Estádio em Tasi Tolu: questões ambientais, históricas e religiosas em debate

Proposto pela Federação de Futebol de Timor-Leste (FFTL), o projeto visa criar uma infraestrutura desportiva moderna, de acordo com os padrões internacionais /Foto: FFTL

A construção de um novo estádio internacional em Tasi Tolu está a gerar polémica em Timor-Leste. Enquanto uns veem o projeto como símbolo de modernização e orgulho nacional, outros alertam para os riscos ambientais, culturais e espirituais de intervir numa zona protegida, marcada pela história e pela fé.

Aprovada em junho deste ano, a iniciativa da construção de um estádio tem como objetivo dotar o país de instalações desportivas adequadas para o desenvolvimento do futebol e do futsal nacionais, incluindo um campo de futsal indoor com certificação internacional.

Além disso, o novo complexo desportivo surge como alternativa ao Estádio Municipal de Díli, contribuindo para a descentralização das atividades desportivas e para o cumprimento dos critérios exigidos pela FIFA e pela AFC, permitindo ao país acolher competições oficiais de âmbito nacional e internacional.

No entanto, o projeto tem gerado preocupações ambientais, históricas e religiosas. Diversas entidades e cidadãos alertam para a importância de avaliar cuidadosamente os impactos antes do início das obras.

O conservacionista Alito Rosa alertou que ainda não há clareza quanto à área a ser ocupada pelo estádio, nem sobre os possíveis impactos na biodiversidade local, especialmente na lagoa da região. Defende que qualquer grande projeto em Tasi Tolu deve ser acompanhado por um plano de gestão ambiental completo.

Segundo Rosa, a situação da lagoa é já considerada crítica, devido à acumulação de lixo e sedimentos resultantes da ocupação desordenada. Para o conservacionista, há duas opções: deixar a lagoa como está ou aproveitar o projeto do estádio para melhorar a sua condição ambiental. “Se houver um bom plano de gestão, com reabilitação da lagoa, como o plantio de árvores ao redor, nós, ambientalistas, não teremos objeções. Mas, se for para destruir ainda mais, não podemos concordar”, afirmou.

Tasi Tolu é uma zona oficialmente protegida por lei e abriga uma biodiversidade significativa, incluindo mais de 20 espécies de aves aquáticas.

O Decreto-Lei n.º 5/2016 de Timor-Leste estabelece o quadro legal para a criação e gestão de áreas protegidas, com foco na conservação da biodiversidade, geodiversidade, serviços ecossistémicos e valores culturais. A legislação prevê que qualquer intervenção deve ser precedida de consulta pública, envolver as comunidades e organizações ambientais, e incluir planos de gestão, com mecanismos de fiscalização e sanções. Sendo Tasi Tolu uma área protegida, todos os projetos devem respeitar as normas ambientais e socioculturais estabelecidas por lei.

O conservacionista sublinhou que, mesmo que a construção não ocorra diretamente sobre a lagoa, poderá agravar os problemas existentes devido à movimentação de terras e maquinaria. “É essencial a criação de um plano de gestão ambiental antes do início do projeto, com ações específicas para proteger e reabilitar a lagoa”, reforçou.

Por isso, considera que tanto o Governo como a Federação de Futebol de Timor-Leste (FFTL) devem incluir um plano específico de gestão da biodiversidade antes de iniciar as obras. “Todos os grandes projetos devem começar com um estudo de impacto ambiental. Se houver impacto, os responsáveis devem garantir a recuperação da área afetada”, frisou.

Alito Rosa acrescentou ainda que Tasi Tolu não tem apenas valor ambiental, mas também importância histórica, cultural e religiosa. Por isso, defende que o projeto seja debatido com representantes da Igreja, líderes tradicionais e especialistas ambientais, para garantir que o projeto seja sustentável e respeite todos os aspetos.
“A decisão final está nas mãos do Governo. Mas é fundamental que, ao construir o estádio, se tenha em conta não apenas o impacto ambiental, mas também o valor cultural e histórico da área”, concluiu.

Dionísio Barreto Viana Rangel, ambientalista e estudante de Ciências da Pesca Marinha da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), manifestou uma posição crítica, porém equilibrada. Embora reconheça os potenciais benefícios sociais e económicos da obra — como a promoção do desporto, criação de emprego e incentivo ao turismo —, alerta para os riscos ecológicos a longo prazo.

“Tasi Tolu é uma área ecologicamente sensível, com zonas húmidas, lagoas sazonais e valor cultural. A construção pode perturbar a biodiversidade local, afetar aves migratórias, flora endémica e sistemas hídricos, especialmente na estação das chuvas”, explicou.

Dionísio destacou os impactos cumulativos do desenvolvimento em larga escala em Tasi Tolu, que já inclui projetos turísticos e zonas comerciais. “Sem planeamento integrado, pode resultar na fragmentação de habitats, aumento da poluição e pressão sobre recursos como água e energia”, acrescentou.

Apesar destas preocupações, o jovem considera que o estádio representa uma oportunidade para promover o envolvimento da juventude no desporto, reforçar o orgulho nacional e atrair eventos internacionais. Defende, por isso, “a realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) completa, com consulta pública; o uso de materiais ecológicos e fontes de energia renovável, como painéis solares e sistemas de captação de água da chuva; o desenho de operações com baixas emissões de carbono e produção mínima de resíduos; e a proteção das zonas costeiras e áreas de valor cultural por meio de faixas de amortecimento e reflorestação”.

