Antónia Kastono Martins, Didiana Reis e Ermelinda Soares foram distinguidas com os principais galardões jornalísticos de Timor-Leste, durante as comemorações dos 50 anos da Tragédia de Balibó, em reconhecimento pelo impacto social e humano das suas reportagens. As três jornalistas comprometem-se a continuar a dar voz às pessoas esquecidas e marginalizadas da sociedade timorense.
Pela primeira vez na história dos Prémios Balibó Five, três mulheres jornalistas foram distinguidas com os principais galardões do jornalismo timorense.
As reportagens vencedoras abordam temas profundos e socialmente relevantes, como o bullying de jovens com deficiência, a sobrevivência de famílias que vivem do lixo em Tibar e a precariedade nas escolas rurais — temas muitas vezes esquecidos, mas reconhecidos pelo seu valor público e humano.
O reconhecimento foi atribuído pelo Conselho de Imprensa de Timor-Leste, no âmbito das comemorações dos 50 anos da Tragédia de Balibó e do Dia Nacional da Liberdade de Imprensa (16 de outubro), num evento marcado por emoção, orgulho e sentido de missão.
A jornalista e diretora do Diligente, Antónia Kastono Martins, conquistou dois prémios de destaque: o Prémio Adelino Gomes (melhor reportagem em língua portuguesa) e o The Best Balibó Five Media Award, novo galardão atribuído entre os vencedores das várias categorias.
Didiana Reis, produtora do programa Esperança ba Moris, da Rádio e Televisão de Timor-Leste (RTTL), recebeu o Prémio Greg Shackleton, graças à reportagem “Inan faluk hili lixu iha Tíbar hodi sustenta nia família” (Viúva escolhe o lixo em Tibar para sustentar a família).
Já Ermelinda Soares, jornalista do SAP News, foi distinguida com o Prémio Francisco Borja da Costa, pela reportagem que expôs a falta de carteiras e mesas na Escola Básica Central n.º 2, no posto administrativo de Luro, município de Lautém.
Antónia confessou ter ficado “a tremer de felicidade” ao ouvir o título da sua reportagem anunciada: “Agredida e explorada: a criança com transtornos mentais que diverte as redes sociais e promove instituições em Timor-Leste”.
“Nunca imaginei vencer o Prémio Adelino Gomes, e muito menos o Best Balibó Five Media Award. Fiquei colada à cadeira, tapei a boca com uma mão e tentei filmar o anúncio”, contou.
A reportagem retrata o caso de um menino com perturbações mentais explorado nas redes sociais, transformado em alvo de bullying e de incentivo à violência.
“Demorei meses a elaborar a reportagem. Procurámos a casa do menino, falámos com familiares, com pessoas na rua, com os autores dos vídeos e com as autoridades envolvidas. Foi difícil, sobretudo pela condição do jovem e pela falta de colaboração entre as instituições, que tendem a apontar o dedo umas às outras”, relatou Antónia.
A jornalista agradeceu à equipa do Diligente e ao colega Nicodemos do Espírito Santo pelo apoio, assim como à família do jovem, que aceitou partilhar a história.
“O jornalismo deve continuar a dar visibilidade às violações de direitos humanos e às duras realidades vividas nas comunidades, tanto urbanas como rurais. Apelo aos colegas para se focarem mais nas pessoas e não apenas nos eventos formais. O nosso papel é dar voz a quem não a tem — esse é o verdadeiro jornalismo pró-povo”, sublinhou.
Didiana Reis manifestou admiração e alegria pelo reconhecimento, considerando que o prémio é uma conquista coletiva. “Este prémio não é apenas meu, é da minha equipa inteira”, afirmou.
A jornalista explicou que a reportagem, com 26 minutos de duração, enfrentou vários desafios durante as filmagens no terreno. “Muitas vezes tivemos de regressar para captar imagens que faltavam. Mas, como equipa sólida, encontrámos sempre soluções juntos”, contou.
