Todos os anos, o grupo Lorico Adventure atravessa Timor-Leste de norte a sul em homenagem aos jovens mortos no Massacre de Santa Cruz, em 1991. Pelo caminho, exploram locais sagrados e turísticos, mostrando ao mundo um país de beleza, coragem e hospitalidade.
Num país onde cada estrada guarda um pedaço da história da luta pela independência, um grupo de jovens decidiu transformar a paixão pelas motas numa missão de preservação da memória nacional. Chamam-se Lorico Adventure e, há oito anos, percorrem Timor-Leste para homenagear os combatentes da resistência e aproximar as novas gerações das suas histórias.
O grupo nasceu de conversas entre jovens que partilham um mesmo propósito: conhecer o país pelos seus trilhos mais profundos, visitar locais onde os guerrilheiros se esconderam, entrar em paisagens sagradas e reconhecer os caminhos que marcaram a luta pela pátria. Andar de mota apenas por prazer não lhes bastava — queriam que cada viagem tivesse um sentido.
No âmbito das comemorações dos 34 anos do Massacre de Santa Cruz, o Lorico Adventure reforça a sua missão. Conta atualmente com cerca de 30 membros fixos, mas mantém-se aberto a novas adesões, desde que exista compromisso e respeito pela causa.
Em entrevista ao Diligente, o coordenador do grupo, Nelson Turquel, explica que o projeto evoluiu para algo maior. “Tornámo-nos um movimento juvenil que transforma a aventura em ferramenta de educação histórica e valorização nacional”, afirma.
Ao longo das estradas, os jovens constroem pontes entre gerações, recolhem testemunhos, visitam lugares simbólicos e mantêm viva a memória dos que lutaram pela independência. Para eles, cada viagem é uma aula ao ar livre, onde o som das motas se mistura com os ecos da história de Timor-Leste.
Nos trilhos de montanha ou nas estradas do interior, o grupo segue com um objetivo claro: transformar a aventura numa forma de homenagem e aprendizagem sobre a história do país. Quilómetro após quilómetro, os jovens do Lorico Adventure ajudam a preservar a memória do passado, para que nunca seja esquecida.
“Este programa é financiado apenas por nós, sem apoio do Governo nem de outras entidades.”
Pode contar-nos o que é o grupo Lorico Adventure e como surgiu?
As pessoas pensam que o grupo Lorico Adventure é meu, mas na verdade pertence a todos nós, os jovens. Criámos este grupo movidos pela paixão de percorrer Timor-Leste, descobrir as paisagens do nosso país, visitar os lugares onde antigamente os combatentes da resistência se escondiam, locais sagrados e outros pontos importantes.
Juntámo-nos com o objetivo de fazer algo que tivesse utilidade para todos. Se fosse apenas para andar de mota sem propósito, não valeria a pena. Foi assim que, no âmbito das comemorações do Massacre de Santa Cruz, conversámos e pensámos: “Por que não tomamos a iniciativa de percorrer o nosso país?” Assim nasceu o evento “Dalan ba Memória” (Caminho para a Memória, em português).
O principal objetivo deste evento é prestar homenagem aos jovens Lorico aswain — os heróis combatentes. Ao longo destes oito anos de existência, muita coisa mudou: aqueles que antes nos davam a mão já cá não estão. Os avós que nos acolhiam nas suas casas partiram, e alguns dos irmãos que visitávamos também já se foram. São essas pessoas que colocamos na nossa lista, para acendermos velas nos seus túmulos — não apenas os combatentes falecidos, mas também todos os que, em tempos difíceis, nos acolheram e cuidaram de nós.
Além disso, visitamos os antigos combatentes que ainda estão vivos, abraçamos, conversamos com eles e conhecemos as suas condições de vida. Também visitamos os faluk (abrigos tradicionais) para compreender como vivem as famílias. Dormimos em algumas casas de pessoas que já partiram, a pedido das próprias famílias, para que à noite possamos fazer reflexão e acender velas em sua memória.
