História de Timor-Leste esquecida nas salas de aula?

Manual do aluno do ensino secundário, disponível apenas para estudantes da área de Ciências Sociais / Foto: Diligente

Estudante e especialistas criticam a fraca presença da História de Timor-Leste nos programas escolares e alertam para a falta de professores especializados na disciplina. O Ministério da Educação garante que vai avançar com uma revisão curricular, enquanto o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Cultura revela que a UNTL já está a preparar a criação de um Departamento de História.

A disciplina de História faz parte do currículo do ensino básico do 3.º ciclo e também do ensino secundário. No entanto, os conteúdos abordados e a qualidade da formação dos professores continuam a ser motivo de debate em Timor-Leste. Para vários entrevistados, os manuais escolares dão maior atenção à história mundial, enquanto a história do país permanece pouco valorizada.

Segundo o adjunto dos professores da Escola Secundária Geral n.º 01 de Baucau, Vicente Amaral da Silva, os principais problemas no ensino da disciplina de História estão relacionados com a fraca formação dos docentes e com as limitações dos manuais escolares.

O responsável explicou que a maioria dos professores não possui formação específica na área. “Aqui, um tirou Sociologia nas Flores, na Indonésia. Outros vieram da Agricultura. Não aprenderam pedagogia, didática nem metodologias próprias para o ensino. Apenas tiveram formação em cursos gerais durante a ocupação indonésia. Além disso, não usam português nas aulas, apenas tétum”, referiu.

Professores sem especialização em História

Para Vicente, o problema está no sistema educativo timorense, que não preparou devidamente os recursos humanos para o período pós-independência. “Falamos muitas vezes sobre pôr a pessoa certa no lugar certo, mas a educação continua a enfrentar sérios desafios”, criticou.

De acordo com o docente, os manuais escolares disponíveis sobre a história do país são insuficientes. “Recebemos um manual de apoio de uma organização não governamental. É um livro em tétum, dividido em seis unidades, que utilizamos no 10.º, 11.º e 12.º anos. Os conteúdos vão desde a pré-história até à ocupação indonésia e à independência”, acrescentou.

Apesar das dificuldades, Vicente acredita que é possível reforçar a cooperação entre professores para melhorar os recursos. “Precisamos de criar grupos de trabalho para elaborar novos materiais e enriquecer os manuais existentes”, sugeriu.

O professor Marito (nome fictício), responsável pela disciplina de História, contou que estudou Geografia na Indonésia, durante a ocupação, mas passou a lecionar História por necessidade da escola. “Não tive oportunidade de estudar História na universidade, mas preciso de ensinar a disciplina. Muitas vezes faço pesquisas e procuro materiais para preparar as minhas aulas”, explicou.

Também apontou as limitações dos recursos didáticos. “Os manuais existentes não chegam para abordar a história do país de forma completa. Temos de criar materiais complementares e trocar experiências com os colegas para melhorar o ensino”, defendeu.

Feviana Bento de Sá, estudante da Escola Secundária Geral n.º 01 de Baucau, afirmou que a disciplina de História desperta o seu interesse, mas lamenta a pouca atenção dada à história nacional. “Gosto desta disciplina porque permite aprender e alargar o conhecimento sobre o passado, para compreender o mundo e a vida das pessoas”, explicou.

A jovem sublinhou que o tema que mais a cativou foi a história de Timor-Leste, mas que o currículo atual dá maior destaque à história mundial. “Precisamos de aprender mais sobre a história do nosso país, porque há muitas coisas que a nova geração ainda desconhece”, afirmou.

Memória nacional ainda pouco valorizada

De acordo com o investigador de História, Ivo Mateus Gonçalves, o ensino em Timor-Leste continua a privilegiar o império português e a história europeia, dando pouca relevância à história nacional nos currículos escolares.

O investigador lembrou que o país nem sequer dispõe de um departamento de História nas universidades. “Isto é muito triste. Se compararmos com a Índia, que se libertou do colonialismo britânico em 1949, a primeira medida tomada foi escrever a sua própria história, sobretudo a historiografia nacional a partir do ponto de vista de quem lutou pela independência e também da população em geral sobre o colonialismo. No nosso caso, isso não aconteceu”, afirmou.

