Criatividade e resiliência reforçam independência económica em Timor-Leste

Grupos de jovens produtores de vários municípios dialogam com parceiros de desenvolvimento e com o Governo na exposição/Foto: Diligente

Exposição em Oé-Cusse dá palco a produtores de 12 municípios, maioritariamente mulheres e jovens, que apresentaram os seus produtos, partilharam desafios e reivindicaram mais apoio do Governo para impulsionar o setor produtivo nacional.

A exposição, intitulada “Promove Foinsa’e iha Setor Produtivu”, organizada pelo Instituto Mata Dalan (MDI) em parceria com a Oxfam, AJTL, APFTL e outros parceiros de desenvolvimento, constituiu uma plataforma crucial para os produtores apresentarem alimentos e produtos locais e discutirem a sustentabilidade dos seus negócios. Durante um dia, 22 grupos exibiram artigos que vão desde comidas tradicionais a peças de artesanato, símbolos do orgulho timorense que raramente chegam ao mercado nacional.

Mais do que uma simples mostra, o evento abriu um espaço de diálogo entre produtores, Governo e parceiros de desenvolvimento, para identificar desafios como a limitação de capital, a falta de equipamento de produção e o acesso restrito ao mercado. Ficou claro que mulheres e jovens assumem um papel central na revitalização do setor produtivo de Timor-Leste e no incentivo à diversificação da economia nacional.

O diretor do Instituto Mata Dalan, Estevanus Coli, destacou que a exposição foi possível graças a um esforço colaborativo entre grupos de jovens e parceiros de projetos locais. “Esta exposição cria um espaço de diálogo entre os grupos de jovens produtores, o Governo e os parceiros, para construir um compromisso e um pensamento partilhado no desenvolvimento do setor produtivo e incentivar a diversificação económica nacional”, afirmou.

Estevanus sublinhou que o processo é demorado, mas indispensável para complementar os setores produtivos que já deram contributos significativos. “O desenvolvimento do setor produtivo não é responsabilidade exclusiva do Governo, mas também das cooperativas, dos grupos de jovens e da comunidade em geral. O Governo atribui um orçamento considerável todos os anos, mas grande parte ainda é absorvida por setores que não apoiam a diversificação económica. É necessário canalizar mais investimento para a agricultura, o turismo e outros setores produtivos”, explicou.

Também o diretor da Oxfam Timor-Leste, Pankaj Anand, considerou a iniciativa uma oportunidade relevante. “Esta exposição oferece um espaço para que os jovens, especialmente os grupos de produtores, possam dialogar diretamente com decisores governamentais, partilhar sucessos e expor desafios. Estes diálogos são cruciais para que o Governo preste maior atenção às suas necessidades”, disse. Anand acrescentou que eventos como este podem abrir oportunidades de apoio que vão desde a formação técnica ao financiamento. “Timor-Leste é uma nação de jovens cheios de energia e ideias inovadoras que podem promover a mudança”, afirmou.

Visitantes exploram produtos locais expostos/foto: Diligente

Orgulho cultural e produtos locais em destaque

Maria Tasain, do grupo Natnopo de Oé-Cusse-Ambeno, fundado em 2010, expôs produtos emblemáticos como Tais Feto e Tais Mane, além de comidas tradicionais como o lácutoban (mandioca cozida no vapor com coco e açúcar).

“Produzimos lácutoban e tecemos Tais, que vendemos em mercados locais e em várias exposições. O dinheiro obtido é distribuído em junho, e cada membro recebe entre 600 e 700 dólares, conforme acordado”, explicou Maria.

Ainda assim, reconheceu as dificuldades: “Por vezes, os nossos produtos não são comprados. Normalmente, só a carne de porco vende rapidamente, enquanto o Tais e o lácutoban ficam para trás. Queremos levar os nossos produtos a outros municípios, mas até agora não houve atenção do Governo”, lamentou.

Francisco de Assis, visitante de Bobonaro, destacou a relevância do evento: “Esta exposição é motivo de orgulho. Vemos mulheres a vender produtos que fazem parte do nosso quotidiano, mas que raramente são promovidos.”

Através desta exposição, vários alimentos locais de Oé-Cusse também se tornaram mais conhecidos. Francisco citou o Koto Ransu e o Koto Metan como exemplos. “Vejo frequentemente Koto Ransu em Bobonaro, mas só agora descobri o Koto Metan aqui”, acrescentou.

Também Flávia Fátima Belo, de Ermera, elogiou a qualidade dos artigos de Oé-Cusse: “As mulheres e jovens criativas de Oé-Cusse produzem artigos extraordinários. Admiro muito o seu esforço.” Na exposição, Flavia ficou também a saber mais sobre a ai-farina, que é processada em bolachas e de um alimento cozido a vapor chamado lácutoban.

Criatividade enfrenta falta de apoio e meios de produção

Na exposição de dois dia, grupos criativos de 12 municípios, incluindo Oé-Cusse, partilharam os desafios que enfrentam, desde a falta da maquinaria de produção, o acesso ao financiamento, marketing, formação e instalações de apoio.