O nosso grupo existe há oito anos, e o evento Dalan ba Memória já foi realizado oito vezes. Todos os anos organizamos este evento, mas antes apresentamos o programa ao Comité 12 de novembro, que sempre o acolhe e aprova com apreço. Este programa é financiado apenas por nós, sem apoio do Governo nem de outras entidades. Este ano, tivemos um pequeno apoio dos nossos sobrinhos da geração de 12 de novembro, pelo qual estou muito grato, mas nos anos anteriores fizemos tudo com os nossos próprios recursos.
O que motivou o grupo a organizar viagens em homenagem ao aniversário do Massacre de Santa Cruz?
Existem muitas atividades que os jovens realizam neste dia especial — jogar futebol, pintar murais, declamar poesia, entre outras. Então pensei, junto com o grupo, que pelo menos uma vez por ano devíamos fazer algo diferente, um verdadeiro ato de sacrifício e reflexão. Queremos testar e treinar a resistência, porque os jovens que caminham connosco, mesmo cansados ou exaustos, sabem que a juventude que lutou no passado sofreu muito mais do que nós.
Durante as viagens, descobrimos novos caminhos e trilhos por onde nunca tínhamos passado. Às vezes são percursos difíceis, cheios de lama ou pedras, mas como somos muitos, ajudamo-nos uns aos outros. O objetivo é que todos sintam o esforço e o espírito de resistência, pelo menos uma vez por ano. Há dias em que saímos às seis da manhã e só chegamos ao destino por volta das dez da noite, porque as motas avariam ou os pneus furam — e isso já faz parte do caminho.
O propósito principal é prestar homenagem aos Lorico Aswain, visitando os túmulos dos combatentes e acendendo velas em sua memória, mesmo que seja já de noite.
As pessoas que participam não são escolhidas ao acaso. O evento é aberto ao público — divulgamos nas redes e quem quiser pode inscrever-se para fazer o percurso connosco. Mas deixamos claro que isto não é um passeio: é uma missão séria, com regras e desafios. Por isso, todos os participantes são avaliados com cuidado, e às vezes precisamos de cancelar algumas inscrições quando as motas não cumprem os critérios exigidos. Queremos evitar atrasos e garantir a segurança de todos. Se a mota não estiver em boas condições, não pode participar.
O que significa, para vocês, percorrer as estradas rurais de Timor-Leste para assinalar este momento histórico?
Sinto orgulho. Orgulho e amor pela nossa terra e pelo nosso povo. Durante o percurso, encontramos famílias que nos abraçam e apertam as mãos com carinho — sentimos afeto e reconhecimento, e isso, para nós, é algo extraordinário. Dormimos no chão, em tendas ou nas varandas das casas. Não estamos aqui para procurar conforto, mas para cumprir uma missão com sacrifício e humildade. Agradecemos sempre às famílias que nos recebem; outras vezes, dormimos no mato. Tudo isso faz parte do orgulho que sentimos por levar esta missão até ao fim.
Quando chega novembro, sabemos que temos uma tarefa a cumprir — e nunca desistimos. À medida que se aproxima o 12 de novembro, sinto o coração acelerar. Para mim, esta viagem é um compromisso com a memória, uma missão que partilho com os jovens e com a minha equipa. Caminhamos juntos, unidos por um mesmo propósito: manter viva a história e a coragem do nosso povo.
“Isto vem do coração, é um ato voluntário para prestar homenagem aos jovens Lorico Aswain. Não há qualquer lucro nesta viagem. O que ganhamos é conhecer melhor o nosso país, os caminhos e as paisagens, e receber o carinho das pessoas que encontramos pelo caminho.”
Durante as viagens, realizam momentos de reflexão, homenagens ou alguma cerimónia em memória das vítimas?
Sim, realizamos esses momentos todos os anos. Este ano, por exemplo, organizámos uma atividade no Colégio Infante de Sagres, em Maliana, junto com os jovens da área. Encontrámos estudantes que estavam em estágio nos municípios e, com eles, fizemos uma noite de reflexão. Criámos um espaço para assistir filmes e documentários sobre o Massacre de Santa Cruz, em conjunto com a comunidade.
O nosso principal objetivo é semear o espírito de nacionalismo nos jovens, para que a história de 12 de novembro nunca desapareça. Queremos transmitir esta memória às novas gerações, para que continuem a amar o seu país e o seu povo, e para que façam coisas positivas por Timor-Leste. Desejamos continuar a divulgar e preservar a história do Massacre de Santa Cruz, passando-a de geração em geração, para que nunca se perca.
