Situação da mulher no sistema capitalista: Análise crítica sobre a filosofia social

Uma senhora em Lesuata, Manufahi, Timor-Leste, tirada em 2011/Foto: UN Photo/Martine Perret

“A libertação da mulher só pode ser alcançada através de uma transformação estrutural da sociedade.” — Alexandra Kollontai

Neste artigo, veremos como as mulheres sempre ocuparam posições significativas na história social, económica e cultural, mas, sob o domínio do capitalismo, essas posições tornam-se frequentemente marginalizadas. O sistema capitalista, orientado para a acumulação de capital, encara o trabalho como uma mercadoria — incluindo a vida e o corpo das mulheres. Tal lógica cria relações de poder desiguais, nas quais as mulheres são transformadas em objetos de exploração nas várias dimensões da vida.

Do ponto de vista da filosofia social, é possível compreender a condição da mulher no capitalismo como uma questão estrutural — e não apenas individual. O capitalismo não é apenas um sistema de relações de produção, mas também influencia valores, normas e ideologias que moldam a vida quotidiana. Assim, a relação entre capitalismo e mulher revela profundas questões de dominação e injustiça social. A teoria crítica, especialmente das tradições marxista e feminista, demonstra como o capitalismo exige a subordinação das mulheres para assegurar a reprodução da força de trabalho. O trabalho doméstico não remunerado das mulheres constitui, na realidade, o alicerce invisível da produtividade capitalista — mas é ignorado nas análises económicas tradicionais.

Este artigo procura descrever a situação das mulheres dentro do sistema capitalista a partir de uma abordagem crítica, centrando-se em três aspetos principais: primeiro, a exploração do trabalho feminino na esfera da produção e da reprodução;
segundo, a mercantilização do corpo feminino na lógica capitalista; e terceiro, os esforços de resistência e a consciência crítica que emergem na história dos movimentos de mulheres.

A abordagem aqui adotada procura mostrar que a luta das mulheres não pode ser dissociada de uma crítica ao próprio capitalismo. A verdadeira emancipação exige uma mudança estrutural — e não apenas reformas superficiais.

O corpo da mulher na lógica da produção capitalista

O capitalismo insere o corpo feminino numa complexa rede de relações de produção. Por um lado, as mulheres são empurradas para o mercado de trabalho, onde recebem salários mais baixos do que os homens; por outro, continuam obrigadas a desempenhar trabalho doméstico não remunerado. Esta “dupla exploração” é uma característica típica das sociedades capitalistas modernas.

Silvia Federici (2004) demonstra que o trabalho reprodutivo das mulheres — cuidar de crianças, limpar a casa, cuidar dos familiares — é essencial à sobrevivência material do capitalismo, embora nunca seja reconhecido dentro do sistema salarial. Assim, o valor do trabalho feminino é diminuído, enquanto o capitalismo continua a depender dele.

Apesar disso, a sociedade encara o trabalho doméstico como “natural” às mulheres, e, por isso, não digno de remuneração. Pensemos numa mulher que cuida dos filhos de um familiar durante meses sem qualquer pagamento, sob o pretexto de estar apenas a “ajudar”. Esta prática é justa?

Esta realidade mostra como, muitas vezes, as mulheres perdem tempo precioso para poder desenvolver as suas próprias atividades — como ler, estudar ou procurar emprego —, em benefício do cuidado dos outros. A sociedade, ao considerar essas funções como dever moral feminino, reforça uma estrutura desigual. Assim, é necessário que as instituições competentes encontrem formas de valorizar e apoiar o trabalho reprodutivo e de cuidado.

As mulheres também enfrentam discriminação estrutural no mercado de trabalho. A disparidade salarial, o acesso limitado a cargos de liderança e o assédio sexual refletem relações de poder sustentadas por um sistema patriarcal e capitalista. Vogel (2013) sublinha que a opressão das mulheres não é apenas resultado da ideologia patriarcal, mas parte integrante do modo de funcionamento do capitalismo.

No caso de Timor-Leste, a legislação protege as crianças contra abusos e exploração sexual (Artigo 18: “As crianças têm direito a proteção especial da família, da comunidade e do Estado, nomeadamente contra a negligência, discriminação, violência, opressão, abuso e exploração sexual”). No entanto, continuam a ocorrer casos graves, como os registados em fevereiro de 2025 em escolas secundárias em Díli — Nicolau Lobato e 5 de Maio — que mostram a persistência de injustiças e vulnerabilidades estruturais. No início de 2025, a FOKUPERS registou 40 casos do tipo e 56 sobreviventes de violência baseada no género, o que mostra a existência e prevalência da injustiça.

Por outro lado, a retórica do “empoderamento feminino” é frequentemente utilizada pelo próprio capitalismo para disfarçar a exploração. As mulheres são encorajadas a integrar o mercado formal, mas acabam concentradas em setores de baixa remuneração. Assim, a “igualdade” oferecida pelo capitalismo reproduz novas formas de injustiça. O corpo da mulher torna-se não apenas um sujeito económico, mas também um instrumento de sustentação do sistema capitalista. Sem o trabalho das mulheres — tanto no espaço doméstico como público — o capitalismo perderia a sua base reprodutiva.

