Terceira fase do CLJ: do diálogo com atores da comunicação social às respostas às suas necessidades

“A comunicação social é um pilar essencial para a democracia e para a liberdade de um país”/Foto: Diligente

O Consultório da Língua para Jornalistas (CLJ), projeto bilateral entre o Governo timorense e o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, está a preparar a terceira fase. O futuro do projeto ainda não está definido, mas um workshop realizado em Díli reuniu órgãos de comunicação social, associações de jornalistas, universidades e o Conselho de Imprensa para discutir ideias, necessidades e prioridades.

O encontro, realizado esta quinta-feira (23/10) no Centro Cultural Jorge Sampaio, na Embaixada de Portugal em Díli, teve como objetivo ouvir os desafios, as ideias e as propostas dos beneficiários do projeto e de diversos atores ligados ao setor da comunicação social em Timor-Leste — entre eles, órgãos de comunicação, o Conselho de Imprensa, departamentos de Comunicação Social das universidades e associações de jornalistas —, de modo a orientar a próxima fase do CLJ.

Entre os pontos levantados estiveram as dificuldades no contacto com fontes, o acesso limitado a dados oficiais, a necessidade de maior domínio do português por parte dos jornalistas, a escassez de recursos humanos qualificados, falta de equipamentos básicos nas redações, autocensura e falta de pensamento crítico.

Na abertura da sessão juntamente com o embaixador de Portugal em Timor-Leste, Duarte Falé Costa de Bué Alves, o Secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Dias Ximenes, comprometeu-se a “assumir a terceira fase”.

Reiterou ainda que a continuidade do CLJ é um compromisso do Governo: “Porque a língua portuguesa é muito importante e o Governo quer que o projeto continue.” O governante lembrou que muitos timorenses comunicam mais facilmente em indonésio do que em português, o que torna o investimento no idioma ainda mais urgente.

Expedito Ximenes aproveitou também para criticar situações em que formandos, mesmo após cursos, ainda não conseguem comunicar corretamente em português, pedindo ao CLJ soluções mais eficazes. “É o momento oportuno para discutir a melhor forma de arrancar com o projeto”, sublinhou.

O embaixador de Portugal em Díli destacou o papel fundamental da comunicação social num país democrático e livre como Timor-Leste. “A comunicação social é um pilar essencial para a democracia e para a liberdade de um país”, afirmou, sublinhando que um jornalismo rigoroso e em língua portuguesa contribui decisivamente para o fortalecimento destes valores.

O embaixador acrescentou que o CLJ representa um contributo essencial nesse processo, ao apoiar a qualidade, a precisão e a profissionalização do jornalismo timorense, garantindo que a informação chegue ao público com rigor e credibilidade.

Os representantes dos órgãos de comunicação social destacaram a importância de assegurar a continuidade do serviço de revisão linguística, considerado fundamental para manter a qualidade e o rigor dos conteúdos produzidos em português, apelando, por isso, à rápida implementação da próxima fase do projeto.

Xisto Ximenes, chefe de redação da Rádio da RTTL, afirmou que o workshop permitiu aos jornalistas exporem necessidades e expectativas: “Espero que os pontos principais apresentados sejam incluídos na próxima fase, a fim de formar mais jornalistas timorenses profissionais e de qualidade.”

Além disso, o chefe de redação reforçou a importância de realizar formações no Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas (CENJOR), em Portugal, instituição onde já teve oportunidade de participar numa ação de capacitação. “É uma experiência muito enriquecedora, porque estamos num contexto de imersão linguística — aprendemos português e, ao mesmo tempo, adquirimos conhecimentos técnicos de jornalismo”, explicou.

Segundo Xisto, este contacto direto com o ambiente profissional e linguístico português permite aos jornalistas “melhorar significativamente o domínio da língua, enquanto desenvolvem competências práticas e teóricas essenciais à profissão”. Por isso, uma das suas principais sugestões para a terceira fase do CLJ é “criar oportunidades para que jornalistas das secções de português dos vários órgãos de comunicação social possam frequentar cursos no CENJOR, em Portugal”.

“O facto de a formação decorrer em Portugal, em Lisboa, é essencial não só pela imersão linguística, mas também porque, durante esse período, estamos exclusivamente dedicados ao curso, ao contrário do que acontece em Timor-Leste, onde temos de conciliar a formação com o trabalho e não conseguimos aproveitar plenamente a aprendizagem”, concluiu.

Os participantes sublinharam a importância de as formações em língua portuguesa abrangerem todos os níveis de competência, desde o A1-A2 até ao B2+, de modo a garantir uma base sólida para o jornalismo em português.

“É fundamental que os jornalistas consigam dominar a língua de forma progressiva e estruturada”, afirmou Xisto Ximenes. Além disso, destacou-se a necessidade de cursos específicos em áreas como justiça, saúde, educação e ambiente, setores que exigem vocabulário técnico e precisão terminológica.

Xisto acrescentou que “muitas vezes os jornalistas não conseguem utilizar termos técnicos de forma adequada, e isso compromete a qualidade das notícias”. Os presentes concordaram que estas formações são essenciais para que os profissionais consigam produzir conteúdos rigorosos e acessíveis ao público, mantendo padrões elevados de qualidade no jornalismo em português.