Um dia, quando eu já não estiver aqui, espero que os meus filhos e a geração de 12 de novembro deem continuidade a este grupo e a esta caminhada.
Alguns desconfiam e pensam que este programa é um projeto organizado, mas não é. Isto vem do coração, é um ato voluntário para prestar homenagem aos jovens Lorico Aswain. Não há qualquer lucro nesta viagem. O que ganhamos é conhecer melhor o nosso país, os caminhos e as paisagens, e receber o carinho das pessoas que encontramos pelo caminho.
Pessoalmente, que significado tem o 12 de novembro para cada um de vocês? Porque é importante manter viva a memória do Massacre de Santa Cruz?
O Massacre de 12 de Novembro é um dos momentos mais marcantes da luta pela libertação da nossa pátria — uma história que jamais deve ser esquecida. O nosso papel, enquanto familiares, sobreviventes ou companheiros dos que viveram essa época, é encontrar diferentes formas de transmitir essa memória. Nas escolas, as crianças precisam conhecer o que aconteceu. Temos de procurar maneiras simples e acessíveis de explicar, porque, se contarmos apenas a história de forma direta, pode ser difícil para elas compreenderem.
As crianças têm muita curiosidade. Por exemplo, ontem à noite o meu filho estava a ler sobre o túmulo de Max Stahl e perguntou-me: “Pai, como é que ele conseguiu gravar tudo se morreram tantas pessoas?” Eu respondi-lhe: “O Max Stahl não morreu naquele dia, ele sobreviveu.” Isto mostra que as novas gerações querem aprender, e é isso que devemos fazer: ensinar de forma simples, para que cresçam com consciência e respeito pela nossa história.
A história de 12 de novembro nunca morrerá. É uma história de coragem dos jovens Lorico Aswain, que lutaram, mesmo que por apenas alguns minutos ou horas, mas cujo gesto teve um impacto profundo na resistência nacional. Eles mostraram que a luta pela pátria exige unidade e solidariedade — ensinaram-nos que só juntos podemos defender o interesse nacional. O 12 de novembro é, por isso, um símbolo eterno de união, sacrifício e amor a Timor-Leste.
Como é viajar pelo interior de Timor-Leste de mota? Quais têm sido os principais desafios ao longo do percurso?
As motas que usamos são, normalmente, do tipo KLX ou CRF, mas a maioria prefere a CRF porque tem um depósito de combustível maior. Muitas vezes, viajamos por trilhos fora das estradas principais, para poupar combustível. O depósito da KLX é pequeno, por isso, por vezes, levamos combustível extra nas mochilas. Atualmente, em alguns percursos mais curtos, já encontramos pequenos pontos de venda de combustível, mas, antigamente, isso não acontecia. Quando íamos, por exemplo, de Turiscai até Laclubar, tínhamos sempre de levar combustível connosco, sobretudo à noite. Caso contrário, ficávamos parados na estrada e os colegas tinham de tirar combustível das suas próprias motas para nos ajudar.
As motas precisam de pneus adequados para o terreno, principalmente em novembro, quando a chuva torna os caminhos rurais perigosos. Também usamos todo o equipamento de proteção — óculos, proteção das costas, braços, pernas e capacete — porque a vida é o mais importante. A mota pode cair, mas não podemos correr o risco de sofrer acidentes graves.
Nestes oito anos de viagens por Timor-Leste, nunca tivemos acidentes graves. Claro que há sempre pequenas quedas, pneus furados, cabos partidos ou problemas no motor, mas isso já faz parte da rotina. Por isso, levamos sempre peças de reposição, como campanas de travão, cabos e correntes. Só quando o problema é sério — como aconteceu este ano, com uma mota cujo motor ficou danificado — é que precisamos de a evacuar e substituir.
Outro desafio são as doenças e o cansaço físico. Alguns colegas adoecem durante o percurso, outros sofrem quedas ou dores musculares e precisam de ir ao posto de saúde mais próximo. Às vezes, os médicos recomendam que regressem a Díli, mas muitos recusam-se a desistir. Dizem-me: “Maun, por favor, quero terminar esta missão. O que eu sinto agora não é nada comparado ao que os jovens Lorico Aswain sentiram no passado.” Nesses casos, apenas os oriento, porque sei que o que os move é o espírito de sacrifício e respeito pela história.
