Com treinos em espaços improvisados, poucos recursos e alimentação limitada, jovens de Taekwondo e Karaté superaram obstáculos para conquistar três medalhas de ouro e cinco de prata, elevando Timor-Leste ao pódio internacional e provando que talento e determinação vencem barreiras.
Timor-Leste brilhou nos Jogos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) 2025, realizados em julho no país, graças ao desempenho de excelência nas modalidades de Taekwondo e Karaté.
No Taekwondo, quatro atletas representaram o país: duas conquistaram medalhas de ouro e as outras duas garantiram o segundo lugar. No Karaté, os quatro atletas também subiram ao pódio: só uma conquistou medalha de ouro e os outros três receberam medalhas de prata, reforçando o prestígio das artes marciais nacionais no panorama internacional.
Apesar das vitórias, os atletas apontaram a falta de espaços adequados para treinar como um dos principais obstáculos à preparação. Um ativista do setor sublinhou que o problema não está nas artes marciais proibidas pelo Governo, mas sim na escassez de investimento público no desporto, que limita o desenvolvimento e o rendimento dos atletas.
Além de celebrar os resultados, as atletas refletiram sobre os desafios da preparação, a importância do desporto e o papel das artes marciais na sociedade. O Taekwondo, originário da Coreia do Sul, distingue-se pelo uso predominante das pernas, com chutes rápidos, giros, saltos e socos — sendo os chutes a técnica mais valorizada nas competições, pela velocidade, alcance e potência. Já o Karaté, do Japão, combina técnicas de mãos e pernas, com destaque para socos, chutes, bloqueios e golpes de cotovelo, executados com precisão, força e máxima concentração de energia no momento do impacto, valorizando igualmente a postura e o timing corretos.
Ouro e orgulho timorense: jovens atletas brilham no Taekwondo e inspiram mudança nas artes marciais
Deovia da Silva, de 16 anos, atleta de Taekwondo, afirmou estar muito feliz por vencer este evento internacional, recordando que enfrentou adversárias de Angola, na primeira luta, e de Portugal, na final. Disse que a medalha conquistada representa, para si, não apenas o reconhecimento como praticante de Taekwondo, mas também o símbolo de um longo período de esforço, treino e dedicação até alcançar a competição.
A jovem destacou o papel fundamental do seu treinador, a quem considera a sua maior inspiração, por a ter apoiado nos momentos difíceis, motivado e ajudado a manter a disciplina. “A sua dedicação e paciência mostraram-me que alcançar coisas boas exige esforço e respeito pelo tempo”, afirmou.
Ao recordar a rotina diária durante a preparação para os Jogos da CPLP, Deovia contou que, ao meio-dia, ia para a escola levando consigo a roupa de treino. “Depois das aulas, o autocarro transportava-me diretamente para o local de treino”, relatou.
A atleta acredita que o sucesso internacional pode contribuir para mudar perceções negativas sobre outras artes marciais atualmente proibidas de realizar atividades no país. “Quando os atletas timorenses conquistam medalhas ou representam o país a nível internacional, as pessoas começam a ver as artes marciais como uma fonte de disciplina e orgulho pela terra, e não de violência. Esta mudança de visão também pode dar confiança ao Governo e às instituições para apoiarem e investirem mais no Taekwondo e noutras modalidades”, frisou.
Quanto ao futuro, Deovia da Silva afirmou que pretende continuar a treinar, participar em competições internacionais e representar Timor-Leste, com o objetivo de se tornar atleta profissional e contribuir para o desenvolvimento do Taekwondo no país.

Outra grande vencedora da mesma modalidade foi Siera Nisa Pinto, de 16 anos, aluna da Escola Amigos de Jesus, que começou a treinar Taekwondo em 2022 no clube Eagle Global Transformation. Nos Jogos da CPLP 2025, conquistou o primeiro lugar, descrevendo o momento como um sentimento de gratidão, felicidade e orgulho, tanto pessoal como nacional.
“Uma medalha é um presente único que conquistei com sacrifício, paciência e uma mentalidade forte — algo que nem todos conseguem”, afirmou.
