Igreja de Ai-Mutin – um sonho em construção

O aspeto atual da igreja de Ai-Mutin, construída junto à Avenida Nicolau Lobato/Foto: Diligente

Três milhões de dólares depois, o dinheiro para a construção da igreja de Ai-Mutin acabou, mas a obra ainda não. A Agência de Desenvolvimento Nacional (ADN) garante que só foi usado 91% do valor. Responsável do conselho paroquial diz que se fez mais do que o suposto. No fim de contas, reza-se para que a obra seja terminada.

A primeira pedra foi lançada há 10 anos pelo então Primeiro-Ministro Rui Maria de Araújo. O grande edifício que se ergue junto à Avenida Nicolau Lobato está ainda longe de poder receber os fiéis, enquanto igreja da paróquia de São José de Ai-Mutin.

Ao longo dos anos, os cristãos têm utilizado um salão, atrás da igreja, para celebrar as missas, naquilo que seria uma solução provisória. Durante as missas, procuram as sombras junto à estrutura inacabada nos dias mais quentes, mas, em caso de chuva, resta-lhes a “proteção divina” e uns guarda-chuvas como proteção.

Rosália Soares Maia, de 48 anos, paroquiana da igreja de Ai-Mutin, mostrou-se triste pela demora na construção. Recorda uma noite de Sexta-feira Santa debaixo de chuva forte durante a missa, levando a que muitas famílias, com crianças, se vissem obrigadas a voltar a casa.

“Muitas vezes, nas grandes celebrações, os fiéis chegam até ao Timor Plaza [que fica do outro lado da estrada], porque o edifício está inacabado e não temos espaço para participar na missa”, lamentou. A devota considera que a Igreja e o Estado deveriam colaborar para terminar a obra.

Sabe-se que, na altura, o Governo apoiou a construção com três milhões de dólares, entregues faseadamente pelo Gabinete de Apoio à Sociedade Civil (GASC).

A igreja foi projetada para acolher cerca de 1.200 fiéis, com um orçamento a rondar os 4,8 milhões de dólares, segundo o Caderno de Encargos (BoQ, em inglês). Contudo, o Governo definiu um limite de 3 milhões, ficando a Igreja responsável por garantir o resto do montante para a conclusão do projeto.

“Na altura, verificámos uma tendência no aumento dos custos das igrejas. A de Suai custou 2,6 milhões, a de Ossu 1,4 milhões, a de Viqueque já subiu para 3,3 milhões e a de Ai-Mutin para 4,8 milhões”, explicou Joaquim da Costa Freitas, coordenador do GASC. Nesse momento, foi estabelecido um teto máximo de três milhões de dólares de apoio governamental para a construção de igrejas.

O coordenador acrescentou que, na altura, foram apresentadas duas opções à paróquia: manter o projeto original e procurar financiamento adicional, ou reduzir os custos do projeto para se adequar ao orçamento disponível.

“Escolheram a primeira opção e garantiram que, com os três milhões, conseguiriam construir uma igreja funcional para a celebração de missas. No entanto, não foi redigida uma ata com essa declaração formal do pároco e do técnico responsável”, recordou Joaquim Freitas.

A obras abrandaram em 2017, perante o impasse político e a gestão orçamental em regime de duodécimos, condicionando a libertação de fundos.

No início de 2024, o Governo mostrou vontade de retomar o projeto. “Falei com o Primeiro-Ministro, mas ele salientou que houve falhas na alocação dos fundos e que é necessário responsabilizar alguém antes de avançarmos com novo apoio”, afirmou o coordenador.

A ADN realizou uma auditoria em agosto de 2024, concluindo que cerca de 91% do valor foi gasto. Sobravam assim cerca de 200 mil dólares – perto de 8% dos três milhões orçamentados.

“Isto significa que o dinheiro ainda deveria estar na conta, mas verificámos que não está lá. Alegadamente, foram compradas portas e cerâmicas, mas apenas o pároco e a empresa de construção sabem onde estão esses materiais”, comentou o responsável do GASC.

“Com três milhões, conseguimos atingir 82% da obra… mais 20% do que era esperado”

Inácio Moreira, vice-presidente cessante do conselho paroquial de Ai-Mutin, explicou que a Comissão de Construção da nova igreja se “esforçou ao máximo para chegar a 82% da execução da obra”. Com um orçamento de 4,8 milhões de dólares, o responsável garantiu que os três milhões disponibilizados pelo Governo “chegariam para concluir 62% da obra, mas, com sacrifício, conclui-se mais 20%. Neste momento, está na fase de toques finais”, detalhou.