O evento está aberto a todos. Motociclistas de Oé-Cusse, Suai, Lospalos, Viqueque, Baucau, Manatuto e outros municípios juntam-se a nós. Cada participante preenche um formulário de compromisso, para garantir que todos seguem as regras e mantêm a disciplina.
Há histórias que nunca esquecemos. Um motociclista de Oé-Cusse, chamado Vas, ficou doente e foi levado ao Hospital Referal de Ermera. Os médicos recomendaram repouso, mas quando chegámos ao Jardim dos Heróis, em Liquiçá, ele estava lá à nossa espera, deitado no chão, com a mota ao lado. Disse-me: “Não, maun, sinto-me bem. A dor que sinto agora não é nada comparada à dos jovens antigos. Deixa-me continuar.” E ele conseguiu terminar a viagem.
Outro colega, Mampo, de Bobonaro, teve uma infeção nos olhos durante o percurso. Na noite de 11 de novembro, a caminho de Cassa (Ainaro), disse que já não conseguia ver e precisou de voltar com ajuda de outro companheiro. A sua mota ficou guardada por moradores locais até que a recuperássemos mais tarde. Apesar disso, insistiu: “A minha mota tem de entrar no Cemitério de Santa Cruz no dia 12 de novembro.”
São histórias de fé, coragem e companheirismo. As pessoas dizem-nos muitas vezes para termos cuidado, sobretudo à noite. Mas connosco nunca aconteceu nada de mal. Acreditamos que viajamos em nome do 12 de novembro, acompanhados pelos antepassados e pela proteção de Deus. E, em todos os lugares por onde passamos, somos recebidos com bondade e carinho.
“Este ano, tivemos uma colega mulher que quis participar. A sua resistência foi grande, mas também sofreu bastante, caiu várias vezes, chegou a chorar, mas persistiu”
Houve algum momento particularmente marcante ou inesquecível numa das viagens? Podem partilhar?
Cada lugar por onde passamos tem algo de especial — todos deixam marcas e memórias diferentes. Para mim, cada trajeto é inesquecível, mas há percursos que ficam mais gravados na memória. Um deles foi quando contornámos a base do monte Kablake, desde Mausiga até Leotemi. O caminho era extremamente difícil, cheio de encostas íngremes. Num desses troços, um dos colegas caiu e escorregou por uma ladeira muito acentuada. Foi um momento de grande tensão, mas, felizmente, não aconteceu nada de grave.
Há muitos lugares em Timor por onde nunca tínhamos passado, e é isso que torna cada viagem única. Às vezes esperamos até perto da data das comemorações do Massacre de Santa Cruz para iniciar o percurso. Por exemplo, numa das viagens, seguimos até à zona de Laga, passando por Serbu e depois por trilhos interiores até Luru, em Lospalos. Antes de partirmos, uma equipa tinha-nos sugerido outro caminho, mais fácil. Mas nós dissemos: “Não, deixem estar, vamos tentar este.” E, quando finalmente passámos por lá, percebemos como o nosso país é bonito — paisagens de cortar a respiração, que poucos conhecem.
Queremos descobrir a história dos lugares, os locais sagrados e os destinos turísticos, para mostrar que Timor-Leste é um país bonito e seguro. Há quem diga que é perigoso viajar à noite, mas o medo vive apenas em quem não experimenta. Claro que há riscos, mas essa é a essência da nossa missão — enfrentar as dificuldades e continuar o caminho com fé e coragem.
Em cada localidade por onde passamos, a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) apoia-nos, garantindo a segurança e avisando as comunidades da nossa passagem. E, quando atravessamos as aldeias, ouvimos as pessoas gritar: “Viva 12 de novembro! Viva Timor-Leste!” — é sempre um momento emocionante.
O grupo Lorico Adventure é também um exemplo de unidade na diversidade. Reúne jovens de várias organizações de artes marciais e de diferentes ideologias políticas, mas dentro do grupo essas diferenças ficam para trás. Se um colega tem um problema na moto, até os que pertencem a grupos tradicionalmente rivais ajudam sem hesitar. A nossa viagem, de certa forma, promove a união nacional, mostrando que o respeito e a solidariedade podem estar acima de qualquer diferença.
