Governo deve reformar o sistema de imigração de forma inteligente para prevenir atividades criminosas e promover o desenvolvimento económico

Em todas as nações, uma boa gestão da imigração é uma componente essencial para a segurança nacional e o desenvolvimento económico /Foto: DR

O Governo de Timor-Leste precisa de reformar o seu sistema de imigração para combater o crime organizado transnacional e melhorar a eficiência na emissão de vistos. A Fundação Mahein alerta para a fragilidade do atual sistema, que facilita a entrada de criminosos e prejudica a economia do país.

A Fundação Mahein (FM) publicou recentemente dois artigos que discutem como o sistema de imigração de Timor-Leste, que não funciona adequadamente, facilita atividades criminosas no país, incluindo o crime organizado transnacional e a violação das leis de imigração. O Governo deve implementar uma reforma inteligente no sistema de imigração, incluindo investimentos para desenvolver a capacidade do Serviço de Migração, criar um sistema online para o processamento de vistos e introduzir novas categorias de vistos. Se o Governo fizer isso, desencorajará criminosos internacionais que pretendem aproveitar-se do sistema de imigração fraco de Timor-Leste para realizar as suas atividades ilícitas. Ao mesmo tempo, um sistema de imigração eficiente e moderno garantirá que os cidadãos estrangeiros com boas intenções possam conduzir as suas atividades em Timor-Leste de acordo com as leis de imigração. Assim, o Governo poderá responder ao crescente problema do crime organizado transnacional, além de garantir que trabalhadores e empresas estrangeiras contribuam para o orçamento do Estado e apoiem o crescimento económico no país.

O artigo discute os desafios que a FM já identificou relacionados com o sistema de imigração e faz recomendações sobre como melhorar as políticas e o sistema de imigração.

Em todas as nações, uma boa gestão da imigração é uma componente essencial para a segurança nacional e o desenvolvimento económico. Para a FM, dois aspetos importantes no sistema de imigração de Timor-Leste que não contribuem para os interesses de segurança e económicos são: a política de vistos que está desatualizada e inadequada, e o Serviço de Migração que é ineficiente devido ao excesso de burocracia e a um sistema de processamento de vistos ainda não modernizado.

Em relação à política de vistos, a FM considera que já é tempo de o Governo rever adequadamente a política de “visa-on-arrival” universal de Timor-Leste. Atualmente, esta política concede a cidadãos de todos os países o direito de obter um visto à chegada ao Aeroporto Internacional Presidente Nicolau Lobato. Na prática, isso significa que qualquer pessoa pode entrar em Timor-Leste de avião e obter uma autorização de entrada para uma estadia de 30 dias, sem fiscalização prévia ou apresentação de documentos adicionais. Apenas declaram que são “turistas” e a imigração carimba o passaporte. Na perspetiva da FM, esta situação não é sustentável e representa um grande risco para Timor-Leste.

Já houve incidentes que demonstram que criminosos estão a aproveitar-se desta política de vistos para entrar no país e realizar as suas atividades, como no caso de fraude detetado em julho passado. Além disso, redes criminosas internacionais têm explorado a política atual de vistos para utilizar Timor-Leste como destino ou ponto de trânsito para atividades de tráfico humano. A FM suspeita que muitos criminosos estão a operar em Timor-Leste, mas o fraco controlo da imigração dificulta que as autoridades detetem e impeçam a sua entrada no país.

Além disso, a capacidade das nossas autoridades de segurança para monitorizar pessoas que entram no país é limitada, e dependem das informações partilhadas por outros países ou agências internacionais como a INTERPOL. A política atual de vistos dificulta ainda mais a monitorização de quem entra no país, pois não é necessário registar a intenção de viajar para Timor-Leste antes de chegar. Portanto, embora a política de “visa-on-arrival” tenha boas intenções, infelizmente, a FM considera que esta política incentiva criminosos a virem para Timor-Leste, além de facilitar o movimento ilegal de pessoas para dentro e fora do país.

Outro problema é que a política de “visa-on-arrival” universal facilita que pessoas com a intenção de realizar atividades não turísticas entrem em Timor-Leste como “turistas”. O grande problema é que as pessoas ainda não podem solicitar um visto de trabalho fora do país; precisam de entrar primeiro em Timor-Leste para depois o solicitar. Muitas pessoas só o fazem depois de já estarem em Timor-Leste. Contudo, o Estado ainda não tem capacidade para supervisionar adequadamente os estrangeiros no país, e muitos realizam trabalho depois de obterem o “visa-on-arrival.”

