Milhões do orçamento para viaturas dos deputados: indignação cresce entre estudantes e sociedade civil

Os universitários e grupos da sociedade civil planeiam sair às ruas em protesto/Foto: DR

O Parlamento Nacional alocou 4,2 milhões de dólares americanos para a compra de 65 viaturas de luxo destinadas aos deputados. A decisão tem gerado forte contestação pública, com estudantes universitários e organizações da sociedade civil a exigirem a sua revogação.

A aquisição de novas viaturas, justificada pelo Parlamento Nacional com base na alegada degradação e altos custos de manutenção dos veículos atuais, está a levantar dúvidas sobre as verdadeiras motivações da medida. Para estudantes universitários e organizações da sociedade civil, trata-se de um ato de “corrupção legal” e de uma “política prematura e infantil” que ignora a realidade do povo.

O Orçamento Geral do Estado para 2025 prevê a alocação de 4,2 milhões de dólares para esta finalidade, sendo que o processo de aquisição se encontra em tramitação junto da Comissão Nacional de Aprovisionamento.

Durante uma conferência de imprensa na Universidade da Paz (UNPAZ), o porta-voz do Senado Estudantil, Teo Salsinha, criticou a decisão, classificando a compra como desnecessária e injustificada. “Não há urgência nem necessidade na compra de carros de luxo, uma vez que os veículos atualmente em uso pelos deputados ainda estão em boas condições, sem sinais claros de avaria”, afirmou.

Salsinha recordou que os deputados já beneficiam de viaturas do tipo Prado, laptops, subsídios para alojamento, cuidados de saúde, eletricidade e outros apoios logísticos. Sublinhou que a prioridade deveria ser a melhoria das condições de vida da população timorense, e não o reforço de privilégios dos políticos. Caso o pedido não seja atendido, os estudantes planeiam mobilizar manifestações contra os deputados.

A crítica estende-se a outros universitários. A organização Estudante Universitário de Timor-Leste (EUTL) exigiu, numa conferência de imprensa na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), que o Parlamento acabe com a cultura de compra de carros de luxo e outras regalias para os deputados, considerando a decisão insensível face às condições de vida da população.

O porta-voz da EUTL, Caetano da Cruz, destacou que o país continua a enfrentar problemas graves, como o elevado desemprego jovem, má nutrição, fraco acesso a serviços básicos e dependência crescente do fundo petrolífero. Propõe que o orçamento seja reinvestido em setores produtivos para melhorar a qualidade de vida da população.

“Vemos que o montante envolvido é extremamente elevado, e esse dinheiro poderia ser alocado para outras necessidades da população. Não se deve gastar o dinheiro do povo com privilégios individuais ou de pequenos grupos”, afirmou.

De acordo com o Índice Global da Fome 2023 (IGF), 46,7% das crianças timorenses com menos de cinco anos sofrem de subnutrição crónica, uma das taxas mais elevadas do mundo. Esta condição reflete os persistentes desafios nutricionais enfrentados pelo país.

Outro relatório, o Índice de Pobreza Multidimensional (MPI) da ONU, divulgado em 2023, indica que cerca de 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste vivem em situação de vulnerabilidade social, devido a privações em áreas como saúde, educação e condições de vida. A ONU alerta para a necessidade de políticas públicas mais eficazes e investimentos sustentáveis.

Caetano da Cruz considera a compra de carros de luxo “extremamente irónica”, uma vez que representa uma alocação de fundos desnecessária. “Esses recursos deveriam ser destinados a programas de combate à pobreza, melhoria de infraestrutura ou aumento da qualidade dos serviços públicos – e não usados apenas para interesses pessoais”, frisou.

Os estudantes também criticam os deputados por não cumprirem o seu papel de representantes do povo, ignorando problemas sociais urgentes, como má nutrição, desemprego elevado, acesso limitado à água potável, más estradas, falta de eletricidade, escassez de medicamentos, deficiências na educação e despejos forçados.

“Os deputados preocupam-se apenas em assegurar privilégios através de decisões políticas e leis que os favorecem e às suas famílias, protegendo apenas os interesses dos seus partidos em cada período eleitoral”, lamentou o porta-voz.