Este ano, tivemos uma jovem participante, a primeira mulher a juntar-se ao grupo. Mostrou uma força incrível, mesmo com todas as dificuldades. Caiu várias vezes, chegou a chorar, mas não desistiu. Disse-lhe: “Se queres participar, tens de estar preparada para os sacrifícios e desafios.” E ela continuou, de pé na mota até ao fim da viagem. A sua presença foi inspiradora — mostrou-nos que a coragem e a determinação não têm género.
O que significa, para o grupo, cruzar aventura com patriotismo e memória histórica?
A aventura, para nós, é uma forma de educação popular — um instrumento vivo para divulgar a história de 12 de novembro e transmitir os valores e o espírito dos jovens Lorico Aswain. Queremos garantir que esses valores não se percam com o tempo e que as novas gerações continuem a amar esta terra. É por isso que realizamos estas viagens: para transformar a estrada num espaço de aprendizagem e de respeito pela história.
Durante as noites de reflexão, convidamos sobreviventes do 12 de novembro que vivem nas comunidades por onde passamos. Mesmo quando moram longe, fazemos questão de os incluir, porque o seu testemunho tem um valor incalculável. Nessas noites, eles próprios contam o que viveram — como fugiram, foram espancados, castigados e como resistiram. E é então que a comunidade descobre que aquele “maun” ou “mana”, que todos conheciam apenas como vizinho, é afinal um herói que defendeu a pátria.
Esses momentos têm um impacto profundo nos jovens. Eles sentem orgulho por saber que também têm heróis na sua aldeia ou bairro, e passam a ver esses sobreviventes como modelos de coragem e solidariedade. As suas histórias inspiram as crianças e mostram-lhes que a verdadeira força está na união, no respeito e no amor pelo país.
De que forma esperam que estas viagens inspirem as gerações mais jovens a conhecer e valorizar a história do país?
Isso acontece principalmente através das noites de reflexão que realizamos em cada comunidade. Muitos jovens querem juntar-se ao Lorico Adventure e percorrer Timor-Leste connosco porque já conhecem o propósito do grupo. No entanto, nem todos conseguem participar, pois exigimos critérios específicos, sobretudo preparação física e mental para enfrentar terrenos difíceis e longas distâncias.
É verdade que existem vários grupos que organizam atividades para assinalar o Massacre de Santa Cruz, mas o Lorico Adventure procura dar o seu contributo próprio para preservar a memória de 12 de Novembro através do programa Dalan ba Memória. Este evento é mais do que uma simples viagem: é um percurso de aprendizagem, que leva às novas gerações histórias, testemunhos e exemplos de coragem.
Durante as viagens, exibimos filmes, documentários e realizamos momentos de reflexão coletiva. Assim, os jovens não apenas ouvem falar do passado — vivem-no simbolicamente, ao fazer sacrifícios e atravessar o país em homenagem aos jovens Lorico Aswain. O cansaço, as dificuldades e os desafios de cada quilómetro tornam-se uma forma de reconhecimento e respeito pela resistência daqueles que deram a vida pela pátria.
Já sentiram que as vossas iniciativas despertaram diálogo ou interesse nas comunidades por onde passam?
Sim, sentimos isso todos os anos. As nossas atividades decorrem anualmente, e viajamos por todo o país em nome do 12 de novembro, levando connosco a história e a memória do Massacre de Santa Cruz. O objetivo é sempre o mesmo: divulgar, educar e refletir. Fazemo-lo através das noites de reflexão e das sessões de cinema comunitário, onde exibimos filmes e documentários sobre esse momento marcante da nossa história.
A reação das comunidades tem sido profunda e comovente. Em muitos lugares, as pessoas já tinham ouvido falar do massacre, mas nunca tinham visto as imagens ou as gravações. Quando assistem aos filmes, muitas acabam por chorar — não apenas pela dor, mas também pelo reconhecimento do sacrifício dos jovens Lorico Aswain.