Além de facilitar o crime organizado, esta situação também incentiva algumas empresas estrangeiras a violar as leis de imigração e comércio. Por exemplo, como a FM já discutiu em outros artigos, empresas de turismo estrangeiras estão a operar em Timor-Leste sem se registarem ou solicitar vistos para o seu pessoal internacional. A FM suspeita que a maioria dessas empresas não tem intenção de cometer crimes, mas fazem-no porque não há formas de solicitar licenças ou vistos antes de virem para Timor-Leste. Além disso, o trabalho no setor é geralmente de curta duração, o que significa que é impossível obter um visto quando já estão no país, dado que o processo de aprovação de vistos de trabalho pode demorar três a quatro meses. É mais fácil obter o “visa-on-arrival” no aeroporto, sem qualquer controlo no país, e essa situação incentiva as empresas a violarem as regras de imigração e a operarem comercialmente sem licenciamento.

Esta situação também afeta a sustentabilidade financeira de Timor-Leste, uma vez que o Estado perde receitas significativas quando as empresas não pagam impostos ou não se registam. Ao mesmo tempo, a situação incentiva as empresas a realizar operações de curta duração, o que significa que não há possibilidade de forçar as empresas a estabelecer parcerias com empresas locais, criar empregos para os locais, contribuir para a segurança social e fortalecer a capacidade local. A situação atual incentiva as empresas a operar por curtos períodos e a levar os lucros para fora do país, o que significa que Timor-Leste perde os potenciais benefícios económicos.

Além da política de “visa-on-arrival” e da monitorização inadequada, há outros aspetos da política de vistos que contribuem para a má gestão da imigração, promovendo ineficiências e corrupção no Serviço de Migração e na administração pública em geral. Um dos maiores fatores é o procedimento de solicitação de alguns vistos, que é demasiado complicado. Os requerentes precisam de muitos documentos e o Serviço de Migração não utiliza um sistema eletrónico eficiente, o que significa que o pessoal tem de analisar cada documento em papel, um processo demorado. A dependência de documentos em papel em vez de um sistema eletrónico eficiente significa que alguns documentos podem perder-se, o que atrasa os pedidos. Para estrangeiros que não estão familiarizados com o sistema timorense, é difícil reunir todos os documentos necessários. Por isso, muitos preferem pagar a alguém para “comprar” os documentos, o que promove a corrupção na administração pública.

Outro grande problema é a nova política implementada pelo Governo depois do fim do Estado de Emergência da COVID-19. A nova regra exige que todos os estrangeiros no território tenham um visto “ativo” enquanto aguardam a aprovação do visto. Por isso, as pessoas que já solicitaram um visto de trabalho ou de residência devem continuar a renovar o visto de “turismo” todos os meses. Normalmente, esse processo leva três meses ou mais. Ao mesmo tempo, o Governo mudou a regra para a renovação do visto de turismo. Anteriormente, era possível renovar o visto de turismo por 60 dias de uma vez. Contudo, a nova política limita a renovação do visto de turismo a apenas 30 dias. Por isso, muitas pessoas têm de sair de Timor-Leste, voltar novamente e comprar um bilhete de avião, que é bastante caro.

Além de alterar a política de vistos, o Governo também decidiu transferir toda a responsabilidade pelo processamento de vistos para o Ministério do Interior. Anteriormente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MNEC) estava envolvido no processo de alguns vistos, como os de trabalho. Talvez o Governo tenha tomado esta decisão para simplificar o processo de vistos e aumentar as receitas do Estado após o período da COVID. No entanto, a carga de trabalho do Serviço de Migração aumentou significativamente após a decisão de retirar o MNEC do processo de vistos, o que obriga todos os estrangeiros a submeterem pedidos de visto mensalmente enquanto aguardam por outro. A nova política também impõe um fardo pesado aos estrangeiros que desejam seguir a lei de imigração, ao mesmo tempo que incentiva outros a violar a lei devido ao tempo e ao custo elevados.

No entanto, o problema fundamental da política atual é que obriga o pessoal da imigração a emitir um visto de “turismo” para pessoas que já solicitaram um visto não turístico, como um visto de trabalho ou de residência. Isso é ilógico e provavelmente ilegal. Em outros países, quando uma pessoa é desonesta ao solicitar um visto, isso é considerado um crime grave. Normalmente, o requerente está a mentir. Em Timor-Leste, a política atual obriga os funcionários da imigração a emitir vistos de turismo para pessoas que não são turistas!

A FM acredita que a política de vistos desatualizada e o sistema de imigração ineficiente de Timor-Leste não promovem os interesses de segurança e económicos do país. Por isso, o Governo deve implementar medidas para reformar o sistema de imigração, incluindo a política de vistos, e os sistemas e procedimentos do Serviço de Migração.