A EUTL alerta ainda que o Parlamento “está transformado num palco de insultos, histórias inventadas, agressões e confrontos entre deputados, refletindo um comportamento marcado pelo premanismo”, prejudicando a imagem e credibilidade do órgão.

Os estudantes apelam a uma postura de seriedade política e responsabilidade moral, com decisões que promovam o bem-estar comum, em vez de interesses partidários, grupais ou familiares.

“Pedimos que os deputados tenham capacidade e responsabilidade moral para resolver os problemas do país. Os setores alternativos não funcionam, o país continua dependente do fundo petrolífero, mas os deputados continuam a comprar carros de luxo, sem fiscalização efetiva sobre os programas do Governo”, afirmou.

Além disso, exigem que o Parlamento pressione o Governo a indemnizar as populações afetadas por despejos forçados, revogue a lei da pensão vitalícia e altere a lei das manifestações, eliminando a restrição de 100 metros, considerada um atentado à democracia.

Os estudantes convocam universidades, institutos, veteranos, sociedade civil e o povo em geral a resistir contra decisões políticas injustas que beneficiam apenas os deputados, agravando a injustiça social.

Após o anúncio da manifestação, a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) deslocou-se ao local para alertar sobre a necessidade de cumprir as regras previstas para protestos públicos.

O comandante da PNTL em Díli, Superintendente-Chefe Orlando Gomes, afirmou que a presença policial visa garantir a segurança na área do Parlamento Nacional. “Recebemos informação de que os estudantes pretendem realizar uma manifestação. O comando municipal de Díli está a antecipar para evitar qualquer possibilidade de anarquia”, disse.

O comandante confirmou que, até ao momento, não foi recebido qualquer carta formal para a realização do protesto. “Todos têm direito à manifestação, mas é essencial manter a disciplina e respeitar as normas existentes”, sublinhou.

Petição e possível manifestação: universitários e sociedade civil exigem cancelamento da compra de viaturas de luxo

O Reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), Adolmando Soares Amaral, criticou duramente a decisão do Parlamento Nacional de adquirir 65 viaturas de luxo para os deputados. O académico incentivou os estudantes a divulgar um comunicado à imprensa exigindo o cancelamento da medida e a considerar a organização de manifestações pacíficas caso a decisão não seja revogada.

Em entrevista, Adolmando classificou a compra dos veículos como desnecessária, insensível e uma afronta às condições de vida da população. Recordou que o mandato dos deputados termina em três anos e que as viaturas atuais – do tipo Pajero Sport – ainda se encontram em boas condições.

“Os deputados dizem que realizam fiscalização, mas na prática não os vemos a atuar no terreno. Quem acompanha diariamente o desenvolvimento do país sob sol e chuva é o Primeiro-Ministro, não os deputados. Não há, portanto, razão para justificar que eles estão a fiscalizar”, apontou.

O reitor criticou ainda o desempenho parlamentar, afirmando que a maioria dos deputados permanece ausente das suas funções legislativas. “Há leis que ficam apenas no papel, como a da pensão vitalícia, que nunca é revista”, sublinhou.

Adolmando defendeu que os fundos públicos deveriam ser aplicados em estradas, pontes, água potável e eletricidade, sobretudo nas zonas rurais, onde a carência é mais evidente. Para ele, a compra de novas viaturas serve apenas para manter privilégios políticos e preparar futuras campanhas, enganando novamente o povo.

“Os autocarros circulam nas montanhas há mais de dez anos e ainda transportam os passageiros sem problemas. Como é possível que os deputados, com viaturas Pajero Sport adquiridas há apenas cinco anos, já queiram novos carros?” questionou, acrescentando que os argumentos apresentados pelo Parlamento “não têm lógica” e que “o povo já está consciente e não se deixa enganar facilmente”.

O reitor lamentou também a posição do Presidente da República, José Ramos-Horta, que manifestou apoio à aquisição dos veículos. Para Adolmando, o chefe de Estado é pressionado pelos deputados: “Se não concordar, não autorizam a sua viagem ao exterior. Eles estão a defender-se uns aos outros”, afirmou.