Para Edy Gonçalo de Fátima Suan, coordenador e docente do Departamento de Comunicação Social da Universidade Católica Timorense, o workshop foi “muito importante, pois permite ampliar horizontes, indo além dos veículos de comunicação e chegando também ao nível universitário, concretamente ao curso de Comunicação Social”.

O professor destacou que a iniciativa “ajuda a procurar soluções para os desafios da imprensa nacional” e defendeu a importância de “promover formações dirigidas aos estudantes e professores de Comunicação Social, tanto na língua portuguesa como na área do jornalismo”.

Edy Suan sublinhou ainda que a nova fase do CLJ deve incluir “formações em língua gestual, jornalismo investigativo e edição audiovisual”, áreas que considera essenciais para “fortalecer o jornalismo nacional e garantir um ensino mais completo e de qualidade”.

O workshop foi dinamizado pela Adida para a Cooperação, Ana Pereira. O dia contou igualmente com a presença do formador de Língua Portuguesa, André Esteves, e dos assessores para a Cooperação da Embaixada de Portugal, que colaboraram na dinamização da sessão.

A iniciativa contou ainda com a presença da Coordenadora-Geral do Consultório da Língua para Jornalistas, Domingas de Araújo, e da Coordenadora-Adjunta do CLJ, Elísia Ribeiro, que acompanharam de perto os debates e contributos apresentados pelos participantes.

O percurso do CLJ

Criado em 2014 como atividade financiada pela União Europeia, o CLJ tornou-se, em 2016, um projeto bilateral entre o Camões, I.P. e a SECOMS. Desde então, consolidou-se como referência na capacitação linguística e jornalística em Timor-Leste.

Tem como missão fortalecer as competências de língua portuguesa e de jornalismo de jornalistas e profissionais do Governo ligados à comunicação, incluindo assessores de imprensa, oficiais de comunicação e tradutores.

De acordo com dados oficiais, o CLJ já formou 289 jornalistas e 68 profissionais do Governo; capacitou 18 jovens em programas de 15 meses, a maioria integrada em redações nacionais; produziu 15 manuais de língua portuguesa e jornalismo, adaptados à realidade timorense e apoiou a produção e revisão de mais de 18.000 conteúdos jornalísticos em português.

Hoje, redações como a RTTL, Tatoli, GMN e o Diligente — primeiro jornal totalmente em português, criado por sete antigos formandos do CLJ — produzem regularmente notícias neste idioma. Antes do projeto, apenas a RTTL e o Timor Post publicavam conteúdos em português.

O relatório de avaliação do Plano Estratégico de Cooperação (PEC) 2019-2023 destacou o CLJ como essencial para o fortalecimento da comunicação social em português e apontou a necessidade de envolvimento da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) para certificar as formações.

 

Manuais dos cursos de Fundamentos do Jornalismo. Foto: CLJ

Desde a primeira fase (2016-2020), focada na formação de Português para Jornalistas, até à segunda fase (2021-2023), que incluiu também cursos de Jornalismo, o CLJ adaptou-se às necessidades reais do público-alvo. Para isso, realizou estudos exaustivos que analisaram conteúdos jornalísticos de imprensa, rádio e televisão, aplicaram testes diagnósticos e construíram um corpus linguístico escrito em português. Esta preparação permitiu elaborar planos de formação e manuais cuidadosamente ajustados às dificuldades dos formandos e às exigências do jornalismo timorense.

blank
Manuais de Português para Jornalistas elaborados com base nas necessidades detetadas num estudo prévio. Foto: CLJ

Os cursos de português específicos para jornalistas contemplam níveis de proficiência do A1/A2 ao B2+, e incluem formações em áreas técnicas como saúde, justiça, educação e ambiente, com terminologia especializada.

Paralelamente, os cursos de Jornalismo abordaram fundamentos essenciais, incluindo pensamento crítico, conhecimentos gerais, redação jornalística, instituições nacionais e internacionais, e matemática para jornalistas, baseando-se nas orientações do Manual de Jornalismo da UNESCO e adaptando-as à realidade de Timor-Leste.

blank
Estudo das Necessidades Formativas e manuais dos cursos de Jornalismo elaborados com base nesse estudo. Foto: CLJ

A produção de conteúdos jornalísticos em língua portuguesa também foi reforçada nas redações de órgãos como o Timor Post, a Tatoli, o Grupo Media Nacional e o Diligente, contando com revisores linguísticos formados pelo CLJ e com acompanhamento direto de formadores.

Além disso, o CLJ disponibiliza recursos digitais interativos, exercícios online e materiais de apoio que permitem aos formandos consolidar os conhecimentos adquiridos, promovendo autonomia no domínio do português e maior rigor na comunicação pública.

Em suma, o CLJ representa um contributo essencial para a promoção de um jornalismo de qualidade, em língua portuguesa, em Timor-Leste, fortalecendo a literacia mediática e profissionalizando os jornalistas, ao mesmo tempo que adapta a formação às necessidades concretas do país.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *