Investimento no setor de iGaming e casinos em Timor-Leste: riscos e lições de outros países

"Mesmo em países com forte capacidade regulatória, como os Estados Unidos ou Malta, os centros de jogo mantêm ligações a práticas ilegais e problemas de dependência"/Foto: Pixabay

Timor-Leste precisa urgentemente de atrair investimentos de grande dimensão em setores sustentáveis, capazes de reduzir a dependência das receitas provenientes do petróleo, do gás e do Fundo Petrolífero. A Fundação Mahein (FM) compreende que os líderes nacionais procuram diversas opções para captar capital estrangeiro, com o objetivo de estimular e diversificar a economia e criar novos postos de trabalho.

A FM apoia plenamente estes objetivos e tem apelado de forma consistente ao Governo para que aposte em áreas com potencial de gerar benefícios duradouros para as comunidades, como a agricultura e a pesca sustentáveis, o turismo comunitário e o ecoturismo.

No entanto, propostas recentes de investimento no setor de iGaming (jogos de apostas online internacionais) e na construção de casinos suscitaram sérias preocupações.

Este artigo analisa a questão, começando por apresentar informações sobre o setor de iGaming e de casinos, com base em dados do Governo de Timor-Leste e do setor privado. Segue-se uma reflexão sobre os riscos associados a este tipo de investimento, à luz de debates e problemas já registados noutros países da região Ásia-Pacífico.

Com esta análise, a FM pretende contribuir para o debate público e alertar os decisores políticos para a necessidade de examinar cuidadosamente as propostas e os planos do Governo antes da sua implementação.

Acontecimentos relacionados com o iGaming em Timor-Leste

Nos últimos anos, líderes políticos e representantes do setor privado têm discutido a possibilidade de transformar Timor-Leste num centro relevante para o setor de iGaming. Embora o Presidente da República, José Ramos-Horta, tenha manifestado apoio ao investimento estrangeiro para desenvolver jogos destinados a jogadores internacionais, deixou claro que se opõe à disponibilização de jogos de apostas para cidadãos timorenses.

Até recentemente, não tinham sido registadas ações concretas nesta área. No entanto, nos últimos meses, ocorreram vários desenvolvimentos que demonstram a intenção do Governo e de investidores privados em avançar com este setor no país, nomeadamente:

  • Criação, pelo Governo, da Inspeção-Geral de Jogos (IGJ) e do Centro Digital de Oé-Cusse (ODC), em 2024. Oé-Cusse foi designado como Zona de Comércio Livre (FTZ) e dotado do seu próprio “Token Digital de Oé-Cusse” – um sistema de pagamentos baseado em tecnologia blockchain.
  • Concessão da primeira licença de iGaming à empresa Golden River Universe (GRU), subsidiária da Grand Dragon Lottery. A GRU anunciou que será o “operador principal”, com poderes para conceder sublicenças a outras empresas para operarem no setor em Timor-Leste.
  • Desenvolvimento, pela GRU, dos Padrões Operacionais do Jogo Offshore em Timor (TOGOS), destinados a regulamentar e organizar as operações do setor de iGaming.
  • Criação da Associação de Jogos Virtuais de Timor-Leste (VGA), com o objetivo de promover o setor e realizar ações de lobby junto das autoridades nacionais.
  • Anúncio, pela empresa Asia-Pacific Strategic Investments (APSI) Ltd, sediada em Singapura, de planos para construir, no início de 2025, um casino resort avaliado em 60 milhões de dólares e um banco no valor de 20 milhões de dólares, em parceria com o Banco Nacional de Comércio de Timor-Leste (BNCTL).
  • De acordo com o site da APSI, a empresa esteve em negociações com o Governo de Timor-Leste para gerir os aeroportos de Oé-Cusse e Suai. No entanto, em junho de 2025, anunciou a interrupção dessas conversações.
  • Outra empresa sediada em Singapura, associada à rede blockchain “AB”, revelou planos para desenvolver um “resort temático de blockchain” em Timor-Leste, com o apoio da AB DAO (Organização Autónoma Descentralizada) e da AB Charity Foundation.

Jogos de apostas online: riscos para Timor-Leste

Debates nas redes sociais e declarações de algumas figuras políticas revelam que uma parte significativa da população está preocupada com os planos relacionados com o iGaming e com a construção de casinos em Timor-Leste. Essas preocupações baseiam-se em evidências claras de que o setor acarreta inúmeros riscos.

Em primeiro lugar, o jogo já existe no país e provoca diversos problemas. Muitas famílias enfrentam dificuldades financeiras, conflitos domésticos e pressão acrescida sobre os seus recursos devido ao vício de jogo, sobretudo entre homens. Mesmo que o Estado pretenda restringir as apostas a turistas estrangeiros, a promoção deste setor poderá aumentar a probabilidade de tais problemas se agravarem entre cidadãos timorenses.

Para além dos impactos negativos diretos nos indivíduos e na sociedade, casinos e plataformas de iGaming estão frequentemente associados a atividades do crime organizado, incluindo prostituição, tráfico de pessoas, fraude, crimes cibernéticos, tráfico de drogas e branqueamento de capitais. Mesmo em países com forte capacidade regulatória, como os Estados Unidos ou Malta, os centros de jogo mantêm ligações a práticas ilegais e problemas de dependência. Em países com recursos policiais limitados e instituições frágeis — como o Camboja, o Laos e as Filipinas —, o iGaming e os casinos têm sido fonte de grande polémica devido aos problemas que geram.