Após incentivar os universitários a emitir comunicados e organizar manifestações pacíficas, o reitor reuniu-se com o Ministério do Interior para discutir questões de segurança relacionadas à mobilização estudantil.

“O país não pode permanecer em silêncio diante desta situação. Estamos prontos para assumir responsabilidade, continuar a promover conferências e colaborar com intelectuais e a sociedade civil. Se necessário, realizaremos manifestações pacíficas”, declarou.

Por seu lado, o porta-voz do Fórum das Organizações Não Governamentais de Timor-Leste (FONGTIL), Januário Amaral, recordou que desde 2019 a organização tem apresentado audiências e comunicados sobre o tema, mas os processos legislativos continuam sem consulta pública, sendo os cidadãos informados apenas após as decisões estarem tomadas.

Januário questionou também os resultados das fiscalizações prometidas pelos deputados. “Onde estão os relatórios das fiscalizações nas zonas rurais? Onde estão os impactos concretos dessas visitas?”, perguntou.

O FONGTIL alerta que a população continua a enfrentar graves problemas de acesso a água potável e infraestruturas básicas, tanto nas áreas remotas como em Díli. “Os deputados foram eleitos para defender e promover os direitos do povo. Se o Parlamento avançar com a aquisição das viaturas, lançaremos uma petição nacional. A manifestação será o último recurso, caso não haja resposta às nossas preocupações”, afirmou.

Januário apelou ao Parlamento Nacional para reforçar a transparência e a eficiência na gestão dos recursos públicos, afirmando que essa postura é essencial para aumentar a confiança da população nas instituições do Estado. “Os deputados devem exercer o seu mandato com qualidade, responsabilidade e sensibilidade social, representando genuinamente os interesses do povo”, sublinhou.

A sociedade civil solicitou também à Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) que realize uma fiscalização abstrata ao Estatuto dos Deputados, que define os direitos e subsídios dos parlamentares. “Recentemente, o Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, afirmou que, nos próximos quatro anos, Timor-Leste não terá recursos financeiros disponíveis. É, portanto, necessário fazer uma gestão cuidadosa e responsável”, alertou.

Parlamento Nacional define subsídios aos deputados por resolução

O Parlamento Nacional aprovou em 2024 uma nova resolução que regulamenta os subsídios atribuídos aos deputados, em conformidade com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4/2023, de 25 de janeiro, ao Estatuto dos Deputados (Lei n.º 5/2004, de 5 de maio).

A medida define os procedimentos para a atribuição de diversos apoios financeiros, incluindo subsídio de combustível, subsídio para tratamentos de saúde e despesas médicas, subsídio de apoio ao trabalho político, subsídio por morte, direito à assistência médica e internamento hospitalar.

Segundo documentos a que o Diligente teve acesso, o subsídio de combustível foi fixado em 350 dólares mensais por deputado, transferidos diretamente para a conta bancária indicada pelo beneficiário.

Além disso, cada deputado recebe um subsídio anual de 8.000 dólares destinado a cobrir tratamentos de saúde e outras despesas médicas, pago integralmente em janeiro de cada ano.

Este valor cobre consultas e tratamentos com médicos gerais e especialistas, exames de diagnóstico e radiologia, enfermagem, cirurgias, análises clínicas, fisioterapia, próteses e ortóteses, medicamentos e produtos homeopáticos, bem como despesas relacionadas com transporte em ambulâncias, viagens, alojamento e alimentação ligadas aos tratamentos de saúde.

O Parlamento aprovou ainda um subsídio anual de 13.000 dólares para apoio ao trabalho político, destinado a financiar despesas ligadas ao contacto com o eleitorado.

O pagamento é dividido da seguinte forma: 1.000 dólares por mês nos meses de janeiro a junho e setembro a dezembro, e 1.500 dólares por mês em julho e agosto, transferidos diretamente para a conta bancária de cada deputado.

Foi também aprovado um subsídio por morte para deputados e familiares próximos. Em caso de falecimento do deputado, os familiares recebem 4.000 dólares, divididos entre cônjuge sobrevivente e filhos menores, tutelados ou incapazes. Se não houver cônjuge nem filhos menores, o valor é entregue aos pais dependentes.

