Casos de consumidores que encontraram larvas em garrafões voltam a gerar desconfiança sobre a qualidade da água potável em Timor-Leste. Autoridade reconhece limitações nos testes laboratoriais e admite recorrer ao exterior por falta de reagentes.
As preocupações com a potabilidade da água em garrafão em Timor-Leste não são novas, mas continuam a surgir relatos de problemas. Jónio Freitas, oficial júnior de apoio ao cliente da Bee Timor-Leste (BTL) em Liquiçá, recorda uma experiência desagradável com uma marca local de água em garrafão. Numa manhã de 2022, comprou um garrafão e deixou-o em casa. Ao regressar para o almoço, ao meio-dia, prestes a encher o copo, reparou que havia algo estranho no fundo do recipiente. Ao observar com mais atenção, viu que se tratava de larvas de mosquito misturadas com resíduos de calcário.
De imediato, alertou a família para não consumir a água — que entretanto já poderia ter sido ingerida — e despejou o garrafão, guardando apenas uma pequena porção para gravar um vídeo.
“Fui logo queixar-me ao dono do quiosque onde comprei o garrafão de água. Os vizinhos, incluindo o próprio dono da loja, confirmaram ter tido a mesma experiência, dizendo que a água não durava sequer uma semana depois de aberta”, contou. Desde então, o estabelecimento deixou de vender essa marca e optou por outra, considerada mais limpa.
Segundo Jónio Freitas, a ausência de fiscalização das empresas no município — por se encontrar distante de Díli — contribui para a falta de controlo da qualidade da água em Liquiçá.
As queixas multiplicam-se nas redes sociais e voltaram a ganhar força recentemente. Há duas semanas, num domingo de manhã cedo, Nilda Octavia da Fonseca, de 17 anos, acordou, pegou no seu cantil — onde tinha colocado água na noite anterior — e bebeu ainda no escuro. Sentiu-se mal de imediato. Ao acender a luz e olhar para dentro, deparou-se com larvas de mosquito a mexer-se.
“Assustei-me e gritei. Foi a primeira vez que encontrei algo assim”, contou. De seguida, mostrou aos pais, que, incrédulos, decidiram esvaziar o garrafão colocado no dispensador. No final, encontraram mais larvas de mosquito. A família queixou-se no quiosque onde tinha comprado a água, mas o dono alegou desconhecer o problema e apontou responsabilidades à empresa distribuidora.
Desde então, a família só retira água quente do dispensador, na esperança de que o processo de aquecimento mate eventuais microrganismos. Segundo Nilda, outros familiares já passaram por experiências semelhantes e optaram por deixar de consumir água em garrafão.
“Vi que o próprio garrafão parecia sujo. Sugiro que seja mais bem selado e que se assegure a potabilidade da água, para termos confiança no consumo”, apelou a jovem. Acrescentou ainda que os quiosques e lojas devem manter higiene nos garrafões e no ambiente onde são armazenados, evitando também a exposição solar, que pode provocar a libertação de microplásticos. “A água é essencial e o nosso corpo é maioritariamente composto por água. As entidades têm de garantir a sua qualidade”, sublinhou.
Também Maria Cardoso, finalista do curso de Comunicação Social da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), partilhou a sua preocupação. Recordou que, no início, a água em garrafão parecia segura, mas recentemente começou a notar alterações. “Ultimamente, a água parece suja, como se tivesse giz. Às vezes, até sentimos cheiro, como se fosse de há muito tempo”, afirmou.
A família de Maria, que também tem uma loja onde vende garrafões, receia que os clientes sintam o mesmo problema, mas não sabe a quem recorrer para apresentar queixa. A estudante defendeu que a Autoridade de Inspeção e Fiscalização das Atividades Económicas, Sanitárias e Alimentar (AIFAESA) deveria dar maior atenção aos produtos locais, através de fiscalizações diretas, para assegurar a qualidade da água potável e proteger a saúde pública.
Vídeos partilhados nas redes sociais mostram a presença de insetos em garrafões de água ainda selados.
AIFAESA admite falhas nos testes e aponta limitações laboratoriais
A AIFAESA, responsável pela garantia da qualidade dos produtos alimentares em Timor-Leste, assegura que realiza inspeções regulares a alimentos e bebidas disponíveis no mercado, incluindo a água em garrafão.
O diretor do Departamento de Planeamento Operacional de Risco Alimentar e Laboratório da AIFAESA, Ângelo Belo, admitiu a existência de queixas e confirmou ter recebido relatos de contaminação. Contudo, frisou que não se pode afirmar que a água não é potável sem resultados laboratoriais fiáveis.
As reclamações, explicou, precisam de ser devidamente rastreadas, uma vez que a contaminação também pode ocorrer nas casas dos consumidores ou nos pontos de venda. “Os micróbios existem em todo o lado. Se abrirmos a água, podem entrar micróbios. Assim, não podemos garantir a potabilidade e culpar apenas a indústria”, esclareceu.
No caso de bichos encontrados em garrafões selados, Belo defendeu a necessidade de rastrear todo o processo: “Temos de verificar onde foi comprada a água, quanto tempo esteve armazenada no local antes de ser adquirida, e só depois investigar a indústria e a data de produção.”