Um dos grupos, o FOSTAL, que atua há seis anos no setor agrícola com sete membros, destacou a necessidade de equipamentos de produção. “As coisas estão a correr bem, mas ainda precisamos de maquinaria que nos ajude a aumentar a produção”, disse Zélia Ribeiro, membro do FOSTAL.

Acrescentou que, embora consigam agora criar os seus próprios empregos, ainda é necessário apoio. “Esperamos que o Governo forneça instalações que apoiem a nossa criatividade, para que os jovens possam continuar a desenvolver o sector produtivo do país”, disse.

O Fórum Juventude Deficiência de Timor-Leste (FJDTL), que se centra na produção de café e costura, foi fundado em 2019 em Município de Ermera. O grupo tem 10 membros, oito dos quais são pessoas com deficiência.

O diretor do FJDTL, Marcos de Jesus, explicou que toda a produção ainda é feita manualmente devido à limitação de equipamentos. “Todos os membros trabalham voluntariamente com total empenho, mas ainda recebem apenas uma parte do rendimento. O rendimento do grupo pode chegar aos 120 dólares, que são utilizados para necessidades partilhadas”, disse.

Desafios semelhantes são enfrentados pelo grupo EAMO (Ermera Ai Kulat Mutin Orgániku), fundado em 2018 e composto por 10 jovens. Mateus Soares, um dos membros, afirmou que a limitação de maquinaria obriga a que a produção dependa exclusivamente de trabalho manual.

Segundo Mateus, a estação das chuvas é acaba por ser vantajosa, porque as temperaturas são mais favoráveis ​​à produção, em contraste com o difícil verão.

“Os resultados da produção são mais garantidos durante a estação das chuvas porque as temperaturas são mais favoráveis, ao contrário do verão.”

Os grupos de jovens sublinham que o apoio não deve ser apenas financeiro, mas também incluir oportunidades e formação para que a sua criatividade possa ser utilizada para o desenvolvimento mais amplo de Timor-Leste.

Recomendações dos jovens produtores

Além de abordarem os desafios, os grupos de jovens fizeram também uma série de recomendações. O Diretor da FJDTL enfatizou a importância da atenção do Governo à criatividade das pessoas com deficiência.

“Até agora, muitas pessoas ainda presumem que as pessoas com deficiência não podem ser ativas. Na realidade, são capazes de realizar trabalho físico e algumas até gerem negócios para satisfazer as suas necessidades de subsistência e aumentar os seus rendimentos, tanto económicos como familiares. Por isso, pedimos ao Governo que dê prioridade às atividades para as pessoas com deficiência. Queremos também que se envolvam em atividades como esta para que possam partilhar os seus próprios desafios”, explicou.

Os membros da EAMO também apresentaram recomendações, solicitando apoio governamental contínuo, dado que o grupo possui as competências e o conhecimento para processar produtos naturais. “Vivemos na era digital, por isso precisamos de apoio para transformar produtos tradicionais em produtos mais modernos”, disse um membro.

Francisco de Assis acrescentou: “Como timorenses, devemos promover a nossa identidade para que o mundo saiba que isto é Timor.”

Por sua vez, Flávia Fátima Belo recomendou que os produtos produzidos em Oé-Cusse sejam comercializados noutros municípios, e vice-versa, para fomentar o intercâmbio de produtos e o conhecimento mútuo entre regiões.

Resposta da Secretaria de Estado da Cooperativa.

O Chefe de Gabinete da SECoop, Leovolgido Belarmino, explicou que muitas cooperativas operam atualmente de forma semelhante às micro, pequenas e médias empresas. No entanto, a SECoop mantém o foco no desenvolvimento cooperativo.

Segundo o dirigente, existem sempre desafios dentro de grupos e cooperativas com dois ou mais membros, incluindo a promoção do mercado, o acesso a financiamento, a qualificação técnica e a gestão. O papel da SECoop é garantir a legalidade através de regulamentos, apoiar na formação de cooperativas para garantir a autonomia e facilitar a formação básica em gestão cooperativa, liderança e contabilidade.

“Também auxiliamos grupos até que estejam formalmente registados no Ministério da Justiça e auxiliamos aqueles que já operam negócios na obtenção de certificados empresariais SERVE”, explicou.

O responsável enfatizou a importância da colaboração para melhorar a qualidade da produção rural. A SECoop tem investido no aumento da produção agrícola e trabalha para atrair mais grupos e cooperativas a participar neste setor.

Explicou ainda que uma das tarefas da SECoop é canalizar o apoio através de transferências públicas. No entanto, o Governo está a implementar uma nova política em que alguns recursos são disponibilizados através dos bancos. Por isso, os grupos, empresas e cooperativas de pequena e média dimensão precisam de apresentar um plano de negócios claro. “Não se pode simplesmente realizar uma atividade e esperar resultados. É preciso ter um plano de negócios para que os investimentos gerem retorno. Para isso, a SECoop está a disponibilizar 1,1 milhões de dólares em transferências públicas aos empresários de micro e pequenas e cooperativas existentes”, disse.

