de emprego em Timor-Leste é uma das principais razões que leva os jovens a partir em busca de melhores condições de vida. Segundo dados de 2021 da ONG La’o Hamutuk, o desemprego no país atinge 27% da população ativa.

André da Costa, de 31 anos, é um desses jovens. Natural de Ermera, trabalha na pesca na Coreia do Sul, uma profissão árdua e repleta de riscos. Muitos trabalhadores timorenses mudam de setor e procuram emprego em fábricas depois de algumas semanas. Contudo, André manteve-se firme, conquistando a confiança do seu empregador.

Chegou à Coreia do Sul em 2015, através de um programa de cooperação entre os governos de Timor-Leste e da Coreia do Sul. Trabalhou durante dois anos e regressou a Timor em 2018, após o término do contrato. A sua dedicação e persistência fizeram com que o patrão o chamasse de volta em 2019, oferecendo-lhe a oportunidade de continuar a trabalhar.

De acordo com a Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE), de 2009 a 2024, cerca de 6.329 timorenses foram para a Coreia do Sul, dos quais 4.015 trabalham na pesca, 2.188 em fábricas e 126 na agricultura.

Humilhações, insultos e desafios no mar

Nos primeiros meses, André enfrentou insultos, gritos e humilhações do seu patrão, principalmente devido à barreira linguística e à falta de experiência. “Chamavam-nos de ‘filho de cão’ e outras ofensas. Mas eu sabia que precisava de paciência. Tinha um objetivo: ganhar dinheiro e adquirir experiência”, conta André.

Antes de partir para a Coreia, André foi avisado por um familiar: “O meu irmão disse-me que, em Ermera, não temos mar, por isso, talvez eu não aguentasse. Mas eu aceitei o desafio.”

Nos primeiros três meses, o trabalho era extenuante. Começava às 6h da manhã a lançar as redes ao mar, limpá-las e prepará-las para o próximo dia. Muitas vezes, a única refeição era supermie (massa instantânea) no barco, suficiente apenas para aguentar o trabalho até de madrugada.

André contou que, muitas vezes, foi pescar com os seus colegas até à fronteira entre a China e a Coreia do Sul. Em algumas ocasiões, o barco ultrapassou a fronteira, mas, sempre que isso acontecia, a polícia intervinha e ordenava-lhes o regresso. “Trabalhamos no mar até às 2h da manhã. Com tanto trabalho, nem temos tempo para tomar banho. Lavamos apenas a cara, comemos qualquer coisa e, após alguns minutos de sono, voltamos ao trabalho”, relatou.

O momento mais assustador aconteceu quando caiu ao mar após ser atingido por um equipamento de pesca. Sem saber nadar, foi arrastado para o fundo, mas o patrão salvou-o a tempo. Desde então, o patrão obrigou-o a aprender a nadar. “Tentei aprender, mas até hoje ainda não consigo”, admite entre risos.

O perigo é constante. Máquinas e equipamentos de pesca quase o cortaram em várias ocasiões. “Telefonei aos meus pais para que fizessem orações e rituais de proteção”, recorda. Os pais pediram-lhe que regressasse a Timor, mas André recusou: “Disse-lhes que estava bem e para não se preocuparem.”

Infelizmente, outros timorenses não tiveram a mesma sorte. Em 2022, Armando Abel dos Santos morreu num acidente de barco em Pohang, e três outros trabalhadores caíram ao mar depois de o barco virar. Desde 2009, a cooperação entre Timor-Leste e a Coreia do Sul já registou a morte de 15 trabalhadores timorenses devido a acidentes no mar, rodoviários e doenças.

Depois de o seu patrão vender o barco principal, André foi transferido para uma nova empresa, onde o foco era a criação de peixe. Se no início o trabalho era pesado, André não desistiu, recusando fugir, ao contrário de alguns colegas. “Eu acredito que precisamos de tempo para nos adaptarmos a um novo ambiente”, sublinha.

O trabalho é intenso: trocar redes, limpá-las, pintá-las e alimentar os peixes todos os dias. Os sacos de ração pesam entre 15 e 30 kg, o que exige força física. A empresa gasta diariamente até 10 mil dólares em ração para os peixes, o que aumenta a pressão sobre os trabalhadores. “Se não alimentarmos os peixes adequadamente, os patrões gritam connosco e, em casos mais graves, podem mesmo despedir-nos”, afirmou.

Ao contrário de muitos trabalhadores que deixam o emprego, André acredita que os insultos servem de motivação. Mostrou a sua capacidade de adaptação e resiliência ao patrão, que acabou por confiar nele e recusou deixá-lo mudar de empresa. Agora, o patrão está a tentar mudar o seu visto para o tipo E7, que permite aos migrantes com habilidades intermédias permanecerem na Coreia do Sul por mais tempo.

Muitos trabalhadores timorenses optam por sair do sistema formal e trabalhar “ilegalmente” na Coreia do Sul. Esta situação ocorre, em parte, porque alguns não conseguem adaptar-se às condições de trabalho e outros, após o fim do contrato, não conseguem renová-lo.

Segundo o relatório da Secretaria de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE) de 2023, cerca de mil trabalhadores timorenses permanecem em situação irregular na Coreia do Sul por não terem cumprido o acordo estabelecido entre os dois países.

Da luta à conquista

Para poupar a família às suas dificuldades, André escolhe esconder a realidade do seu quotidiano. “Só mostramos coisas boas nas redes sociais para a família não ficar preocupada connosco”, confessou.

André vem de uma família humilde. O pai trabalha num hotel e a mãe é dona de casa. Após terminar o ensino secundário, André tentou entrar na universidade, mas a família não conseguiu pagar a propina de 300 dólares. Decidiu então apostar na Coreia do Sul.

Após quatro tentativas de passar no teste de proficiência de língua coreana, conseguiu um contrato e, em 2015, partiu para a Coreia. Com o dinheiro poupado, André comprou terrenos e construiu duas casas — uma em Díli e outra em Ermera. Atualmente, financia os estudos dos oito irmãos, sendo que seis estão na universidade e dois no ensino secundário.

De acordo com o Banco Central de Timor-Leste, os trabalhadores timorenses na Coreia do Sul enviaram para o país, entre 2009 e 2023, cerca de 43 milhões de dólares. Em comparação, os trabalhadores na Austrália transferiram cerca de 79 milhões de dólares entre 2012 e 2023.

André está a considerar abrir um negócio em Timor, mas, por enquanto, o seu objetivo é assegurar o bem-estar da família. O fardo é grande, mas não quer que os irmãos passem pelas dificuldades que ele enfrentou.

Ver os comentários para o artigo

  1. Parabens Andre pela tua tenacidade e espirito humano de ajudar os teus entes queridos.
    A vida na sua grande maioria nao e um mar de rosas seja em que parte do globo for. A experiencia profissional e o conhecimento de outras racas e o seu “modus vivendi”, vao moldar-te num HOMEM MELHOR, beneficiando a ti a tua familia e Timor Leste.
    ITA MOS BELE!

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