O responsável revelou que a AIFAESA já recebeu queixas em que se comprovou que a contaminação estava no próprio dispensador dos clientes, adquirida recentemente e ainda sem condições de higiene.
Apesar disso, admitiu que houve confirmações laboratoriais de contaminação em amostras de água de indústrias nacionais, mas os testes foram limitados devido à escassez de reagentes. “Em algumas reuniões, a direção de toxicologia do laboratório referiu que encontrou sinais de contaminação, mas sem dados completos. Precisávamos desses dados para tomar medidas preventivas”, alertou.
Quanto ao prazo de validade dos garrafões, Ângelo Belo esclareceu que não há ainda um período definido em Timor-Leste, devido à complexidade do processo e à necessidade de laboratórios adequados. Internacionalmente, os garrafões de água têm uma duração de um a dois anos, dependendo das condições de produção e armazenamento.
Fiscalizações revelam más condições e levam à suspensão de empresas
Ângelo Belo revelou que, no mês passado, a AIFAESA suspendeu uma empresa local de produção de água em garrafão devido a deficiências nas condições físicas da indústria, que comprometiam a qualidade do produto.
O dirigente adiantou ainda que, há duas semanas, foi realizada uma nova fiscalização a várias indústrias, na qual foram encontradas contaminações em alguns lotes de amostras. Contudo, sublinhou que a inspeção ainda está em curso e que, por isso, não é possível apresentar informações completas.
De acordo com o responsável, a fiscalização decorre a cada três meses e inclui a observação das condições físicas das indústrias, bem como a recolha de amostras para testes regulares. Porém, reconheceu que a falta de reagentes tem limitado a avaliação da qualidade da água.
“Normalmente, é a Direção-Geral do Laboratório Nacional de Saúde que faz a avaliação da qualidade da água, mas nunca recebemos informação sobre os resultados”, explicou. Acrescentou que, no mês passado, o laboratório comunicou que as amostras enviadas pela AIFAESA não puderam ser analisadas por falta de reagentes.
Face a esta situação, a AIFAESA pretende enviar amostras de garrafões para laboratórios acreditados no estrangeiro. “Vamos reunir-nos hoje com as empresas para tratar desta questão. Este mês ou, no mais tardar, no próximo, enviaremos as amostras para fora do país”, garantiu Ângelo Belo.
O dirigente reconheceu que esta solução é mais cara e demorada do que adquirir reagentes, mas defendeu que é a única forma de assegurar resultados fiáveis. “O Laboratório Nacional de Saúde, em Timor-Leste, ainda não é acreditado”, sublinhou.
A suspensão da empresa de produção de água em garrafão deveu-se à deteção de várias falhas de higiene e segurança. Entre os cerca de 20 indicadores avaliados, cinco não foram cumpridos: drenagem a céu aberto, pavimento danificado, teto e paredes em mau estado, armazenamento conjunto de detergentes e alimentos, e gestão inadequada de resíduos e lixo, incluindo industriais, que não eram devidamente tapados nem neutralizados antes da libertação no ambiente.
Segundo Belo, quando as empresas falham em menos de cinco indicadores, a AIFAESA solicita melhorias. Caso não haja correção, procede à suspensão. “Se houver repetição das mesmas falhas, podemos avançar para o encerramento definitivo”, afirmou.
Relativamente a uma outra suspensão, o diretor explicou que se tratou de uma fiscalização desencadeada após uma queixa contra uma marca específica. Em junho, o Ministério do Comércio e Indústria, em coordenação com o Laboratório Nacional de Saúde, detetou a presença de fluoreto em amostras da empresa. “Depois da contestação da empresa, o Ministério pediu à AIFAESA que liderasse o processo. Para garantir justiça, enviámos as amostras para um laboratório acreditado no estrangeiro, e o resultado confirmou que quatro em 12 lotes estavam contaminados”, esclareceu.
Água contaminada causa meio milhão de mortes por ano, alerta a OMS
A Organização Mundial da Saúde (OMS) lembra que o acesso a água potável continua a ser um desafio global com graves consequências para a saúde pública. Segundo dados da organização, em 2022, pelo menos 1,7 mil milhões de pessoas em todo o mundo ainda bebiam água contaminada com fezes, o que representa o maior risco de toxicidade.
A água contaminada é responsável por doenças como cólera, disenteria, febre tifóide e poliomielite, provocando anualmente cerca de 505 mil mortes por diarreia. Os riscos não se limitam aos microrganismos: produtos químicos como arsénico, fluoretos, nitratos, pesticidas e microplásticos estão também presentes em muitas fontes de abastecimento.
Apesar dos avanços, quase 2,2 mil milhões de pessoas continuam sem acesso a serviços de abastecimento de água geridos de forma segura. As desigualdades são visíveis entre áreas rurais e urbanas, mas também dentro das próprias cidades, sobretudo em bairros informais e de baixo rendimento.
A OMS alerta ainda que a falta de água salubre compromete a higiene básica, essencial para prevenir doenças diarreicas e infeções respiratórias, além de agravar riscos associados a insetos que se reproduzem em água parada, como os mosquitos transmissores de dengue.



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