Mulher como objeto e a mercantilização do corpo

Na sociedade atual, especialmente na era da globalização, a mulher continua a ser tratada como objeto utilizado para atrair a atenção do público. A sua imagem é amplamente usada em publicidade e marketing, não para valorizar a pessoa, mas para aumentar o valor económico de produtos e serviços. Em Díli, por exemplo, é comum ver cartazes de lojas com imagens de mulheres estrangeiras a promover produtos de beleza, sugerindo que a mulher timorense só será “moderna” se consumir o que é anunciado. Isto representa a idealização de um padrão distante da realidade local e constitui uma forma de mercantilização da mulher, ao transformar a sua imagem em instrumento de propaganda. A educação e a sensibilidade de género devem ser reforçadas para mudar esta mentalidade e valorizar as mulheres pelo seu contributo intelectual e social, e não apenas pela aparência.

O capitalismo não explora apenas o trabalho das mulheres, transforma também os seus corpos em mercadorias. As indústrias da publicidade, da moda, do cinema e dos média usam o corpo feminino como objeto visual para fins comerciais. O corpo da mulher converte-se num símbolo de consumo, no qual o valor estético se troca por lucro económico.

Baudrillard (1998) explica que, na sociedade de consumo, as mercadorias não possuem apenas valor de uso e de troca, mas também valor simbólico. O corpo feminino torna-se parte desse valor simbólico — com imagens de “beleza”, “modernidade” e “sexualidade” que alimentam a lógica do consumo capitalista. Esta dinâmica impõe pressão psicológica sobre as mulheres, que passam a sentir-se obrigadas a seguir padrões determinados pelo mercado — corpos magros, pele clara, roupas elegantes — como modelo de mulher ideal. Estes padrões não apenas regulam a aparência, mas moldam a identidade feminina dentro do enquadramento capitalista.

A mercantilização do corpo feminino é ainda visível na indústria do sexo, onde o corpo é diretamente comercializado. Embora muitas vezes apresentada como uma escolha individual, esta realidade resulta de pressões económicas e desigualdades estruturais criadas pelo próprio capitalismo global. Assim, a mulher, no sistema capitalista, é explorada não apenas como trabalhadora, mas também como objeto de consumo — o seu corpo é usado como instrumento de marketing e de acumulação de capital, revelando uma dimensão mais profunda da opressão.

Resistência e consciência crítica

A história das mulheres é também uma história de resistência contra a opressão capitalista. Diversos movimentos feministas demonstraram como capitalismo e patriarcado se reforçam mutuamente. O feminismo liberal, o radical e o marxista oferecem perspetivas diferentes, mas convergem na necessidade de transformação social.

Alexandra Kollontai (1977) afirma que a libertação das mulheres só pode ser alcançada através da transformação estrutural da sociedade. Para ela, as mulheres devem libertar-se do peso do trabalho doméstico através da socialização dos serviços públicos e dos cuidados infantis. Essa visão enfatiza que a emancipação feminina está profundamente ligada à luta de classes.

No contexto contemporâneo, movimentos de mulheres em vários países enfrentam práticas neoliberais que agravam a exploração. O debate global sobre a violência sexual nos locais de trabalho, por exemplo, expõe como o capitalismo encobre injustiças através de discursos corporativos sobre “igualdade”.

A consciência crítica mostra que as mulheres não são apenas vítimas, mas também sujeitos políticos com capacidade de resistência. Para desmontar a ligação entre patriarcado e capitalismo, o movimento das mulheres procura construir uma ordem social mais justa e igualitária. Assim, a resistência feminina deve ser compreendida como parte essencial da luta contra o capitalismo. Sem mudanças estruturais profundas, a igualdade continuará a ser apenas um slogan que mascara a opressão, a discriminação e a exploração.

A situação das mulheres no sistema capitalista revela a existência de relações de poder opressivas e hierarquizadas. O capitalismo explora a energia, o corpo e a identidade das mulheres para sustentar a acumulação de capital — tanto através do trabalho como da mercadoria. Na produção, as mulheres enfrentam uma dupla carga: o trabalho público mal remunerado e o doméstico não reconhecido. No consumo, os seus corpos são reduzidos a símbolos de mercado que reforçam a lógica capitalista.

A análise crítica demonstra que esta injustiça não é acidental, mas estrutural. O patriarcado e o capitalismo estão interligados na criação de condições de subordinação feminina. No entanto, esta situação não é irreversível. O feminismo e a teoria crítica já propuseram estratégias para desmantelar essas estruturas. As mulheres devem ser vistas não como objetos, mas como agentes de transformação social. Assim, qualquer crítica ao capitalismo deve integrar a perspetiva das mulheres, pois a verdadeira emancipação só será alcançada com uma mudança estrutural profunda, que ultrapasse as limitações do patriarcado e do próprio capitalismo. Problemas como estes exigem soluções estruturais através da educação, da legislação e da consciencialização pública.

Cornélia Prisca Amaral é finalista do curso de Filosofia na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) e está envolvida no movimento feminino Feminista Progressiva.

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