Cinquenta anos após o massacre de Balibo, o filho do jornalista australiano Greg Shackleton regressa a Timor-Leste para homenagear o pai e refletir sobre a verdade, a memória e o silêncio dos governos da Austrália e da Indonésia. Em entrevista, Evan recorda a coragem do pai, fala da dor que permanece e afirma que, meio século depois, “bastava um pedido de desculpa”.
Assinalam-se hoje, 16 de outubro de 2025, os 50 anos da morte dos cinco jornalistas internacionais assassinados em Balibo, conhecidos como os Balibo Five. Greg Shackleton, repórter australiano; Tony Stewart, técnico de som australiano; Gary Cunningham, cameraman neozelandês; Malcolm Rennie, repórter britânico; e Brian Peters, cameraman britânico, tornaram-se símbolos do jornalismo de coragem ao arriscarem a vida para mostrar ao mundo a verdade sobre a iminente invasão indonésia de Timor-Leste.
Um dia antes de serem mortos, Greg Shackleton ainda conseguiu gravar uma reportagem que denunciava a situação no território.
Cinquenta anos depois, o seu filho, Evan Shackleton, regressou a Timor-Leste pela segunda vez — depois da primeira visita em 2003 — para homenagear o pai e revisitar o local onde acredita que permanece o seu espírito.
Nesta viagem, feita com a família, Evan diz ver avanços significativos no país, mas ficaram surpreendidos com as dificuldades ainda visíveis. “Ficámos impressionados por ver a falta de água potável e outras coisas que, no nosso país, são básicas”, conta.
Entre a emoção e a crítica, o australiano lamenta o abandono de Timor-Leste por parte do seu país: “Não compreendo como é que o nosso vizinho mais próximo, ou um dos nossos vizinhos mais próximos, foi abandonado por nós sem a ajuda que deveríamos ter dado. Mas isso é uma questão para o Governo, não para mim.”
Durante as cerimónias em Balibo, onde faixas com a imagem do pai foram espalhadas por toda a localidade, Evan diz ter ficado “completamente impressionado”. Recebeu dezenas de Tais e afirma querer levar para casa mais do que lembranças: “Quero levar a memória e uma nova forma de encarar o passado. Esta tem sido uma ocasião realmente bonita, e espero que, nos dias difíceis, me lembre disso — e isso me faça sorrir.”
Como se sente passados 22 anos depois da sua primeira visita a Timor-Leste?
Sinto uma mistura óbvia entre uma tristeza extrema e uma felicidade enorme, além de um orgulho incrível — mas, acima de tudo, gratidão ao povo de Timor-Leste por ter organizado isto. É incrível. Olho à minha volta e não consigo acreditar.
Na Austrália, isto é um segredo sujo que querem esconder. Em Timor-Leste, é algo aberto. É um país muito honesto.
Quando tinha 8 anos e soube do que aconteceu ao seu pai, como se sentiu?
Eu estava a regressar da escola para casa. Era um dia como qualquer outro. Vi no jornal numa loja, na primeira página: jornalistas desaparecidos. Não fiquei muito preocupado, porque já tinha desaparecido antes — na Royal Show e no futebol — e os meus pais encontraram-me. Pensei: “Se o meu pai desapareceu, eu posso encontrá-lo.”
Mas, cerca de uma semana depois, comecei a ficar preocupado. Disse à minha mãe que tinha uma lanterna e um saco-cama, e que talvez devêssemos ir a Timor para os encontrar. Ela disse-me que isso não era possível. Mais tarde, soube que tinham sido assassinados.
O seu pai deixou a Austrália para ir para Timor-Leste. Lembra-se do que ele costumava dizer a si ou à família sobre a viagem?
Sim. Ele ligou para casa a dizer que ia para Timor-Leste. A minha mãe passou-me o telefone e ele disse-me que ia descobrir a verdade sobre o que estava a acontecer na guerra. Eu respondi-lhe que não queria que fosse, porque ele sempre me dissera para nunca ir à guerra.
Perguntei-lhe: “Porque é que vais?” E ele explicou: “Não vou lutar na guerra. Vou lutar pela verdade.”
A sua mãe desejava que os restos mortais do seu pai fossem repatriados para a Austrália. Partilha do mesmo desejo?
Não acredito que sejam realmente os restos mortais deles. Foram todos colocados numa única caixa. Quando essa caixa foi entregue ao consulado australiano, alguém decidiu dividir os restos em cinco caixas, como se estivessem a misturar um licor. É uma confusão.
O meu pai, para mim, está aqui. Se o corpo não está aqui, o espírito está — e isso é o que me faz feliz. Não estou interessado na Indonésia, nem em trazer nada de volta.
Há membros da família que discordam, e acho que, a menos que todos concordemos, devemos deixar as coisas como estão. Não é justo que uns consigam o que querem e outros não.
O que acha que os governos da Austrália e da Indonésia deveriam fazer?
Acho que é muito simples. Gostaria que pedissem desculpa. Só isso. Ensinamos os nossos filhos a pedir desculpa quando fazem algo errado — porque é que os adultos não o fazem também?
Cinquenta anos depois da tragédia, o que considera mais importante lembrar?
Que a verdade é a coisa mais importante que temos. Não temos nada se não tivermos a verdade.
Que legado gostaria de deixar aos seus filhos e às gerações futuras?
Espero que os meus filhos percebam que, seja qual for a profissão que sigam, devem fazê-lo da melhor forma possível — com honestidade, verdade, coragem e determinação, tal como o meu pai e os colegas tiveram.
Acredita que a verdade sobre o que aconteceu em Balibo foi totalmente revelada?
Não creio que tenha sido totalmente revelada pelos governos, mas sim por um tribunal que concluiu, após o julgamento, que eles foram assassinados com as mãos no ar, dizendo “jornalista australiano”. Foi isso que aconteceu. Vivemos num sistema baseado em regras.
Sente que ainda falta saber algo mais sobre a morte do seu pai?
Não é só porque eu preciso de saber — acho que o mundo precisa. Eles vieram aqui para descobrir a verdade. Devemos, todos, descobrir a verdade.
O que espera do Governo de Timor-Leste?
Acho que o Governo de Timor-Leste sempre tratou bem a minha família. Outras crianças tinham o Batman e o Robin; eu tinha José Ramos-Horta e Xanana Gusmão — eles eram os meus heróis.
Não sei se o Governo pode fazer muito mais. Fizeram tudo o que podiam. Fizeram-nos sentir bem-vindos e mostraram total respeito. Não foram eles que fizeram isto.
Como tem sido a relação com as famílias das outras vítimas?
Não posso falar por ninguém além de mim. Eu costumava ter medo de vir a Timor-Leste — era o lugar onde algo terrível aconteceu ao meu pai. Vim em 2003 e agora voltei. Todas as pessoas que conheço são maravilhosas. Dizem-me que os cinco de Balibo fazem parte da sua família. E, para mim, Timor-Leste faz parte da nossa.
Acha que a Austrália fez o suficiente para honrar e proteger a memória da luta de Balibo?
Na verdade, não, mas Timor-Leste compensou isso, e é por isso que estou tão grato.
Que mensagem gostaria de deixar aos jovens timorenses e australianos sobre o valor da verdade e da liberdade de imprensa?
Acho que é uma das coisas mais importantes que temos — e, hoje, é ainda mais importante do que antes. A verdade nem sempre é fácil de encontrar. As pessoas têm boas razões para inventar histórias — e os políticos são mestres nisso.
Precisamos de jornalistas para descascar a pintura e descobrir o que está por baixo. E, normalmente, o que está por baixo é a verdade.


