A nutrição melhorou em Timor-Leste, mas a fome ainda é grave e nanismo mantém-se nos 46,7%

O IGF 2024 alerta para a impossibilidade de conseguir alcançar a meta de Fome Zero em 2030/Foto: Gonçalves UNICEF 2020

Timor-Leste regista níveis sérios de fome, revela o Índice Global de Fome (IGF) de 2024. O nanismo, um dos indicadores do IGF que avalia a percentagem de crianças com menos de cinco anos com uma estatura baixa para a sua idade mantém-se nos 46,7%, sendo considerado “extremamente elevado”.

O IGF atribui a Timor-Leste 27 pontos, situando-se na 104.ª posição entre os 127 países analisados, o que representa uma melhoria em relação a 2023, ano em que registava uma pontuação de 29,9 e apresentava o segundo pior índice entre os países asiáticos, superado apenas pelo Afeganistão.

Além do nanismo, resultante de desnutrição crónica, o IGF analisou outros indicadores como a subnutrição, a insuficiente ingestão de calorias, que afeta 15,9% dos timorenses. Já 8,3% das crianças com menos de cinco anos têm um peso baixo para a sua altura, fruto de uma subnutrição aguda. A percentagem de crianças timorenses que morrem antes do seu quinto aniversário, em resultado de uma nutrição inadequada e de ambientes pouco saudáveis, é de 4,9%.

Recordando que Timor-Leste tem uma das mais altas percentagens de nanismo do mundo, um relatório do Banco Mundial de março de 2024 alerta para a necessidade de investir na nutrição materna e infantil para prevenir o atraso no crescimento infantil e promover o desenvolvimento do cérebro. O nanismo está associado à redução da aprendizagem e à perda de produtividade na idade adulta, afetando o capital humano e o desenvolvimento económico de longo prazo do país.

Vários fatores explicam a gravidade da fome em Timor-Leste. Entre novembro de 2023 e abril deste ano, 27% da população timorense enfrentou dificuldades no acesso a uma alimentação adequada, segundo a Classificação da Fase de Segurança Alimentar Integrada (IPC, sigla em inglês). Em termos absolutos, cerca de 360 mil pessoas sofreram de insegurança alimentar aguda, causada por “condições semelhantes à seca, preços elevados dos alimentos, deslizamentos de terra e inundações resultantes de chuvas intensas”.

Para se alimentar convenientemente, uma família timorense precisava, em 2019, de cerca de 168 dólares mensais. O estudo “Preencher as lacunas nutricionais de Timor-Leste” desse ano, conduzido por várias entidades governamentais e não governamentais, dá conta que uma família de cinco pessoas residente em Díli necessita de 60 dólares mensais para se alimentar só de arroz e óleo. Uma dieta nutritiva custa 211 dólares. Em todos os municípios estudados, os custos de uma alimentação saudável ultrapassam o salário mínimo nacional: 115 dólares mensais.

Fonte: Nações Unidas e Governo de Timor-Leste (dados de 2019)

Timor-Leste tem o segundo pior índice de fome do sudeste asiático, só superado pelo Camboja. O IGF assinala que, nesta região, “a fome grave reflete o aumento da desnutrição e a subnutrição infantil persistentemente elevada, impulsionada pela má qualidade da dieta, pelos desafios económicos e pelo impacto crescente das catástrofes naturais”.

Na região, “a acessibilidade a uma dieta saudável está abaixo da média mundial, apesar do crescimento económico na região”, aponta o relatório, indicando que o direito à alimentação não está a ser cumprido.

“As perspetivas para a fome zero são cada vez mais sombrias”

Globalmente, a média da taxa de fome diminuiu de 18,8% em 2016 para 18,3%, este ano, segundo o relatório do IGF. No entanto, a tendência indica que o objetivo de Fome Zero até 2030 “parece inalcançável”, prevendo-se que “o mundo não atinja sequer um nível baixo de fome antes de 2160 – daqui a mais de 130 anos”.

Em Timor-Leste, o investimento na saúde e na agricultura continua a ser insuficiente. Atualmente, o orçamento alocado para a agricultura é de apenas 2,1%, e a proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2025 mantém essa percentagem, um valor insuficiente para um setor tão crucial.