A atleta contou que um dos principais desafios na preparação foi a falta de uma alimentação rica em proteínas, essencial para o rendimento físico. “Sabemos que a alimentação é uma componente importante para apoiar a força de cada atleta”, sublinhou.
Na sua jornada no Taekwondo, Siera vê na treinadora a maior inspiração, pois ensinou-a a acreditar em si, a compreender o valor do que faz hoje e como isso vai influenciar o seu futuro. O seu objetivo é treinar ainda mais para levar o nome de Timor-Leste ao cenário internacional e mostrar que o país tem atletas capazes de conquistar reconhecimento.
Siera fez questão de destacar o apoio da família, que a incentiva a prosseguir no desporto. “Ser atleta não significa apenas carregar o nome da família, mas, um dia, carregar o nome de Timor-Leste perante muitas pessoas e mostrar que sou timorense”, afirmou.
Para ela, o Taekwondo é uma arte que, quando praticada com dedicação, conduz ao sucesso. “Espero que os praticantes de outras artes aproveitem estas experiências para que todos possamos viver em paz e harmonia”.
Deixou ainda uma mensagem às jovens timorenses: “Desafio todas a terem força de vontade e mentalidade para lutar pelos sonhos que querem alcançar no futuro”.
Sobre a decisão do Governo de encerrar atividades de algumas artes marciais, Siera afirmou compreender a medida. “O Governo viu algo errado e tomou essa decisão. Por isso, peço aos atletas de outros grupos que se respeitem mutuamente, pois Timor é um só e precisamos de defender o nome do país”, enfatizou.

Na modalidade de Karaté, Maricha Fátima Mota, de apenas 15 anos, aluna da escola CAFE de Díli e praticante desde 2020, destacou-se ao conquistar o primeiro lugar nos Jogos da CPLP.
“Sinto-me muito feliz e orgulhosa por ter conquistado o 1.º lugar na competição CPLP de Karaté”, afirmou com entusiasmo.
A jovem atleta revelou que a sua mãe foi determinante na escolha desta modalidade. “Ela incentivou-me a treinar como desporto e disse-me que, como mulher, devia aprender para me proteger de situações imprevistas”, contou.
Quanto à rotina diária, Maricha frequenta a escola no turno da tarde. “De manhã, reservo algum tempo para estudar; à tarde, vou para as aulas e, quando termino, sigo diretamente para o treino”, explicou.
Para ela, o sucesso internacional das artes marciais pode transformar a perceção pública sobre estas práticas. “Pode fazer com que deixem de ser vistas como um problema e passem a ser um desporto respeitável e prestigiado. As instituições também podem mudar de ideias e fazer muito para apoiar e desenvolver este desporto. Com isto, Timor-Leste poderá usar as artes marciais para contribuir mais para a nação e para a comunidade”, sublinhou.
Treinadores destacam desafios e conquistas dos atletas
A treinadora Celfia Freitas, do clube Eagle Global Transformation de Taekwondo, onde treina a vencedora Siera Nisa Pinto, recorda que o clube foi criado em 2022 e que os seus atletas foram selecionados após uma competição organizada pelo Ministério da Juventude, Desporto e Cultura (MJDC) para apurar os representantes timorenses para os Jogos da CPLP. Foi nesse contexto que Siera conquistou o primeiro lugar e garantiu a presença na prova internacional.
Quando chegou ao clube, Siera era tímida e sem coragem para competir, mas assídua nos treinos. “Como também sou mulher, incentivei sempre os atletas, sobretudo as meninas, a treinar. Pouco a pouco, ela ganhou experiência e venceu provas nacionais até alcançar esta conquista nos Jogos da CPLP. Fico muito feliz, porque ela concretizou um sonho e eu também”, afirmou.
Celfia explica que, para competições internacionais, o ideal seria um ano de preparação, mas, neste caso, os atletas tiveram apenas três meses. “Foi pouco, mas o resultado deixa-nos orgulhosos”, sublinhou.
A treinadora aproveitou para explicar a origem e características do Taekwondo, arte marcial desportiva da Coreia do Sul. “Tae significa pancada, Kwon pontapé e Do arte. Os atletas competem contra adversários da mesma idade e peso. Lutam com uniforme branco e gola preta”, disse.