O vice-presidente cessante lamenta que as pessoas pensem que o valor disponibilizado pelo Governo – três milhões de dólares – chegaria para acabar a igreja e começar a receber celebrações religiosas. “Isso é impossível e ilógico. E ninguém disse que iríamos concluir a igreja apenas com três milhões”, afirmou.

O antigo deputado destacou ainda a arquitetura e estrutura da igreja, que tem também “uma cave, com uma grande sala que pode receber 300 pessoas, um cartório e uma capelinha para lugar do Corpo de Cristo”. Outro dos aspetos referidos por Inácio Moreira é a qualidade da construção, já que, “passados oito anos [desde que foi construído], o edifício mantém a sua condição. Vão lá ver diretamente se os paus ainda estão em boas condições ou não”, desafiou.

Questionado sobre o relatório da ADN, que registou o uso de apenas 91% dos três milhões, Inácio Moreira argumentou: “então, quem deve ser questionado sobre os 20% a mais que se conseguiram executar a partir desses três milhões?” Acrescentou que a atual igreja em construção tem um custo de 800 dólares por metro quadrado.

Quanto aos materiais comprados e que ainda não foram montados, como referiu Joaquim Freitas, do GASC, Inácio Moreira disse não conseguir fazer uma projeção, visto não ter informações concretas. “Mas estão lá os aros das portas, os vidros para as janelas, material para o teto, entre outros. Podem ir observar, mas os custos, devemos contar um por um.”

Já Francisco Xavier, coordenador da Unidade de Controlo e Validação da Qualidade, da ADN, esclareceu que os materiais foram comprados, mas não foram instalados e não podem ser incluídos nos relatórios.

“Esses materiais [se forem instalados] podem deteriorar-se ou ser furtados. Não se consegue garantir a sua conservação. Não é responsabilidade do utilizador, mas sim de quem executa a obra. Se forem entregues ou se desaparecerem, o Governo não pode assumir essa responsabilidade”, alertou.

Esperança para o futuro

“Uma obra não é uma árvore que deixamos crescer até dar fruto. É ferro e cimento, que se deterioram com a chuva e o calor. Por isso, devemos acelerar os processos”, sublinhou Joaquim Freitas.

Além do relatório, Freitas falou do estudo contínuo para apurar responsabilidades relativamente aos gastos, que poderá levar o Governo a optar por uma mediação ou, caso se confirme um desvio de fundos e falta de colaboração dos envolvidos, seguir o caminho legal.

“O Governo quer apoiar a conclusão da obra, pois já foram gastos três milhões e não queremos que esse investimento se torne inútil, nem que haja uma estrutura abandonada no meio da cidade. Estamos a tentar finalizar a documentação deste ano, para termos uma decisão relativamente ao próximo ano”, explicou.

Será necessário um novo levantamento técnico para apurar o valor necessário para terminar a igreja, de acordo com o coordenador, que aproveitou para referir que o mais urgente é tornar o edifício funcional para a celebração de missas, ficando a componente estética a cargo da Igreja e da comunidade cristã.

Para evitar problemas semelhantes no futuro, Freitas sugeriu uma nova abordagem institucional: em vez de negociar com as paróquias, isoladamente, os contratos devem passar a ser celebrados com a Diocese de Díli, sendo essa a entidade que congrega todas as paróquias da capital.

A alocação de novos fundos dependerá da evolução do processo em curso. “Aguardamos a orientação do Vice-Primeiro-Ministro para o próximo ano. O valor deverá ser incluído no Orçamento Geral do Estado de 2026 ou de 2027. É sabido que queremos concluir a obra, mas alguém terá de ser responsabilizado”, concluiu.

O Diligente tentou ouvir responsáveis da Conferência Episcopal Timorense (CET), mas ninguém se mostrou disponível, já que vários elementos estão fora do país. Já o pároco de Ai-Mutin, padre Hélio Alves, recusou-se a comentar o assunto, dizendo que essa é uma responsabilidade do Cardeal Virgílio do Carmo da Silva S.D.B.

Com os relatórios entregues aos órgãos competentes, o ex-vice-presidente do conselho paroquial de Ai-Mutin, Inácio Moreira, garantiu, por fim, que têm sido discutidas soluções para assegurar a conclusão da construção da igreja.

“Peço a todos para rezar e pedir apoio ao Governo, e talvez a doadores, para conseguirmos terminar esta casa sagrada para os cristãos”, concluiu.

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