A Organização Não Governamental (ONG) La’o Hamutuk, no âmbito do Dia Mundial da Alimentação, celebrado a 16 de outubro com o tema “Direito à alimentação para uma vida e um futuro melhor”, alertou para a necessidade de maior investimento na agricultura a fim de garantir o direito à alimentação. O investigador da ONG para os setores da agricultura, terreno e economia, Mariano Ferreira, destacou que muitas pessoas em Timor-Leste continuam a ter dificuldades no acesso a alimentos adequados e nutritivos, o que poderá ter impactos negativos no futuro.

Para a ONG, o Governo e o Parlamento Nacional devem promover discussões mais amplas e aprovar um orçamento que responda de forma adequada às necessidades do setor agrícola. Timor-Leste dispõe de 80 mil hectares de áreas com potencial para a produção de arroz e 200 mil hectares para o milho, mas apenas 30 a 40 mil hectares de cada cultura são explorados, apresentando uma taxa de produtividade reduzida de 34,6%, segundo os dados da La’o Hamutuk.

O baixo investimento resulta numa oferta insuficiente para responder às necessidades de consumo interno, o que leva à dependência significativa das importações. Segundo o relatório trimestral de 2023 sobre segurança alimentar, do Ministério da Agricultura e Pescas, a produção agrícola anual é de 49,1 mil toneladas, enquanto o consumo é de 142 mil toneladas por ano, o que obriga à importação de bens alimentares.

De acordo com os dados da Comtrade, a divisão de estatística das Nações Unidas, Timor-Leste registou, em 2021, importações no valor de 702 milhões de dólares americanos, dos quais 74 milhões corresponderam a produtos alimentares (9,9%) e 100 milhões a produtos agrícolas (13,5%).

A La’o Hamutuk defende também um maior investimento na capacitação e formação dos agricultores, pescadores e criadores de gado, de forma a aumentar a produção e promover uma gestão sustentável dos recursos.

Aponta, além disso, para a necessidade de resolver problemas estruturais, como a falta de água, a carência de equipamentos de embalagem e de testes de nutrição, bem como a melhoria das estradas que dão acesso aos mercados.

“É essencial identificar e facilitar a distribuição dos produtos agrícolas e pecuários, pois temos alimentos nutritivos”, afirmou Mariano Ferreira. Apesar da alta dependência das importações, a percentagem de crianças com menos de cinco anos a sofrer de desnutrição crónica atinge os 40,1%. “As crianças são o futuro deste país, mas, na realidade, muitas crianças estão a sofrer de desnutrição crónica, o que prejudica o seu crescimento”, salientou o investigador.

Adicionalmente, cerca de 42% dos timorenses vivem abaixo da linha da pobreza, encontrando-se numa situação de vulnerabilidade social, conforme aponta o Índice da Pobreza Multidimensional (MPI, em inglês), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023. O Índice de Desenvolvimento Humano mais recente revela que grande parte da população sobrevive com 1,60 dólares por dia, muito abaixo da linha da pobreza internacional, fixada em 2,15 dólares por dia.

A La’o Hamutuk concluiu que uma das soluções para estes problemas passa por um maior investimento no setor agrícola, com o objetivo de aumentar a produção de alimentos saudáveis e, assim, ​​reduzir a má nutrição e a subnutrição crónica. Ao mesmo tempo, este investimento pode melhorar os rendimentos dos agricultores e criar mais postos de trabalho para os timorenses, especialmente para os jovens, que cada vez mais procuram oportunidades de emprego no estrangeiro.

O Índice Global de Fome recomenda, por sua vez, a criação de “sistemas alimentares equitativos, nutritivos e resistentes, mesmo no contexto de um clima em mudança e de uma geopolítica turbulenta”. O relatório sugeriu também promover a justiça de género, que pode beneficiar a produção agrícola, a segurança alimentar, os regimes alimentares e a nutrição infantil, sendo um instrumento importante para a redução da fome.

“Garantir o direito à alimentação para todos exigirá um pensamento inovador e uma ação determinada para enfrentar os desafios dos conflitos e das alterações climáticas, melhorar a governação e gerar soluções duradouras para as crises que temos pela frente”, concluiu o IGF.

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