A FM sugere ao Governo que crie uma nova política de vistos que seja inteligente, adaptada à realidade mundial atual e alinhada com as melhores práticas internacionais e com as políticas que muitos outros países já implementaram. Esta política deve facilitar a entrada de pessoas com boas intenções que desejam vir a Timor-Leste para realizar atividades diversas, permitir que o Estado supervisione os visitantes e fortalecer o sistema de imigração, tornando-o mais eficiente e eliminando a corrupção.

É claro que o Governo precisa de refletir cuidadosamente antes de alterar a política de vistos de Timor-Leste, para que isso não desmotive turistas ou investidores que queiram vir ao país. Além disso, não basta apenas mudar a política de vistos — o Governo também deve investir em sistemas alternativos e na capacidade de garantir que as pessoas possam continuar a entrar em Timor-Leste para realizar as suas atividades.

Nos últimos meses, o Governo autorizou algumas missões diplomáticas a emitirem vistos de trabalho, negócios, residência e turismo. Mais tarde, o Presidente Ramos-Horta criticou, no Facebook, o plano do Governo de mudar a política de imigração de Timor-Leste para a tornar mais restritiva. No entanto, o Governo ainda não divulgou informações sobre o plano de alterar o sistema de imigração, portanto, a FM não pode comentar o assunto. Mesmo assim, a FM considera que as embaixadas e consulados no exterior ainda não estão preparados para receber e processar pedidos de visto. Além disso, não sabemos qual será o plano do Governo para socializar informações sobre o novo processo fora do país. Por isso, a FM assume que a maioria dos cidadãos estrangeiros que vêm a Timor-Leste pela primeira vez continuará a solicitar o “visa-on-arrival” no aeroporto de Díli.

Algumas pessoas podem não concordar com a mudança da política de “visa-on-arrival”, argumentando que isso prejudicará a imagem de Timor-Leste como um país “aberto” ou que o Estado perderá receitas. No entanto, a FM não acredita que uma nova política de vistos vá desmotivar investidores ou turistas, especialmente se seguir o modelo que já foi implementado nos países vizinhos, como a Indonésia. Além disso, as evidências já mostram que o atual sistema de imigração de Timor-Leste abre portas para grupos criminosos e promove corrupção e ineficiência. Esses dois fatores mancham a imagem de Timor-Leste a nível internacional.

Finalmente, em relação à questão das receitas do Estado, o Ministério do Interior relatou recentemente que recebeu 1 milhão de dólares entre janeiro e junho de 2024. Este montante representa uma pequena percentagem do orçamento total do Estado. Além disso, a FM recomenda que se mantenha a isenção de visto/ “visa-on-arrival” para os países que contribuem com o maior número de visitantes para Timor, como Austrália, Nova Zelândia, União Europeia, ASEAN, CPLP, Estados Unidos, Reino Unido, China, Japão e Coreia. Por isso, se o Governo mudar a atual política de vistos, isso provavelmente não terá um grande impacto nas receitas. A FM também acredita que os benefícios de um sistema de imigração moderno superarão em muito as receitas perdidas.

A FM já descreveu alguns aspetos que podem servir como base para uma política de vistos e um sistema de imigração inteligente e moderno, que sirvam de facto os interesses de segurança e económicos de Timor-Leste. Esperamos que o Governo considere as nossas sugestões, como se segue:

  1. Abrir o acesso de isenção de visto (sem necessidade de visto) para todos os países da ASEAN, CPLP e OCDE que desejem realizar atividades turísticas e de negócios. Atualmente, apenas países do espaço Schengen, Singapura, Tailândia, Indonésia e Cabo Verde têm acesso a Timor-Leste sem visto.
  2. Estabelecer um sistema de imigração online que aceite pedidos para todas as categorias de visto. Este sistema online deve poder emitir vistos para categorias específicas, incluindo a receção de documentos e a emissão de vistos eletrónicos. Para outros vistos, o requerente deve submeter o pedido online, enviar os documentos para a embaixada e o processo ser feito lá. Deve-se também considerar a possibilidade de expandir este sistema no futuro para incluir mais detalhes.
  3. Estabelecer vistos eletrónicos de 30 ou 60 dias (“e-VOA”) para turistas e visitantes de negócios provenientes de uma lista de países aprovados. (Por exemplo, cidadãos de diferentes países podem entrar na Indonésia com um e-VOA ou “Visa-on-Arrival”). Para solicitar o e-VOA, o requerente deve pagar online e enviar uma cópia eletrónica de documentos básicos, como o passaporte e o bilhete de avião.
  4. Criar uma nova categoria de vistos para atividades não turísticas de curta duração (3-6 meses), como pesquisas, trabalhos de consultoria e voluntariado. Atualmente, estas atividades entram na categoria de visto de Estada Temporária para Atividades Especializadas. No entanto, ainda não se pode solicitar este visto fora do país, o que significa que o requerente deve primeiro entrar em Timor-Leste com um “visa-on-arrival” e, depois, solicitar este visto. Requerentes de países com isenção de visto e e-VOA poderão obter este novo visto online antes de entrarem em Timor-Leste, bastando apenas submeter documentos que comprovem as suas atividades, como uma carta ou contrato de uma ONG, agência internacional ou universidade. Alguns requerentes podem precisar de submeter um certificado de antecedentes criminais, especialmente aqueles que pretendem trabalhar com crianças ou grupos vulneráveis.
  5. Para obter vistos de curta duração não turísticos, cidadãos de outros países (fora da isenção de visto ou e-VOA) poderão submeter primeiro o pedido online. Depois, eles poderão enviar os documentos para a embaixada ou consulado de Timor-Leste, obter o visto físico e, então, viajar para Timor-Leste.
  6. Para estadias de longo prazo (1 ano ou mais), como trabalho, reagrupamento familiar ou residência, requerentes de países com isenção de visto e e-VOA poderão obter primeiro um visto temporário online (visto de 3 meses). Este visto temporário deve fornecer tempo suficiente para solicitar o visto relevante quando já estiverem em Timor-Leste. Ao mesmo tempo, o Governo deve investir para aumentar a capacidade do Serviço de Migração, a fim de garantir que todos os vistos sejam processados dentro de um período de três meses. Para cidadãos de outros países, os pedidos podem ser submetidos online, e os documentos enviados para a embaixada, que emitirá o visto antes de o requerente viajar para Timor-Leste.

Na perspetiva da FM, estas mudanças são necessárias para eliminar a prática atual em que o Estado emite um “visa-on-arrival” e prolonga vistos de “turismo” para pessoas que não são turistas. Se o Estado fizer isso, e também criar um sistema online para processar diferentes tipos de vistos, poderá aliviar o trabalho do Serviço de Migração. Isso ajudaria o Serviço de Migração a tornar-se mais eficiente. Ao mesmo tempo, estas medidas ajudariam o Estado a recolher dados corretos relacionados com a imigração e também facilitariam a monitorização de cidadãos estrangeiros.

  1. Criar uma categoria de visto específica para “nómadas digitais” para facilitar que estas pessoas vivam em Timor-Leste e trabalhem para uma organização baseada no exterior. O número de pessoas que trabalham online continua a crescer, por isso muitos governos já criaram um visto para nómadas digitais, incluindo Portugal, Indonésia e Tailândia. No futuro, com a melhoria da qualidade da internet em Timor-Leste, muitas pessoas desejarão vir viver aqui e continuar a trabalhar online. Se o Governo decidir criar este visto para nómadas digitais, seria ideal que o requerente pudesse obter o visto online antes de vir a Timor-Leste. As regras para este visto devem ser semelhantes às de outros vistos de longo prazo, exigindo a apresentação de um contrato de trabalho e de um certificado de antecedentes criminais.
  2. O Governo deve simplificar o processo de pedido de visto no exterior. Como mencionado anteriormente, o processo atual é demasiado complicado, dificultando que estrangeiros tratem dos documentos e consome muito tempo. Se o Governo reduzir o número de etapas e simplificar alguns processos, poderá aliviar a carga de trabalho do Serviço de Migração e incentivar mais pessoas a solicitar o visto correto.
  3. Cidadãos de outros países (fora da isenção de visto ou e-VOA) devem primeiro submeter o pedido online e depois enviar os documentos para a embaixada para que sejam processados e o visto seja emitido. Por isso, o Governo deve garantir que as embaixadas e consulados tenham as facilidades e a formação adequadas para que possam processar os vistos de forma eficiente.”

A Fundação Mahein é uma organização apartidária que procura, desde a sua fundação em 2009, fortalecer o processo democrático e criar soluções duradouras para os desafios no setor da segurança em Timor-Leste.

Ver os comentários para o artigo

  1. Parabens, gostei imenso.
    Aqui esta uma “fonte” onde o governo actual e vindouros devem “matar a sede”.
    Em forma de bom humor acho que e mais facil termos nas embaixadas um carimbo, “venho com boas intencoes” e carimba-se os visitantes antes de partirem do estrangeiro.

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