Essas sessões criam diálogo, emoção e curiosidade. As comunidades querem saber mais, fazem perguntas, partilham memórias e procuram compreender melhor o passado. Para nós, isso é sinal de que a mensagem está a chegar: que as pessoas estão a valorizar e a preservar a história, garantindo que a coragem e o espírito de resistência dos jovens timorenses nunca sejam esquecidos.
“A nossa viagem não é para fazer festa nem apenas para passear: é uma viagem de memória e de consciência. Queremos levar às comunidades — especialmente às crianças e aos jovens — a história da luta da juventude timorense, para que conheçam o passado e se orgulhem dele”
Que papel acreditam que os motoclubes e grupos juvenis podem ter na preservação da memória histórica de Timor-Leste?
Em Timor-Leste existem muitos motoclubes e grupos juvenis, e acreditamos que todos eles podem ter um papel importante na promoção da história e da unidade nacional. Estes grupos são muito dinâmicos — gostam de se desafiar mutuamente e de se apoiar. Muitos celebram aniversários, organizam encontros, passeios e acampamentos, e nós participamos sempre que possível. Nessas ocasiões, partilhamos experiências e fortalecemos laços de amizade, mas também aproveitamos para divulgar o propósito do Lorico Adventure.
Os motoclubes são como irmãos de estrada. Quando chegámos, por exemplo, a Lospalos, fomos recebidos com enorme hospitalidade pela comunidade de motociclistas local. O mesmo acontece em Viqueque, Manatuto e noutros municípios, onde somos acolhidos e muitas vezes seguimos viagem juntos. Desses encontros nasceu o Trail Timor-Leste, um grupo que hoje reúne praticamente todos os motociclistas de trail do país.
No entanto, o nosso objetivo vai além da aventura. A nossa viagem não é para fazer festa nem apenas para passear: é uma viagem de memória e de consciência. Queremos levar às comunidades — especialmente às crianças e aos jovens — a história da luta da juventude timorense, para que conheçam o passado e se orgulhem dele. Ao fazer isso, acreditamos que fortalecemos o amor pela pátria, pela sua história e pelos valores que construíram Timor-Leste.
Consideram alargar esta iniciativa a parcerias com escolas, veteranos da resistência ou comunidades locais? De que forma?
Sim. Este ano, por exemplo, colaborámos com o Colégio Infante de Sagres, em Maliana, onde realizámos várias atividades conjuntas. Foi uma experiência muito positiva, que nos motivou a continuar a envolver escolas e comunidades locais. Também visitamos escolas nas zonas rurais, conversamos com professores e estudantes, partilhando a história do 12 de novembro e as experiências vividas nas nossas viagens. Queremos que as novas gerações sintam curiosidade e orgulho por conhecer a história do seu país e os sacrifícios feitos pela juventude timorense do passado.
Quais são os planos futuros do grupo? Há novas rotas, homenagens ou projetos a caminho?
O Lorico Adventure vai continuar a percorrer todo o território nacional. Já identificámos vários cemitérios onde as famílias desejam reconstruir as sepulturas dos combatentes, e o grupo pretende apoiar esses esforços, ajudando nas obras e prestando homenagem aos heróis locais.
O evento “Dalan ba Memória” continuará a ser realizado anualmente, sem interrupção. Enquanto tivermos força e fé, continuaremos esta caminhada. Eu próprio — e todos os que me acompanham — comprometemo-nos a manter viva esta missão, a cada quilómetro e a cada vela acesa em memória dos que partiram.
Que mensagem querem deixar aos jovens timorenses sobre identidade, memória e compromisso com o país?
O mais importante é o amor — o amor pela nossa terra, pelo nosso povo e pela nossa história. Tudo o que fazemos deve nascer desse sentimento. Devemos respeitar-nos mutuamente, apoiar quem tem pensamentos positivos e quer construir um futuro melhor. Devemos abraçar aqueles que também sabem abraçar os outros, porque a verdadeira força está na união.
Se amarmos o nosso país, não precisaremos de esperar que alguém venha mandar em nós. Cada pequena ação que fazemos — na nossa casa, no nosso bairro, na nossa comunidade — é já uma forma de contribuir para o desenvolvimento nacional.
Como dizia o saudoso Comandante Nino Konis Santana: “Se tens a independência na tua cabeça, já estás a contribuir para o país.”