Para Didiana, o prémio representa motivação renovada para continuar a exercer o jornalismo com ética, responsabilidade e firmeza de princípios. “Quero continuar a escrever sobre violações dos direitos económicos, sociais e culturais, especialmente sobre desigualdades baseadas em raça, religião, género ou origem social. O jornalismo é a esperança das vítimas de violações dos direitos humanos”, afirmou.
A jornalista Ermelinda Soares, por sua vez, destacou o impacto imediato da sua reportagem, que levou o Ministério da Educação a agir menos de uma semana após a publicação. “No início, nem tinha intenção de concorrer, mas sabia que as dificuldades das crianças precisavam de ser expostas. Depois da notícia, o Ministério respondeu rapidamente. Isso mostrou que o jornalismo pode ter impacto direto na vida das pessoas”, afirmou.
Ermelinda expressou orgulho por ser uma das primeiras três mulheres a receber o prémio, considerando-o um símbolo de esperança, memória e dignidade. “Este prémio representa não só um reconhecimento profissional, mas também um incentivo para nós, mulheres jornalistas. Motiva-nos a continuar a dar voz a quem não tem voz, principalmente mulheres e crianças em áreas rurais”, destacou.
A jornalista sublinhou ainda que o verdadeiro foco do jornalismo deve estar nas comunidades vulneráveis e esquecidas, onde persistem problemas graves como o acesso precário à educação, à saúde e às infraestruturas.
“Precisamos de olhar menos para os eventos formais em Díli e mais para as realidades duras enfrentadas pelo povo. O nosso papel é ser os olhos, os ouvidos e a voz dessas pessoas”, concluiu.
O representante do painel de júri dos Prémios de Jornalismo, Xisto Viana, revelou que, em 2025, foram submetidas dez candidaturas às quatro categorias — Prémio Adelino Gomes, Prémio Francisco Borja da Costa, Prémio Greg Shackleton e Prémio Bernardino Guterres —, das quais duas foram eliminadas por não cumprirem os critérios estabelecidos.
“Uma das candidaturas foi desqualificada porque o jornalista apresentou uma obra que pertencia a outra pessoa. A outra foi excluída porque o autor usou um pseudónimo e não se identificou com o nome verdadeiro, o que impossibilitou a verificação da identidade”, explicou.
O júri decidiu não atribuir o Prémio Bernardino Guterres este ano, por ter sido recebida apenas uma candidatura, o que comprometeria o princípio da concorrência justa.
Promovido pelo Conselho de Imprensa de Timor-Leste, o Prémio de Jornalismo tem como objetivo reconhecer o mérito dos profissionais da comunicação social, estimular o jornalismo de qualidade e reforçar a ética e a credibilidade no setor.
PDHJ apela a um jornalismo crítico e responsável perante os desafios do país
O Provedor de Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, afirmou, durante a cerimónia de reflexão da tragédia Balibó Five, que os jornalistas devem continuar a questionar e a exercer o seu papel crítico, sobretudo face aos desafios que persistem após 24 anos de independência.
“Há questões que precisam de ser colocadas, porque grande parte da população ainda não tem acesso a água potável, muitas escolas continuam sem cadeiras nem professores suficientes, e os hospitais enfrentam falta de ambulâncias”, frisou.
O antigo presidente do Conselho de Imprensa de Timor-Leste apelou aos jornalistas para que mantenham vivo o espírito crítico, recordando o exemplo dos cinco jornalistas australianos mortos em Balibó como símbolo de dedicação à verdade e à missão jornalística.
Virgílio Guterres encorajou ainda os profissionais da comunicação a exercerem o seu trabalho com responsabilidade e respeito pelo código deontológico, sublinhando a importância de um jornalismo ético e independente para o fortalecimento da democracia.
A cerimónia de celebração dos 50 anos da tragédia de Balibó contou com a presença do Presidente da República, José Ramos-Horta, do Ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Ágio Pereira, do Secretário de Estado da Comunicação Social, Expedito Loro Dias Ximenes, do Chefe do Estado-Maior General das F-FDTL, Falur Rate Laek, bem como de representantes da sociedade civil, instituições nacionais e parceiros internacionais, incluindo delegações da Austrália e da comunidade local.