Sublinhou que a conservação da lagoa deve seguir uma abordagem comunitária equilibrada, que respeite a ecologia, a tradição e o desenvolvimento turístico sustentável.

Igreja dividida sobre construção do estádio

O projeto tem também dividido a Igreja. Em debate televisivo, a Madre Guilhermina manifestou-se contra a obra, não por se opor ao desenvolvimento, mas por considerar Tasi Tolu um local inadequado para atividades desportivas.

Apontou dois argumentos principais: o significado histórico e religioso do local. “Durante a ocupação indonésia, muitas pessoas perderam a vida ali. Em 12 de outubro de 1989, recebemos a visita do Papa João Paulo II, que levou Timor-Leste ao mundo”, afirmou.

A religiosa apelou ao respeito pelos valores espirituais de Tasi Tolu, lembrando que Xanana Gusmão o declarou como “Parque da Paz”. “Tasi Tolu não pode ser transformado num estádio onde as pessoas gritam e fazem barulho”, disse.

Recordou ainda que, na visita de João Paulo II, o Papa disse aos jovens que “vós sois o sal da terra e a luz do mundo”, e que, em 2024, o Papa Francisco reforçou: “façam da vossa fé a vossa cultura”. Segundo Guilhermina, essas mensagens reforçam o reconhecimento de Tasi Tolu como uma “terra santa e de Santa Maria”.

A Madre apelou, por isso, ao Governo para respeitar o local. “Não se pode ocupar esse espaço e deixá-lo como está. Quando celebrámos a missa com o Papa, até a natureza se manifestou. Isso mostra que Tasi Tolu não é um lugar qualquer, mas sim um espaço espiritual e histórico para Timor-Leste”, destacou.

Já o vigário da Diocese de Díli, padre Juvito do Rego, afirmou que a terra em questão pertence ao Governo, que deve decidir o seu uso. Pediu calma à população e que se evitem conflitos: “Evitemos agitar as coisas”, concluiu.

Ativistas defendem construção e criticam exclusão

Para o ativista José Luís Oliveira, o projeto responde a uma carência urgente: a falta de espaços para a juventude. A seu ver, a exclusão dos jovens dos espaços públicos potencia a marginalização e o conflito. “Os veteranos expulsaram os jovens da Arte Moris. Agora, a Igreja opõe-se ao estádio. Isso é incoerente com a fé que professamos”, afirmou.

Reconhece o valor simbólico de Tasi Tolu, mas defende que isso não impede a construção do estádio. “Não vamos apagar a história. No seminário de Fatumeta, há um campo de futsal. Porque seria diferente aqui?”

Apontou ainda a incoerência da designação de zona protegida, referindo que há mais casas do que árvores no local, sem reflorestamento visível. Lamentou a falta de paixão e visão dos líderes desportivos, afirmando que “só querem viajar e ganhar dinheiro”.

O académico Hugo da Costa considera essencial um estádio com padrões internacionais para acolher competições. Sublinhou que, apesar de mais de 20 anos de governação própria, Timor-Leste ainda não formou atletas de referência. “Se não apoiarmos a construção, estamos a bloquear os talentos”, disse.

Defendeu também a reabilitação de campos nos municípios e desvalorizou as críticas ambientais: “O verdadeiro dano vem da destruição das colinas e das queimadas. Um estádio bem planeado pode valorizar a paisagem de Díli.”

Segundo Hugo, o plano inclui a preservação das lagoas e locais religiosos, podendo beneficiar tanto o turismo como o desporto.

FFTL assegura que projeto respeitará valores históricos e ambientais

Fernando Baptista Xavier, adjunto do Secretário-Geral da FFTL, sublinhou que Timor-Leste precisa de um estádio capaz de acolher jogos internacionais em casa. “Temos de alugar campos noutros países. Isso tem de mudar.”

O projeto, com custo estimado em 20 milhões de dólares, será financiado pela FFTL e pelo Governo. A AFC financiará o campo indoor com cerca de 500 a 600 mil dólares. A FIFA e a AFC apoiarão também a reabilitação do Estádio Municipal de Díli.

Sobre a escolha de Tasi Tolu, Xavier referiu que a localização é estratégica e que o projeto respeitará os locais históricos e religiosos. “Queremos valorizar e reabilitar a área. Não destruiremos o altar nem os espaços da visita do Papa ou da restauração da independência. Queremos enriquecer esses valores.”

O estádio poderá acolher eventos desportivos, cerimónias oficiais e até religiosas. A FFTL ainda não iniciou consultas públicas, pois aguardava aprovação governamental. Com a aprovação formal, compromete-se a envolver a Igreja e sociedade civil.

Xavier garantiu que a construção não afetará as lagoas nem implicará remoção de comunidades. “Não se trata de uma indústria poluente. Iremos construir num espaço que respeita o ambiente”, assegurou. As obras ainda não têm data definida, estando pendentes de levantamento de dados pelos ministérios da Justiça e das Terras.

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