Os investimentos projetados para Timor-Leste preveem a criação de infraestruturas internacionais de jogo com recurso a tecnologia blockchain e a centros de dados, exigindo uma capacidade digital muito avançada. Embora alguns defendam que essa modernização tecnológica possa representar uma oportunidade, relatórios de organizações internacionais como o UNODC e a Global Initiative Against Transnational Organised Crime documentam as ligações do setor a “scam compounds” (centros de fraude), golpes cibernéticos e operações de branqueamento de capitais no Sudeste Asiático e na região Ásia-Pacífico.

A Fundação Mahein já alertou que Timor-Leste possui uma capacidade limitada para detetar e prevenir crimes cibernéticos sofisticados e ilícitos financeiros complexos. Esta vulnerabilidade aumenta o risco de que operações de iGaming no país possam servir de fachada para atividades criminosas.

Além disso, a expansão do setor do jogo implica riscos políticos significativos. Caso Timor-Leste se torne um centro internacional de apostas, poderá registar-se um aumento da corrupção política e uma deterioração da imagem externa do Estado, prejudicando as relações com parceiros internacionais que valorizam a boa governação, a transparência e o respeito pelos direitos humanos. Acresce que o país poderá ser arrastado para disputas geopolíticas regionais, uma vez que alguns analistas associam o crescimento do setor à crescente influência da República Popular da China na região — apesar de Pequim ter tomado medidas para limitar as apostas de cidadãos chineses em países vizinhos.

Lições da região ASEAN

No Laos, a “Golden Triangle Special Economic Zone” (GTSEZ) tornou-se um foco de atividades criminosas ligadas ao empresário sino-macaense Zhao Wei. Apesar das promessas de desenvolvimento e promoção do turismo, a GTSEZ acabou por transformar-se num centro de tráfico de drogas, tráfico de pessoas e branqueamento de capitais em larga escala.

Situação semelhante ocorreu em Sihanoukville, no Camboja, que entre 2016 e 2019 recebeu elevados investimentos em casinos e plataformas de jogo online. Embora o projeto fosse apresentado como motor de desenvolvimento económico, a cidade rapidamente se converteu num polo de criminalidade e dependência do jogo, controlado por organizações criminosas. Em 2020, o Governo cambojano proibiu o jogo online, mas Sihanoukville continua a ser um importante centro de atividades ilícitas. Este caso é uma lição clara de como investimentos no setor do jogo, quando mal regulados, podem gerar graves impactos sociais, fomentar a criminalidade e comprometer a soberania do Estado.

Nas Filipinas, em julho de 2024, o Governo decidiu proibir os “POGOs” (Philippine Offshore Gaming Operators) após intensas polémicas relacionadas com atividades criminosas. As autoridades admitiram dificuldades em monitorizar e controlar o setor, que foi explorado por redes criminosas estrangeiras como fachada para branqueamento de capitais, tráfico de pessoas e fraude cibernética. O caso desencadeou um amplo debate público e aumentou as preocupações com a segurança nacional.

Conclusão: necessário debater e monitorizar os planos de investimento no setor do jogo e casinos

O investimento estrangeiro em diversos setores é fundamental para o desenvolvimento económico e social de Timor-Leste. No entanto, esses investimentos devem servir os interesses nacionais e melhorar a qualidade de vida da população, promovendo um desenvolvimento inclusivo, assente no respeito pelos direitos humanos e na boa governação, protegendo as instituições e os cidadãos de qualquer forma de exploração.

A Fundação Mahein (FM) considera que os planos atualmente em curso para investir e desenvolver o setor do jogo e dos casinos em Timor-Leste acarretam riscos significativos, sobretudo para comunidades vulneráveis e para as relações internacionais do país.

Face a este cenário, a FM recomenda:

  • Reforçar a monitorização pelo Parlamento Nacional e pelas autoridades competentes

Os deputados devem avaliar de forma minuciosa as implicações legais, financeiras e políticas de iniciativas como o Centro Digital de Oé-Cusse e a Zona de Comércio Livre, a emissão de licenças de jogo ao setor privado e a criação de novas instituições financeiras associadas a operadores de jogo.

  • Aumentar o debate público e a transparência

A população deve ter acesso a informação completa e dispor de oportunidades para expressar opiniões sobre decisões com elevado impacto no futuro de Timor-Leste.

  • Criar uma lei abrangente sobre serviços digitais e cibersegurança

O Governo e o Parlamento, em parceria com especialistas e parceiros internacionais, devem elaborar legislação robusta para regular a infraestrutura e os serviços digitais, reforçar a proteção contra crimes cibernéticos e fraudes financeiras, e garantir mecanismos de fiscalização eficazes para salvaguardar os interesses nacionais, os direitos humanos, a proteção de dados e a segurança pública.

  • Investir na capacidade de regulação e policiamento

Se o Governo pretende desenvolver setores de alto risco como o jogo online e os casinos, não pode depender apenas do setor privado para a monitorização. É essencial reforçar a capacidade institucional do Estado para regular o setor, bem como fortalecer as agências policiais e de segurança nacional, de forma a prevenir e detetar crimes financeiros, cibernéticos e complexos.

  • Apostar em setores económicos inclusivos e sustentáveis

A FM apela aos líderes para que direcionem os investimentos para áreas que promovam um desenvolvimento sustentável e de longo prazo, centrado nas comunidades, em vez de setores que gerem lucros rápidos mas comportem elevados riscos sociais e criminais.

A FM defende que os líderes políticos devem construir uma economia baseada na transparência, na sustentabilidade e na inclusão, beneficiando todo o povo, incluindo as comunidades mais vulneráveis. Apela igualmente a todos os cidadãos, à sociedade civil e aos decisores políticos para que analisem cuidadosamente as propostas que visam transformar o país num centro internacional de jogo, evitando repetir erros e problemas já verificados noutras partes do mundo.

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