Entre os principais desafios, destaca a falta de um espaço próprio para treinos e a ausência de equipamentos adequados, recorrendo às instalações de uma escola. “Já apresentámos estes problemas ao ministro e a doadores, mas ainda não tivemos resposta”, lamentou.
Sobre a proibição de alguns grupos de artes marciais pelo Governo, Celfia considera que as práticas são semelhantes, mas dependem da forma como são organizadas. “Se treinarmos para defesa pessoal, é melhor. O objetivo não é promover conflito”, frisou.
Outro treinador, Nilton Lemos, do clube Dojang KONI TLS, mostrou-se orgulhoso pela conquista da sua atleta Deovia da Silva nos Jogos da CPLP. Segundo ele, a preparação incluiu treinos intensivos no clube e três meses de estágio com a equipa nacional. “O resultado foi satisfatório e corresponde ao que nós, timorenses, esperamos”, afirmou.
Nilton acredita que o Taekwondo tem evoluído em Timor-Leste, com atletas a conquistar medalhas e boas classificações. Sublinha que, embora seja uma arte marcial, está direcionada para a prática desportiva. “Os atletas competem segundo regras, promovendo o desporto”, explicou.
Sobre Deovia, destacou o espírito de aprendizagem da atleta e a sua experiência em provas nacionais e internacionais. Antes de ser convocada para os Jogos da CPLP, Deovia venceu as eliminatórias nacionais na categoria de 46 kg e treinou com a seleção durante três meses. Nos Jogos, a equipa timorense alcançou dois primeiros lugares, um segundo e um terceiro.
Comparando o Taekwondo com outros grupos de artes marciais, Nilton disse que “não há diferença”, embora a aplicação da doutrina varie. Lembrou que alguns grupos foram proibidos por problemas de segurança, mas defende que também podem promover o desporto. “O Governo pode avaliar e integrá-los, já que também têm federação”, sugeriu.
O presidente da Federação de Taekwondo de Timor-Leste, Gabriel da Costa, explicou que os atletas foram escolhidos de acordo com critérios definidos pelo Governo e pela federação. “Selecionámos quatro atletas – duas mulheres e dois homens. As meninas ficaram em primeiro lugar e os rapazes em segundo”, informou.
Gabriel alerta que os bons resultados não devem ser encarados como meta final. “Os atletas têm de continuar a treinar para competir noutros eventos, como os SEA Games e os ASEAN Games”, afirmou.
A federação enfrenta dificuldades semelhantes às dos clubes: falta de espaço e de equipamentos. “Pelo menos, conseguimos alguns fundos para criar melhores condições”, disse.
Sobre a perceção negativa de certos grupos de artes marciais, Gabriel recorda que Timor-Leste teve bons resultados nos Jogos da CPLP e defende que todas transmitem boas doutrinas. “O importante é praticar com segurança. Taekwondo, Karaté ou Boxe são todas artes marciais. Outros grupos também podem ser promovidos como modalidades desportivas”, observou.
Quanto à possível reativação de grupos proibidos como o PSHT, o Kmanek Oan Rai Klaran (KORK) e o IKS-PTL, o presidente considera “indiscutível” que possam voltar a competir. “Alguns membros tiveram comportamentos inadequados, mas as organizações transmitem boas doutrinas. Espero que, este ano ou no próximo, o Governo permita a reativação para motivar atletas e garantir mais bons resultados internacionais”, concluiu.
Equipa timorense de Karaté conquista ouro e prata nos Jogos da CPLP – Treinador realça disciplina, preparação e desafios nas condições de treino
Na modalidade de Karaté, quatro atletas representaram Timor-Leste nos Jogos da CPLP. Uma atleta alcançou a medalha de ouro e os outros três conquistaram a prata.
O treinador da seleção nacional de Karaté, André da Silva, explicou que os atletas já vinham a treinar antes de se juntarem ao centro de preparação para os Jogos da CPLP. Antes de integrarem a seleção, passam por uma avaliação nos campeonatos nacionais, seguindo-se um período intensivo de treinos de três a quatro meses.
