Alunos denunciam circular que proíbe atividades políticas no campus, relatam intimidações por parte de docentes e prometem protestos. Reitoria rejeita acusações.
A circular emitida a 5 de setembro pelo reitor da Universidade de Díli (UNDIL), José Agostinho da Costa Pereira, continua a gerar forte indignação entre os estudantes. O documento, dirigido ao Senado da universidade, proíbe a realização de qualquer atividade que não esteja diretamente relacionada com o processo de aprendizagem ou com tarefas académicas, incluindo práticas políticas dentro do recinto universitário.
Segundo a circular, a universidade deve restringir-se exclusivamente a três funções fundamentais: ensino e aprendizagem, investigação e inovação, e serviço social.
A decisão foi duramente contestada por representantes estudantis, que a classificam como uma tentativa clara de silenciar vozes críticas e de comprometer os princípios fundamentais da democracia no espaço académico. Para os alunos, a medida constitui uma violação direta da Constituição e dos direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente a liberdade de expressão e de manifestação.
Em declarações ao Diligente, o porta-voz dos estudantes da UNDIL, Elisário Vila Nova, sublinhou que qualquer circular que contrarie a Constituição é inválida. “Nós, enquanto estudantes que aprendemos sobre leis e política, reconhecemos que essa circular é inválida, e isso significa que não há qualquer limitação legal que nos impeça de realizar uma conferência de imprensa ou uma manifestação contra o Parlamento Nacional”, afirmou.
O porta-voz reiterou ainda a oposição dos estudantes à decisão do Parlamento Nacional que prevê a compra de viaturas para os deputados. “Essa política é injusta, pois não traz benefícios à vida do povo maubere”, defendeu.
Segundo Elisário, a administração universitária não apenas restringiu atividades políticas no campus, mas também adotou atitudes intimidatórias. Denunciou que, na última sexta-feira, foi convocado pelo decano da Faculdade de Ciências Políticas, acompanhado por três docentes, para uma reunião onde terá sido insultado e ameaçado fisicamente.
“Acusaram-me de ser ‘filho das milícias’, mas os meus pais são veteranos da luta. Tentaram agredir-me fisicamente e até me tiraram o telemóvel. Disseram ainda que queriam expulsar-me da universidade. Fiquei calado e está tudo gravado em vídeo. A intenção deles era claramente intimidar-me e impedir que realizássemos a conferência de imprensa que tínhamos planeado”, denunciou.
O estudante acrescentou que alguns colegas também receberam mensagens via WhatsApp de docentes que procuravam dissuadir a participação na conferência de imprensa e em futuras manifestações.
Para Elisário, a Constituição garante a liberdade de expressão como direito fundamental dos cidadãos, pelo que nenhuma instituição pode restringir esse direito. “Se a estrutura da universidade publica uma circular como esta, está a violar a Constituição”, acusou.
Outro estudante da UNDIL, Marcelo dos Santos, reforçou as críticas, considerando que a circular viola não apenas direitos constitucionais, mas também os próprios pilares do ensino superior: ensino, investigação e intervenção social.
“Notamos que o reitor não está interessado em salvar o destino da universidade nem dos estudantes, mas sim em proteger o seu próprio cargo político enquanto presidente da Comissão Nacional de Eleições”, denunciou.
Segundo Marcelo, a posição dos estudantes é clara: opõem-se à decisão do Parlamento Nacional e, consequentemente, aos partidos que a apoiam. “Consideramos que a atitude do reitor tem como objetivo salvaguardar os seus próprios interesses políticos”, reforçou.
Apesar de a intenção inicial dos estudantes ser realizar a conferência de imprensa dentro do campus, a administração, com base na circular, proibiu a iniciativa. “Hoje o vice-reitor III, Hugo Costa, informou-nos de que deveríamos realizar a conferência noutro local. Então decidimos fazê-la no portão da universidade e usámos a nossa alma mater”, explicou Marcelo.
