O Governo garante que a chegada do cabo submarino vai reduzir custos e melhorar a qualidade da internet, mas especialistas alertam: sem um Ponto de Troca de Tráfego (IXP), o serviço continuará caro e lento.
Timor-Leste regista a taxa mais baixa de acesso à internet de banda larga na região da Ásia-Pacífico, de acordo com um relatório da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), publicado em 2022.
No país, um pacote mensal de internet ilimitada custa, no mínimo, 20 dólares americanos — um valor elevado tendo em conta a fraca qualidade do serviço e o nível de vida da maioria da população. Para comparação, o salário mínimo nacional é de apenas 115 dólares.
O documento sublinha ainda que “a maioria das empresas de telecomunicações depende do satélite para a conetividade internacional, relativamente cara e com largura de banda limitada, o que afeta a disponibilidade e a qualidade do tráfego de dados”.
O diretor Nacional da Infraestrutura de Comunicações, Ambrósio Manuel Barreto Amaral, explicou que as três operadoras — Timor Telecom, Telkomcel e Telemor — fornecem atualmente um total de 40 Gigabits por segundo (Gbps).
O projeto do Cabo Submarino do Sul de Timor-Leste (TLSSC), instalado em Bebonuk, Díli, no ano passado, liga a capital timorense a Darwin, na Austrália, através do mar de Timor. A infraestrutura tem uma capacidade total de 13,5 Terabits. Na primeira fase da implementação da internet por fibra ótica, o Governo vai comprar da Austrália 800 Gbps de capacidade.
No entanto, especialistas alertam que a chegada do cabo submarino, por si só, não garante internet mais barata e rápida. Vidal Gomes, ex-administrador técnico da Autoridade Nacional de Comunicações (ANC), defende que o país precisa de criar um Ponto de Troca de Tráfego (IXP).
“Não há internet melhor do que a da fibra ótica. Mas, sem um IXP, o cabo não funciona plenamente, porque o IXP garante que os dados não precisam de viajar até ao estrangeiro e regressar. As trocas podem ser feitas localmente”, explicou.
Um IXP é uma infraestrutura física que permite que os provedores de internet (ISPs), empresas de conteúdos e outras redes troquem tráfego diretamente entre si, sem depender de intermediários no estrangeiro.
Vidal Gomes, com mais de uma década de experiência na área, lembrou que Timor-Leste ainda não tem um IXP, obrigando todas as trocas de dados a passarem por outros países. “A Telemor usa fibra ótica subterrânea da TELIN (Telkomcel), ligada de Batugede até Atambua e Kupang, e que chega a Jakarta. Mas há muitos pontos de ligação e isso afeta a qualidade e o preço da internet, por causa da maior latência”, afirmou.
Segundo o especialista, tanto os cabos subterrâneos como os aéreos transportam uma capacidade muito inferior à dos cabos submarinos, o que limita ainda mais a velocidade e a fiabilidade da ligação.
Partilhando a mesma visão, Fernando Ximenes, cofundador da Rede Esperança — fornecedora de internet gratuita para comunidades rurais e escolas — defendeu que a Autoridade Nacional de Comunicações (ANC) ou a empresa Cabo de Timor-Leste devem criar um Ponto de Troca de Tráfego (IXP), condição que considera essencial para garantir uma internet rápida.
“O nosso mercado é pequeno, a internet é usada apenas para coisas básicas do dia a dia. Por isso, os fornecedores oferecem dados limitados, com preços que possam dar retorno às empresas”, observou.
Também Ambrósio Manuel Barreto Amaral, diretor Nacional da Infraestrutura de Comunicações, concordou que o IXP é necessário para reforçar a soberania e o controlo sobre a internet que o país recebe. No entanto, ressalvou que, mesmo sem esse equipamento, é possível ter acesso a uma ligação rápida e acessível.
“Agora, com apenas 40 Gbps e sem termos um IXP, a internet às vezes está rápida, outras vezes lenta. Mas imagine com 800 Gbps: mesmo sem IXP, podemos ter acesso a uma internet de qualidade, através do intermediário VOCOS, empresa que também está a lidar com o projeto”, afirmou.
O responsável do DNIC acrescentou que o uso efetivo da fibra ótica poderá começar no final de setembro, embora a decisão final dependa da empresa Cabo de Timor-Leste (CTL).
O preço em discussão
Apesar de ainda não estar definido o valor a que o Governo vai disponibilizar a internet aos fornecedores, o diretor nacional da Infraestrutura de Comunicações assegurou que os custos vão descer significativamente. Ambrósio Manuel Barreto Amaral explicou que, na semana passada, o Executivo reuniu-se com os provedores de internet para avaliar a quantidade de largura de banda que cada empresa está disposta a adquirir. Atualmente, existem cerca de 20 fornecedores de internet em Timor-Leste.
“A partir daí, a empresa Cabo de Timor-Leste vai elaborar o plano de negócios e definir o preço por megabit”, adiantou Ambrósio Amaral. Acrescentou ainda que o Governo está a adquirir internet de empresas que utilizam fibra ótica em conjunto com micro-ondas, e destacou que os preços têm vindo a cair ao longo dos anos. Em 2016, o Estado pagava 672 dólares americanos por megabit por segundo, enquanto atualmente o valor baixou para menos de 80 dólares. “Talvez, com a fibra ótica, o preço possa cair ainda para metade”, estimou.
Na mesma linha, Vidal Gomes, assessor do Conselho de Administração da Viettel Timor (Telemor), revelou que a empresa está preparada para comprar 50 Gbps — um salto significativo, tendo em conta que atualmente fornece menos de 200 Mbps por estação rádio-base de celular (BTS – Base Transceiver Station) aos seus clientes. No entanto, frisou que o investimento das empresas dependerá do preço final que o Governo, através da Cabo de Timor-Leste, estabelecer.
