Trabalhadores da recolha de lixo exigem condições dignas

Sem equipamentos de proteção, os trabalhadores estão sujeitos a vários riscos /Foto: DR

Os trabalhadores da recolha de lixo, em Díli, são obrigados, todos os dias, a exercer funções sem usar nenhum tipo de equipamento de proteção individual, o que coloca em risco a saúde e a integridade física. As empresas privadas contratadas pelo Governo, responsáveis por empregarem a estes profissionais, não disponibilizam máscaras, luvas ou botas e chegam a pagar ordenados abaixo do salário mínimo. Os funcionários, indignados, exigem que as empresas melhorem as suas condições de trabalho, numa cidade em que os desafios à recolha do lixo são um obstáculo diário.

Em Díli, o lixo é recolhido diretamente de espaços a céu aberto, espalhados aleatoriamente pela cidade, delimitados apenas por dois pequenos muros. É apanhado umas vezes à mão, outras com a ajuda de pás velhas e enferrujadas, num processo ainda mais complexo, dada a inexistência de contentores que permitam uma recolha limpa, eficaz e segura. As máscaras são, muitas vezes, as t-shirts que estes trabalhadores despemsujas e transpiradas, logo após as primeiras horas de trabalho. As mesmas que servem também para tapar as cabeças do sol abrasador que arde também no corpo destes trabalhadores. As botas são substituídas por chinelos.

“Queremos que os nossos patrões nos tratem como seres humanos dignos que trabalham todos os dias para manter a cidade limpa”, reivindica Násio Soares, de 32 anos, funcionário da empresa de recolha GSH. Nesse sentido, exige que se criem as condições de proteção necessárias para salvaguardar a saúde dos funcionários. “Sinto-me muitas vezes mal, porque o cheiro do lixo é muito forte e tenho também de ter sempre muito cuidado por causa dos vários tipos de resíduos amontoados, como vidros, com os quais me posso ferir com gravidade”, sublinha.

A recolha do lixo é essencial para garantir o bem-estar de todos, mas estes trabalhadores sentem-se discriminados, assegura Násio Soares, realçando que são obrigados a trabalhar sem condições mínimas.

“Quando comecei a trabalhar, em 2020, tive problemas respiratórios e sofri vários ferimentos”, conta. Desde essa altura nunca recebeu, nem por uma única vez, algum tipo de equipamento de proteção. Decidiu comprar máscaras, por conta própria, mas nem sempre tem dinheiro suficiente para o fazer.

Adélio Soares, de 22 anos, trabalhador da empresa Jacrilo, explica que ele e a sua equipa de cantoneiros têm de sair de casa ainda de madrugada, antes das 4h da manhã, para recolherem o lixo e o transportarem, três vezes por dia, para a lixeira, em Tíbar, um percurso que não demora menos de uma hora, na melhor das hipóteses.

“A empresa só nos manda trabalhar todos os dias e cumprir o horário”, afirma o funcionário, lamentando que os patrões não se preocupem com as condições dos seus trabalhadores.

Apesar de estar diariamente exposto a vários tipos de perigos, Adélio Soares não deixa de se orgulhar do seu trabalho por saber que contribui para a redução dos resíduos na capital e ajuda a preservar o meio ambiente.

O médico Jacob Freitas da Clínica do Bairro Pité, em Díli, assegura que o contacto frequente com o lixo é uma atividade de risco para a saúde dos trabalhadores e destaca a necessidade de utilizarem equipamentos de segurança que os ajudem a prevenir patologias ou lesões que os resíduos podem provocar. “Este tipo de trabalho pode causar irritação na pele e nos olhos, bem como problemas respiratórios, diarreia, dor de cabeça e tosse”, alerta o médico.

Os riscos de acidentes, contaminações e outros problemas de saúde são vários. Estes trabalhadores podem cortar-se com resíduos como latas de alumínio, ferro e outras sucatas. Os materiais descartáveis utilizados em procedimentos cirúrgicos (luvas, seringas, máscaras) podem levar a contaminações por bactérias, vírus e fungos. Para além disso, tudo o que são despojos corrosivos que resultam de equipamentos eletrónicos deitados ao lixo podem levar a lesões na pele, danos no sistema respiratório e irritações oculares.