No caso da morte do cônjuge, filhos menores, tutelados ou pais sob responsabilidade do deputado, este recebe 2.500 dólares.

O Parlamento reafirmou ainda o direito dos deputados à assistência médica, medicamentosa e internamento hospitalar, incluindo segurança social e, em casos graves e urgentes, evacuação e tratamento no estrangeiro.

Todas as despesas médicas, de internamento, alojamento, alimentação, viagens, vistos e passaportes, tanto do deputado quanto de eventual acompanhante, são financiadas pelos serviços do Ministério da Saúde.

Os deputados recebem ainda salários mensais diferenciados consoante os cargos ou funções exercidas dentro da estrutura parlamentar.

Segundo os dados disponíveis, a remuneração mensal é a seguinte: presidente do Parlamento Nacional, 4.500 dólares; vice-presidente do Parlamento Nacional, 3.600 dólares; vice-secretário da Mesa do Parlamento Nacional, 2.975 dólares; presidente de Bancada Parlamentar, 2.850 dólares; presidente de Comissão Especializada, 2.925 dólares; vice-presidente de Comissão, 2.843 dólares; secretário da Mesa da Comissão, 2.762 dólares; deputado comum, 2.681 dólares.

O ativista Nolasco Mendes alertou que, com salários e subsídios mensais que podem ultrapassar os 10 mil dólares anuais, os deputados teriam condições financeiras para adquirir os seus próprios veículos.

“Porque é que o Estado tem de comprar carros para eles, se depois do mandato esses veículos são levados para casa ou leiloados a preços simbólicos, como já aconteceu com viaturas Prado compradas a 64 mil dólares e leiloadas a apenas 8 mil?”, questionou.

Nolasco chamou a atenção para a redução do fundo petrolífero e criticou o uso irresponsável de recursos públicos, afirmando que o Estado não pode continuar a financiar privilégios desnecessários.

O ativista questionou ainda o desempenho real dos deputados, defendendo que a eficácia parlamentar deve ser medida pela produção legislativa e não apenas por visitas aos municípios.

“Ainda estamos sem leis fundamentais, como a lei cibernética, a lei de investimento e a lei da terra. Isto mostra que a fraqueza não está na fiscalização, mas nas funções dos deputados na produção de leis”, concluiu.

JSMP e PDHJ apelam à ética e responsabilidade política no Parlamento

O coordenador do programa de Observação Parlamentar do Programa de Monitorização do Sistema Judicial (JSMP), José Pereira, manifestou preocupação em relação à decisão do Parlamento Nacional de adquirir viaturas para os deputados.

Ele sublinhou que qualquer decisão tomada por órgãos de soberania deve refletir o interesse público, especialmente numa situação de dificuldades económicas enfrentadas pela maioria da população.

“O importante é que qualquer decisão do Estado reflita o interesse do povo, porque o Estado tem a obrigação de garantir o bem-estar social e a justiça para todos”, afirmou José, observando que a compra de viaturas pode agravar problemas sociais existentes.

Reconhecendo que o Parlamento necessita de meios para apoiar o desempenho das suas funções, José Pereira destacou que os deputados já dispõem de viaturas em boas condições, capazes de sustentar as suas atividades parlamentares.

Segundo o JSMP, a fiscalização do Parlamento não é realizada por cada deputado individualmente, mas através das comissões especializadas permanentes. “As deslocações para ações de fiscalização são feitas em grupo, em comitivas organizadas pelas comissões, e não por iniciativa individual de cada deputado”, sublinhou.

Neste sentido, defendeu que não é necessário adquirir 65 viaturas, mas sim investir em meios de transporte coletivos, como pequenos autocarros para cada comissão, permitindo que o restante orçamento seja aplicado em setores produtivos como agricultura e turismo, impulsionando o desenvolvimento económico e reduzindo a pobreza.

José alertou que uma gestão orçamental irresponsável beneficia apenas uma minoria, enquanto a maioria da população continua a sofrer. “Muitas situações de violência e criminalidade surgem devido à má governação e à fraca gestão dos recursos públicos”, destacou.