Cada grupo pode solicitar um apoio que varia entre 1.000 e 20.000 dólares, mas deve cumprir requisitos rigorosos. Uma equipa dedicada realiza a verificação no terreno para garantir que as atividades estão realmente a decorrer antes da distribuição dos fundos.

Belarmino realçou que a SECoop trabalha com parceiros, e não como produtora. O foco está na facilitação através da formação, capacitação e colaboração com ministérios relevantes, como a Ministério Agricultura e Pescas e outros parceiros de desenvolvimento, tanto nacionais como internacionais.

O Secretário de Estado da Formação Profissional e Emprego (SEFOPE), Rogério Araújo Mendonça, afirmou que todos os anos a SEFOPE convida as autoridades para participar num programa de formação para autoemprego, desenvolvimento de competências e empreendedorismo.

“Todos os anos, a SEFOPE convida as autoridades locais a participar neste programa. Este programa é implementado de forma contínua para que possamos identificar os jovens que já receberam formação em centros de capacitação e aqueles que pretendem aumentar a produção nas suas aldeias e sucos. A partir desta identificação, o Governo pode determinar quem realmente precisa de apoio, incluindo assistência financeira, para desenvolver os seus negócios”, disse.

“Queremos garantir que o desenvolvimento não se limita ao nível municipal, mas chega a todos os postos. Cada grupo beneficiário pode receber até 4.000 dólares americanos de assistência, dependendo da proposta, localização e equipamento necessário. A decisão de prestar esta assistência é tomada não só pela SEFOPE, mas também pela Comissão Nacional de Avaliação Técnica, que avalia cada proposta”, explicou.

O Presidente da RAEOA, Regio da Cruz, salientou a importância da promoção profissional e do fortalecimento dos empresários locais. Opôs-se à necessidade de abrir estradas para as comunidades transportarem os seus produtos, uma vez que os mercados devem ser para as próprias pessoas.

“Opomo-nos à construção de estradas que dificultem às comunidades o transporte dos seus produtos locais para o mercado. Os mercados devem estar onde as pessoas estão. Não podem situar-se a quilómetros de distância, como se estivessem noutro continente, afastados das próprias comunidades. Os mercados pertencem às pessoas. Por isso, a formação profissional e o desenvolvimento de competências orientadas para o empreendedorismo devem ser institucionalizados”, afirmou Regio.

O presidente da RAEOA acrescentou que a região se prepara para lançar um novo programa. “Até ao final deste mês, concluiremos a formação de um grupo técnico para preparar o lançamento do Movimento de Empreendedorismo de Oé-Cusse. Este é o compromisso da RAEOA com o Primeiro-Ministro, Kay Rala Xanana Gusmão, para promover o desenvolvimento de Oé-Cusse como uma zona económica especial”, sublinhou.

A exposição terminou com uma conferência de imprensa organizada pelos grupos participantes e pela RAEOA, que reafirmaram o compromisso conjunto de reforçar o setor produtivo em Timor-Leste. Através de uma declaração conjunta, os jovens produtores apelaram ao Governo para que alargue o acesso à formação, ao apoio financeiro e a políticas que facilitem a comercialização dos produtos locais nos mercados nacionais e internacionais.

Solicitaram ainda que os ministérios relevantes — incluindo a SEFOPE, a SECoop, a MCI e outras instituições de apoio — concentrem esforços no desenvolvimento do empreendedorismo e da inovação a nível das aldeias. O objetivo é garantir que o investimento na criatividade dos jovens impulsione a diversificação económica e reduza a dependência do país em relação ao setor do petróleo e do gás.

Esta exposição constituiu a segunda fase do evento iniciado em Rabilau e contou com o apoio de vários parceiros, entre os quais o Instituto Mata Dalan, que disponibilizou 38 milhões de dólares americanos em financiamento. Para além da mostra, o programa incluiu reuniões com comunidades locais e autoridades regionais para debater estratégias de desenvolvimento de infraestruturas e de diversificação económica.

A visita a Palaban, posto administrativo de Pante Makassar, na Região Administrativa Especial de Oé-Cusse-Ambeno (RAEOA), decorreu entre 21 e 25 de setembro e foi uma iniciativa da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL), em parceria com a Oxfam Timor-Leste. Inserida no programa de visitas à imprensa, a atividade culminará com a entrega de prémios de jornalismo a repórteres pela qualidade e abrangência da sua cobertura.

A iniciativa, organizada pela AJTL e financiada pela Oxfam através do projeto HAKFOUN, no valor total de 21.000 dólares, apoia uma série de atividades que começaram com a inauguração do Centro de Media em Díli, prosseguiram com ações em Rabilau e Oé-Cusse, bem como a produção de podcasts pela AJTL ao longo do ano. Todo este trabalho de promoção culminará com os Media Awards, em dezembro de 2025.

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