Segundo o clínico, os trabalhadores e as empresas de recolha de lixo deveriam ter consciência da necessidade de fornecer equipamentos de proteção de modo a garantir a segurança no trabalho e salvaguardar a saúde pública.

O contacto dos trabalhadores com o lixo e respetivos perigos é constante /Foto: DR

Salários baixos pagam trabalho duro e sem condições mínimas

A par das queixas relativas à falta de condições de trabalho no terreno, há uma reclamação ainda maior: o salário que os trabalhadores de recolha de lixo auferem. “Estamos a trabalhar para o bem-estar da população, mas ganhamos apenas 100 dólares por mês. É injusto e não corresponde a uma remuneração digna pelo trabalho duro que fazemos”, lamenta Adélio Soares. O ordenado baixa “não chega para comprar comida, pagar a renda e demais necessidades”.

Para conseguir rendimento extra, tem de aproveitar as latas, alumínio e outros materiais que encontra no lixo para vender. “Tenho de ter paciência, porque é difícil encontrar outro emprego. Gostava de trabalhar fora do país, mas ainda não tive essa sorte”.

Násio Soares também se queixa do mesmo. O salário que recebe nem sempre chega para garantir a qualidade de vida dos seus dois filhos, uma menina de cinco anos e um menino de dois. “Recebo 115 dólares, mas estou sempre preocupado com o dinheiro, que não chega para as despesas familiares”, lamentou. Vive juntamente com a família numa casa arrendada por 50 dólares mensais, em Comoro.

O vice-presidente da Confederação dos Sindicatos de Timor-Leste, Francisco da Costa Fernandes, defende que os empregadores devem respeitar os direitos dos funcionários, garantir a sua segurança e pagar-lhes um ordenado de acordo com a lei do salário mínimo (115 dólares).

O sindicalista aponta o dedo às empresas de recolha do lixo que não protegem os seus trabalhadores, fazendo-os trabalhar em condições precárias a receber um salário injusto, o que os faz sentir excluídos: “As empresas recebem mensalmente o dinheiro dos contratos com o Governo, mas não o usam para garantir condições de segurança através da compra de equipamentos”.

Segundo dados a que o Diligente teve acesso, são cinco as empresas que asseguram a recolha de lixo em Díli: a Labilai, a GSH, a Jacrilo, a Felifra e Nelcels. O Diligente contactou-as para obter esclarecimentos, mas estas recusaram-se a prestar declarações, alegando “falta de tempo”.

Em 2019, o Governo aprovou medidas de proteção ambiental que previam um novo sistema de depósito e recolha do lixo, comprometendo-se a implementar melhorias no serviço de recolha de resíduos sólidos, inclusivamente com a passagem para um “método de recolha mecânica”.

O objetivo passava por “melhorar a qualidade do ambiente urbano e a saúde, melhorar a eficiência na recolha e gestão dos resíduos através de práticas de nível internacional”, pode ler-se na proposta que não chegou a sair do papel.

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  1. Coisas simples que se tornam nos assuntos complicados para serem concretizados.
    O Governo não quer saber dos planos. Criou-os de forma floreada, mas depois deixou-os na gaveta.

    OS empresários fazem questão de obterem lucros, pondo de lado a humanidade.
    Que triste.

  2. Fico surpreendida por Díli ter 5 empresas privadas de recolha de lixo e ainda sobra tanto lixo amontoado ou à deriva cidade fora…
    O artigo explica que há falta de fiscalização da parte do governo que paga pelo não ou mau serviço…E a saúde de quem recolhe e de quem vive nesta cidade?Muito grave.
    Li, há dias, num livre de história de Timor, que no séc.XIii um documento chinês que fala do comércio que aqui fazem os negociantes recomenda que não saiam do barco para não apanharem doenças que podem ser fatais..
    Por este andar…
    O melhor é recomendar máscaras a toda a população e avisar os turistas ..

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