O JSMP questiona também a falta de transparência nos critérios técnicos usados para justificar os custos de manutenção das viaturas. “Não sabemos se alguém avaliou realmente o estado dos veículos. Se for apenas para circular em Díli, não há necessidade de novos carros”, afirmou, acrescentando que a insistência do Parlamento em avançar com a compra pode gerar penalização política para os atuais deputados.

Apesar do orçamento para a aquisição de viaturas já ter sido aprovado, José Pereira recordou que o Parlamento ainda tem competência para alterar ou revogar a decisão, bastando uma maioria simples para modificar a lei.

O JSMP apelou à responsabilidade moral, política e ética dos deputados, lembrando que a sua função é servir o povo e tomar decisões que beneficiem a maioria da população.

“Quando o povo ainda enfrenta dificuldades e vive em sofrimento, mas os deputados não se sentem afetados, que tipo de representação é essa?”, questionou.

José manifestou apoio aos protestos organizados por estudantes e sociedade civil, considerando que a manifestação é um direito legítimo para expressar discordância com decisões políticas injustas, desde que realizada com responsabilidade e sem violência.

Por sua vez, o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, considerou que a decisão do Parlamento Nacional de adquirir viaturas com fundos do Estado vai além da legalidade e está profundamente ligada à ética e à consciência política dos deputados.

Segundo o provedor, embora não exista uma lei que proíba explicitamente a compra de viaturas pelos deputados, a decisão levanta sérias preocupações éticas, especialmente num país onde grande parte da população vive em situação de pobreza.

“Não estamos a discutir se é legal ou ilegal, certo ou errado perante a lei. O que está em causa aqui é a ética. A política deve basear-se em valores e princípios que sirvam de guia para a conduta dos seus representantes”, afirmou.

O Provedor destacou que a ética exige equilíbrio entre o que se quer, o que se pode e o que se deve fazer. Acrescentou que, mesmo que os deputados tenham necessidades de adquirir viaturas, devem refletir sobre se isso é moralmente justificável num país com carências em áreas fundamentais, como educação, saúde e agricultura.

“Há coisas que podemos fazer, mas não devemos. E há coisas que devemos fazer, mas não queremos. É este tipo de reflexão ética que está em falta”, explicou. Sublinhou que a decisão de comprar carros não é adequada, porque prejudica os cidadãos.

Virgílio afirmou que as questões de ética e consciência política têm sido alvo de questionamento público desde as primeiras legislaturas em Timor-Leste. Como exemplo, relembrou uma grande manifestação em frente ao Parlamento Nacional, durante a qual estudantes e ativistas chegaram a ser detidos.

“Os dados mostram que 47% das crianças dos 0 aos 5 anos sofrem de desnutrição. Mais de 40% da população vive na pobreza. E, mesmo assim, os deputados insistem em comprar viaturas. Isso é uma falha ética grave”, sublinhou.

O Provedor comparou ainda a atual legislatura com a primeira, lembrando que, nessa altura, os deputados trabalhavam com poucos recursos, sem viaturas nem salários elevados, mas o debate político tinha maior qualidade e compromisso.

“Comparando a primeira legislatura com a atual, vemos uma grande diferença. Na altura, os deputados debatiam bastante e a mesa não se virava uns para os outros. Hoje, há muitas leis feitas pelo governo e, mesmo assim, os deputados sentem necessidade de comprar carros”, afirmou.

Quanto à exigência da sociedade civil de que a PDHJ fiscalize o estatuto dos deputados, Virgílio disse que essa discussão já ocorreu durante a legislatura liderada pelo deputado Aniceto Guterres, quando foram definidas normas sobre regalias.

“Infelizmente, ainda não temos uma decisão sobre se vamos fiscalizar ou não, mas vamos analisar a possibilidade, porque é preciso considerar certos critérios, já que isso pode contrariar princípios constitucionais e violar direitos humanos”, explicou, acrescentando que estes dois pontos são os principais impedimentos a uma fiscalização abstrata.

Apesar de estudantes e organizações da sociedade civil terem apresentado protestos ao Parlamento Nacional pedindo a suspensão da compra de viaturas, Virgílio afirmou que há grande probabilidade de o Parlamento continuar com as aquisições. “Acredito que eles vão continuar a comprar”, concluiu.