Segundo André, a federação seleciona inicialmente oito atletas para a pré-seleção, divididos em quatro titulares e quatro suplentes. A escolha final depende do desempenho no centro de treinos.
“Avaliamos a condição física, a técnica, a tática e o rendimento nas simulações. Se um titular não estiver ao nível exigido, podemos substituí-lo por um suplente mais preparado”, explicou.
Os atletas competiram na categoria sub-16, distribuídos pelas classes de peso: -55 kg e -60 kg para os rapazes, e -48 kg e -53 kg para as raparigas.
André admitiu que as condições de treino apresentaram dificuldades. O espaço disponível — um corredor do ginásio de Díli — estava sujo e empoeirado. “Ainda assim, utilizámo-lo porque a federação autorizou. Tivemos de limpar o pó e o lixo antes de cada sessão, mas sempre com receio do impacto na saúde dos atletas”, revelou.
O treinador salientou que o valor das artes marciais vai muito além da competição. “O desenvolvimento das artes marciais não depende apenas de uma pessoa. Todas as modalidades são positivas; o que conta é a forma como cada indivíduo as pratica. O Karaté, quando serve de motivação para os jovens, sobretudo para os que querem competir, é extremamente benéfico. Eles percebem que estão no caminho certo e que o desporto é um meio de crescimento pessoal e coletivo”, sublinhou.
Por fim, André lembrou que cada organização de artes marciais tem a sua própria doutrina, que deve ser seguida com rigor. No Karaté, existem cinco princípios fundamentais. “Se não forem respeitados, surgem desvios. Garantimos que todos os atletas mantenham a disciplina e sigam os valores definidos pela organização e pela federação”, concluiu.
Artes marciais: símbolo de inclusão, cultura e valores, não de violência, defende ativista
O ativista Jacson Tavares defendeu que as artes marciais, para além de serem uma atividade desportiva, têm uma forte ligação cultural e histórica com cada país. Recordando a história da Antiga Grécia, referiu que a prática estava associada ao “Deus da Guerra” e tinha como objetivo principal a defesa pessoal, servindo também para proteger em situações de ameaça. “As artes marciais são o resultado da evolução da sociedade de um país e um produto histórico”, afirmou.
Em Timor-Leste, Jacson Tavares destacou o papel de inclusão social destas práticas, que, segundo ele, oferecem oportunidades iguais a homens, mulheres, pessoas com deficiência e grupos vulneráveis. “As artes marciais ensinam não só a defender, mas também a trabalhar em equipa e a solidarizar-se com os outros”, explicou, exemplificando com o apoio financeiro ou físico prestado a famílias em dificuldades.
O ativista criticou a decisão do Estado de proibir algumas organizações, permitindo apenas que modalidades como Taekwondo e Karaté participem em competições nacionais e internacionais. Para ele, esta escolha representa discriminação e falta de capacidade de liderança. “Todas as artes marciais são iguais. O problema não está nas artes marciais, mas na incapacidade de alguns jovens distinguirem o certo do errado e na ausência de emprego”, sublinhou.
Segundo Jacson Tavares, existem duas razões principais para o encerramento de determinados grupos: o uso político das artes marciais para fins de campanha e a utilização de episódios de violência como pretexto para encobrir a falta de políticas de emprego juvenil. “O Governo deveria promover jovens talentosos de todas as modalidades para que também tivessem a oportunidade de competir em nome do Estado”, defendeu.
Para o ativista, o sucesso internacional das artes marciais pode transformar perceções negativas e inspirar a juventude a praticar de forma positiva. Recomendou ainda que, além do treino físico, seja fornecida formação teórica aos atletas, com foco em valores humanos como cooperação, respeito e solidariedade. “O desporto deve ser usado como prática para libertar as pessoas, eliminar a violência e ajudar os mais frágeis”, sublinhou.
Jacson Tavares rejeitou a associação direta entre artes marciais e violência, atribuindo os problemas a falhas no sistema educativo e à falta de oportunidades para os jovens. “Na verdade, muitos acabam por consumir álcool e causar distúrbios porque não têm orientação nem emprego”, concluiu.