O estudante garantiu que, mesmo perante intimidações e restrições, os alunos vão continuar a usar o nome e o símbolo da universidade nas manifestações. “Não aceitamos que o espaço universitário seja transformado num ambiente repressivo. Vamos continuar a usar o nome da nossa universidade com orgulho para reafirmar a nossa posição de que o direito à liberdade de expressão é um direito moral de todo o cidadão”, disse. O protesto está agendado para 15 de setembro.
A indignação dos estudantes da UNDIL cresce ainda mais quando comparam a postura da sua universidade com a da UNPAZ, cujo reitor, Adolmando Amaral, incentivou os alunos a realizar comunicados de imprensa dentro do campus.
“Apreciamos muito a posição do reitor da Universidade da Paz, que está alinhado com os estudantes na luta contra as injustiças. Diferente do nosso reitor, que parece mais preocupado em proteger os seus próprios interesses políticos do que em apoiar os estudantes”, frisou Marcelo.
Jurista denuncia circular da UNDIL e compara reitor ao regime de Suharto
O jurista e académico Armindo Moniz manifestou-se indignado com a circular emitida pelo reitor da Universidade de Díli (UNDIL), considerando que o documento reflete práticas herdadas do regime autoritário de Suharto, durante a ocupação indonésia, quando os reitores eram usados para reprimir os movimentos estudantis e limitar o espaço de contestação.
“Essa circular faz-me lembrar os tempos sombrios da era Suharto, em que os estudantes eram impedidos de se expressar livremente sobre questões sociais e políticas. Pensávamos que aquele regime tinha morrido com Suharto, mas o seu espírito ainda vive na mentalidade do reitor da UNDIL. Isso é profundamente preocupante”, afirmou.
Armindo defendeu que os estudantes devem educar o reitor através da resistência, para impedir que o campus volte a repetir situações do passado. Sublinhou ainda que a universidade deve ser um espaço aberto ao debate, inclusive sobre temas sensíveis.
“A liberdade de expressão dos estudantes não pode ser anulada por meio de circulares. Isso só acontece em regimes autoritários, mas está, infelizmente, a acontecer agora na UNDIL”, lamentou.
Segundo o jurista, além de protestar contra a decisão do Parlamento Nacional sobre a aquisição de 65 carros para os deputados, a comunidade académica deve ensinar ao reitor o verdadeiro significado da democracia.
“O campus não pode ser usado para legitimar decisões corruptas. O reitor está a mostrar que não compreende a importância histórica do papel transformador da universidade. As grandes reformas e revoluções nascem nas universidades, e não em instituições que hoje se limitam a observar”, alertou.
Armindo acusou ainda o reitor de estar a instrumentalizar a UNDIL para proteger os seus próprios interesses políticos, em particular a sua posição como presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
“O que vemos aqui é uma tentativa clara de usar a universidade como ferramenta para manter o seu poder dentro da elite. A circular é uma manobra para silenciar os estudantes e garantir a sua permanência na CNE. Isso é grave”, criticou.
Para o jurista, a acumulação dos cargos de reitor e presidente da CNE levanta sérias questões éticas. “O reitor precisa deixar clara a sua posição: ou está na universidade ou está na CNE. Manter-se nos dois cargos compromete a imparcialidade das suas decisões e prejudica a própria democracia”, defendeu.
Armindo referiu também que os estudantes têm sido alvo de intimidações, mas que a falta de unidade os torna mais vulneráveis. “Estamos a observar um padrão de repressão dentro da universidade. Quando a repressão se instala, a solidariedade entre universidades torna-se fundamental. Todas as instituições de ensino superior devem unir-se para travar práticas autoritárias no seio académico”, apelou.
O jurista concluiu sublinhando o papel essencial dos estudantes na transformação do Estado. “Eles não lutam apenas por serem estudantes, mas porque têm liberdade e capacidade de provocar mudanças. Se ficarem calados diante da injustiça, então ela vai continuar a crescer. É preciso denunciar, resistir e defender a democracia, dentro e fora da universidade”, declarou.