Ivo Mateus defende que Timor-Leste precisa de construir uma narrativa histórica democrática. “Por exemplo, deve dar espaço à voz do povo, mas pouco foi feito até agora na historiografia nacional. O Centro Nacional Chega tem a ideia de que cada aldeia tem a sua história, mas este método pode acabar por excluir certos factos ou diminuir o papel do povo no processo histórico”, alertou.

O investigador reconheceu que a história mundial pode ter espaço nos currículos como conteúdo introdutório, mas não deve ser predominante. “O povo precisa de conhecer a sua própria história — o que aconteceu no passado, como esse passado conduziu ao presente e o que poderá influenciar no futuro. Caso contrário, não compreendemos nem conhecemos verdadeiramente o nosso percurso”, explicou.

Para Ivo, cabe ao Ministério da Educação reforçar a presença da história de Timor-Leste nos diferentes níveis de ensino. “A maior riqueza do país é a sua história. Se não a transmitirmos às novas gerações, corremos o risco de a esquecer. Como podemos orientar o futuro se não conhecemos o passado? Por isso, insisto sempre na necessidade de dar a conhecer a história do nosso país. Podemos organizar os conteúdos por períodos: antes da chegada dos portugueses, a vida da sociedade timorense, o período colonial, a presença japonesa, a ocupação indonésia e, finalmente, a independência”, sugeriu.

 Currículo frágil e ausência de bases sólidas

O coordenador do Currículo do Ministério da Educação, João Mau Pelu, confirmou que a história de Timor-Leste já está incluída no ensino básico do 3.º ciclo, mas de forma ainda limitada. O trabalho, explicou, tem sido feito em articulação com o Centro Nacional Chega (CNC).

“O CNC recolheu a história dos anos de 1975 a 1999. Usámos esse material no manual do terceiro ciclo. Neste momento, estamos a preparar uma revisão do currículo para este nível de ensino. Quanto ao secundário, ainda não há planos imediatos”, afirmou.

O coordenador sublinhou que é essencial reunir referências válidas e adequadas para servir de base à elaboração dos manuais escolares. “Através de fontes fidedignas, o Ministério pode estruturar o currículo e depois utilizá-las na produção dos conteúdos”, explicou.

João Mau Pelu reconheceu ainda que o país enfrenta uma grande carência de professores especializados em História. “O Ministério tem recrutado docentes, mas as universidades timorenses ainda não formam profissionais nesta área. Alguns professores concluíram cursos de História no exterior e hoje lecionam cá, mas outros baseiam-se apenas na sua experiência pessoal”, admitiu.

No ensino básico do 3.º ciclo, a disciplina de História e Geografia integra conteúdos de história nacional e mundial. Porém, João apontou limitações: “Não temos referências sobre o período anterior a 1975. Por exemplo, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais são abordadas, mas falta informação sobre o que aconteceu em Timor antes da chegada dos portugueses. Escrever História não é apenas falar de guerras, mas também da evolução da humanidade, das plantas, da ciência, da saúde — tudo isso faz parte da História”, detalhou.

UNTL prepara primeiro curso de História

O Ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura, José Honório, revelou que a Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) já apresentou uma proposta para a abertura de um curso de História, com o objetivo de formar recursos humanos qualificados capazes de transmitir a memória nacional às novas gerações.

“Já é tempo de universitários e estudantes do ensino básico e secundário poderem aprofundar os seus estudos nesta área. O Ministério está a avaliar a proposta e, depois de aprovada, emitirá a licença. Acredito que no próximo ano a UNTL possa iniciar o novo departamento de História”, afirmou.

José Honório destacou ainda a importância de valorizar os historiadores timorenses que ainda estão vivos. “Podemos e devemos consultar as suas ideias para enriquecer a escrita da história de Timor-Leste”, concluiu.

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  1. Sou professor de história no Brasil, já ensino a 25 anos.
    É fundamental e urgente que países que passaram por o processo de colonização, busquem sua identidade e mantenham vivas suas raízes históricas.

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