Deputados defendem compra de viaturas e apelam à compreensão da sociedade civil

O deputado Patrocínio Fernandes, da bancada do CRNT, afirmou que, apesar de grande parte da população considerar a compra de viaturas uma decisão exclusiva dos deputados, as decisões do Parlamento Nacional procuram refletir a realidade e as dificuldades enfrentadas pelos parlamentares no exercício das suas funções.

“Por isso, precisamos tomar decisões que permitam aos deputados ter condições para cumprir as suas responsabilidades constitucionais, especialmente no que diz respeito à fiscalização dos atos governativos”, destacou.

O deputado sublinhou ainda que todos reconhecem as dificuldades de acesso às zonas remotas do país. “A infraestrutura que liga a capital aos municípios, postos administrativos e sucos ainda é limitada, sobretudo se compararmos com países desenvolvidos, onde em poucas horas se consegue chegar às aldeias”, explicou.

Patrocínio Fernandes declarou respeitar as críticas e opiniões vindas da sociedade civil e de vários setores sociais, considerando-as uma demonstração de interesse pelo bem do Estado e da nação, sobretudo em benefício do povo.

“A decisão de adquirir viaturas já foi tomada, e eu, como deputado, participei dessa decisão com plena consciência. Quando o público exige que os deputados exerçam uma boa fiscalização — seja em relação a estradas, água ou outros serviços —, precisam ter meios para chegar a esses locais e chamar a atenção do Governo, se necessário”, afirmou.

O deputado recusou-se a fazer mais comentários sobre o assunto, mas reforçou que continua a respeitar as críticas dos cidadãos. “É disso que precisamos na nossa sociedade. Continuar a chamar a atenção uns dos outros, para que as instituições também tomem decisões baseadas no interesse do Estado e da nação”, concluiu.

Por outro lado, o deputado da FRETILIN, Antoninho Bianco, criticou a bancada do Governo por ter rejeitado propostas apresentadas pela oposição durante a discussão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2025, realizada no ano passado.

“Isto aconteceu em 2024, quando debatíamos o OGE 2025. Nós apresentámos uma proposta de alteração para cortar a verba destinada à compra de viaturas, mas a bancada do Governo votou contra”, disse.

Bianco destacou ainda que, neste momento, a responsabilidade pela execução do orçamento está inteiramente nas mãos da maioria governamental. “Agora, a fase de execução do OGE 2025 é da competência deles, porque são eles que têm o poder nesta VI Legislatura”, afirmou.

A Presidente do Parlamento Nacional, Fernanda Lay, defendeu recentemente a decisão da instituição de adquirir novas viaturas para os deputados, justificando que os veículos atualmente disponíveis estão em más condições.

“Esses carros já estão todos danificados, por isso é que o Conselho de Administração aprovou, no ano passado, o orçamento para comprar os carros este ano”, explicou.

Segundo Fernanda Lay, a substituição dos carros é uma medida necessária para evitar custos elevados com manutenção. “Temos mesmo de trocar, porque senão o gasto é muito maior”, acrescentou.

A Presidente reconheceu que a responsabilidade pela boa gestão dos recursos públicos não recai apenas sobre o Parlamento, mas sobre todas as instituições do Estado. “Não é apenas o Parlamento que compra viaturas. Todas as instituições devem ser controladas, e a sociedade civil tem um papel importante em garantir que essas aquisições sigam os devidos procedimentos”, concluiu.

O EUTL submeteu esta quinta-feira (04.09) uma carta de reconhecimento de manifestação ao Comandante-Geral da Polícia Nacional de Timor-Leste, Comissário-Geral Henrique da Costa.

A ação pacífica, organizada em conjunto com outros grupos da sociedade civil, está agendada para o dia 15 de setembro, na área do campus central da UNTL, em frente ao Parlamento Nacional.

O objetivo principal da manifestação é exigir o cancelamento e a suspensão da prática de compra de viaturas novas para deputados; a alteração da lei da pensão vitalícia; a revisão da lei da manifestação e a alocação do orçamento para setores produtivos e infraestruturas básicas.

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