“Temos comprado internet a preços entre 120 e 150 dólares por megabit por segundo. Se o Governo vender a 50 dólares ou até 20 dólares por megabit, os pacotes poderão ser muito mais baratos”, afirmou. O técnico acrescentou que a utilização da fibra ótica garantirá não apenas preços mais acessíveis, mas também maior velocidade. “Com fibra ótica, já não vamos ter medo do Starlink”, disse.
Segundo Vidal Gomes, com uma boa gestão, o Estado poderá recuperar o investimento de 43 milhões de dólares no cabo submarino em apenas cinco anos.
O especialista defendeu ainda a criação de um centro de dados para garantir a segurança digital dos utilizadores. “Com os atuais 40 Gbps que entram diariamente e que todos consumimos, já não nos sentimos seguros. É necessário um centro de dados que regule a fibra ótica, a sua venda aos operadores e que assegure a cibersegurança, filtrando as informações que entram pelo cabo submarino e detetando hackers, entre outras ameaças”, sublinhou.
Ambrósio Amaral confirmou que o Governo tem em vista a criação de três centros de dados para gerir a internet em todo o território nacional: um principal, em Díli, e dois de recuperação, em Maliana e Baucau. “São projetos de grande dimensão e talvez exijam mais de 50 milhões de dólares. Mas acredito que, até ao final do mandato do IX Governo, conseguiremos lançar as bases desses centros”, afirmou.
O diretor do DNIC acrescentou ainda que, em paralelo, é urgente avançar com uma lei específica de cibersegurança.
Fibra ótica para o futuro
Para Vidal Gomes, a chegada da fibra ótica representa não apenas maior capacidade de internet, mas também um desafio aos utilizadores. O técnico sublinhou que o verdadeiro potencial da rede deve ser aproveitado para impulsionar a economia digital e não apenas para consumo de redes sociais como Facebook, YouTube ou TikTok.
“O Governo deve criar políticas de e-commerce que estabeleçam normas e leis para incentivar o comércio eletrónico, através de aplicações de venda de bens, comida, transportes, entre outros serviços”, defendeu. Alertou ainda que o Facebook, apesar de incluir o marketplace, não deve ser confundido com comércio eletrónico. “Os produtos vendidos lá podem ser verdadeiros ou uma fraude”, advertiu.
Ambrósio Manuel Barreto Amaral acrescentou que, com a fibra ótica, será também possível implementar sistemas de pagamento digital, facilitando as transações online e dinamizando o comércio eletrónico no país. “Acredito que tudo isto pode acontecer antes do fim do mandato do atual Governo”, afirmou.
O diretor do DNIC revelou ainda que, em 2021, o Google chegou a questionar se Timor-Leste reunia condições para que os seus criadores de conteúdo pudessem receber pagamentos através das redes sociais, devido à lentidão da internet. “Graças aos progressos da fibra ótica, os jovens criativos vão poder ganhar dinheiro diretamente a partir do telemóvel. Já na próxima segunda-feira, haverá um seminário com representantes do Google sobre esta matéria”, adiantou.
Ambrósio Amaral salientou também que a procura por internet continuará a crescer de forma exponencial. “Talvez os 13,5 Terabits da capacidade total do cabo submarino não sejam suficientes no futuro, porque pretendemos vender internet não só para consumo interno, mas também para o estrangeiro”, referiu.
Gestão de riscos
Para Vidal Gomes, todos os investimentos apresentam riscos, mas no caso da fibra ótica não existe perigo direto para a vida, uma vez que a transmissão é feita por fios. “A internet via satélite é que representa perigo, porque envolve radiação e ondas livres”, explicou o especialista.
Acrescentou que o grande desafio está na elevada quantidade de energia necessária para assegurar o funcionamento e a sustentabilidade do cabo submarino, dada a enorme capacidade de internet que transporta.
Já Fernando Ximenes chamou a atenção para outro problema: a desorganização dos fios suspensos. Considera que esta situação deve ser resolvida rapidamente para garantir segurança e eficiência.
O diretor do DNIC, Ambrósio Manuel Barreto Amaral, concordou com a necessidade de melhorias e defendeu a criação de uma lei que regule a montagem e a gestão dos cabos. “Pelo menos devíamos amarrar os fios, e as empresas devem substituir os cabos danificados, em vez de os deixarem abandonados nos postes”, sublinhou. Revelou ainda que uma equipa conjunta da Autoridade Municipal de Díli, da Secretaria de Estado de Toponímia e Ordenamento Territorial e do Ministério dos Transportes e Comunicações está a analisar a questão.
O responsável recordou que já foi testado um projeto-piloto para enterrar cabos ao longo da estrada de Bidau até Becora, mas os custos revelaram-se demasiado elevados, já que os cabos subterrâneos têm de ser mais resistentes do que os suspensos. “Teríamos de comprar tudo de novo, e só o DNIC possui cerca de 40 quilómetros de cabos de fibra ótica”, observou.
Apesar disso, Ambrósio Amaral garantiu que não haverá mais cabos no imediato, mas sim melhor aproveitamento da largura de banda existente. Sublinhou que o Projeto de Conectividade Nacional, atualmente na sua oitava fase, visa ligar todas as agências públicas do país através de fibra ótica aérea, preparando a transição para um sistema integrado de digitalização que assegure maior segurança e autonomia.
Segundo o diretor, até ao final deste ano, ou no máximo até março de 2026, o projeto deverá conectar cerca de mil agências públicas, todos os subdistritos, 66 escolas e 77 centros de saúde.