Vice-reitor da UNDIL defende circular e rejeita acusações de repressão
O vice-reitor III e decano da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Díli (UNDIL), Hugo Costa, esclareceu que a circular recentemente emitida pelo reitor da instituição não teve motivações políticas, mas resultou de experiências observadas na Indonésia, onde manifestações estudantis assumiram, segundo disse, formas anárquicas.
“A situação que ocorreu na Indonésia serviu como referência para o Senado Universitário tomar uma decisão. Não proibimos nenhum estudante de se manifestar, pois isso é um direito político individual, mas não concordamos que o nome da universidade seja usado nesses protestos”, afirmou.
Relativamente à proibição do uso das instalações da universidade para leituras de comunicados de imprensa ou organização de protestos, o vice-reitor explicou que a medida tem como objetivo evitar que a UNDIL seja responsabilizada por eventuais incidentes.
“A universidade não quer criar instabilidade nem que alguém se torne vítima por ser usado para interesses alheios. Se houver consequências graves, quem assume a responsabilidade? A universidade? Não pode ser”, questionou.
Confrontado com as críticas de que a instituição estaria a reprimir a democracia no campus, Hugo Costa respondeu: “A democracia existe quando se expressam ideias sem ameaças ou agressões físicas. Portanto, a democracia continua a funcionar.”
O responsável reforçou que a UNDIL não restringe a liberdade de expressão dos seus estudantes, mas sublinhou que essa deve ser exercida de forma individual, sem comprometer o nome da instituição.
“Cada um tem o direito de expressar a sua opinião no Parlamento Nacional ou nas sedes dos partidos políticos, mas não podem usar o nome da universidade nem fazer manifestações dentro das suas instalações”, frisou.
Sobre as acusações de agressão física a estudantes, alegadamente praticadas pelo próprio decano, Hugo Costa negou categoricamente. “Se alguém tiver provas de que pratiquei agressão física, encorajo que apresentem queixa ao Ministério Público. Até agora, não cometi nenhum ato de agressão”, garantiu.
O vice-reitor acrescentou ainda que a universidade não intimida estudantes. “Hoje mesmo falei com os estudantes, e eles concordaram em fazer o comunicado de imprensa fora da universidade”, disse, reforçando que os jovens têm liberdade de se manifestar, mas não dentro do recinto universitário.
Hugo Costa rejeitou também as acusações de que a circular do reitor José Agostinho da Costa Belo Pereira tivesse motivações políticas, insistindo que a decisão se baseia em regulamentos internos da instituição. “A universidade tem as suas regras e essa decisão não tem relação com o cargo político do reitor enquanto presidente da Comissão Nacional de Eleições”, esclareceu.
Sublinhou ainda que, no contexto académico, a crítica deve ser sustentada por factos e não apenas por manifestações. “Os estudantes que queiram contestar decisões políticas devem fazer pesquisas e apresentar resultados com base em evidências. Atuar sem provas não é comportamento académico”, afirmou.
Para Hugo Costa, manifestações e conferências de imprensa não são os únicos meios legítimos de expressão. “Como académicos, devemos usar outros meios, como a pesquisa, os debates e a produção de artigos fundamentados. O verdadeiro controlo social começa com pesquisa, seguida de crítica e autocrítica baseadas em evidências”, acrescentou.
O vice-reitor demonstrou ainda insatisfação com a forma e o momento da manifestação organizada contra a compra de viaturas para os deputados, considerando-a tardia. “Esse orçamento já foi aprovado e as viaturas já estão em processo de aquisição. Só agora é que se manifestam? Desde 2009 que há protestos contra esta prática, mas isso nunca impediu novas compras”, recordou.
Hugo Costa alertou, por fim, para o risco de instrumentalização política dos estudantes por partidos em épocas eleitorais. “Os partidos políticos evitam discutir problemas como a compra de viaturas quando estão no poder, mas quando a campanha se aproxima, usam esses temas para enganar o povo. Não queremos que os nossos estudantes sejam instrumentos desses interesses”, concluiu.


