Esgotos a céu aberto em Díli: perigo para a saúde e para o mar

~Resíduos acumulados na água da valeta / Foto: Diligente

Entre o Ministério da Juventude e o mar, uma vala a céu aberto despeja diariamente águas residuais carregadas de detergentes, resíduos domésticos e lixo, contaminando a costa de Díli. O mau cheiro e a degradação das praias preocupam moradores e ambientalistas, que alertam para riscos graves para a saúde pública e para a biodiversidade marinha.

Ao lado do Ministério da Juventude, Desporto e Cultura (MJDC), a água da valeta corre diariamente carregada de resíduos domésticos contaminados com detergentes, sabonetes e outros resíduos químicos. A água poluída segue diretamente para o mar, sem qualquer tratamento, agravando a degradação ambiental na capital. Este não é um caso isolado em Díli.

Perto da estrada principal, barreiras improvisadas tentam impedir a passagem de lixo plástico, mas a poluição líquida permanece sem solução. Detergentes, espuma, restos de comida e outros resíduos domésticos são arrastados continuamente pela corrente, colocando em causa a saúde pública e a qualidade da água costeira.

O cidadão Manuel Guterres, que passa frequentemente junto à valeta, descreve um cenário desagradável. “O cheiro é tão intenso que, muitas vezes, sou obrigado a tapar o nariz com a mão ou com a camisa. Percebe-se claramente que vem diretamente das casas.”

De acordo com Manuel, o mau cheiro afeta o dia a dia dos moradores. “Parece que não conseguem comer com tranquilidade. Quando chove, a valeta enche-se de água e arrasta ainda mais resíduos.” Apesar de existir uma rede para filtrar o lixo sólido, não há qualquer mecanismo para tratar a água contaminada. “Será que o Governo tem um plano para resolver este problema? É uma situação grave para a saúde pública”, questiona.

Julieta Soares, moradora no suco de Grisenfor, mudou-se para Díli em 2021 e relata que o problema é antigo. “Quando cheguei, não suportava o cheiro. Com o tempo, acabei por me habituar. Vejo todos os dias a água passar com resíduos de louça, roupa e detergentes. Aqui, deitamos diretamente na valeta porque não temos alternativa”, afirmou.

A moradora revelou ainda que nunca recebeu qualquer orientação sobre a necessidade de tratar a água antes de a lançar na valeta ou no mar. “Uma vez, uma entidade veio avisar para reabilitar a valeta, para a água correr melhor. Mas sobre o tratamento da água, não disseram nada”.

Esgoto e lixo ameaçam biodiversidade e afastam banhistas

Delvio da Costa Siqueira, ambientalista, recorda que, há cerca de dez anos, as praias de Díli eram limpas e procuradas pela população para lazer e descanso. Atualmente, o cenário é diferente. O ambientalista lamenta que espaços como a Praia dos Coqueiros estejam praticamente desertos devido à poluição.

“Antigamente, muitas pessoas vinham para tomar banho e relaxar. Agora, quase ninguém o faz. O mar está contaminado com lixo, detergentes, sabonetes e outros resíduos domésticos”, afirma.

Segundo Delvio, o problema estende-se a outras zonas costeiras, como a praia de Dolok Oan. Para  inverter a situação, defende que o Governo crie e aplique regras rigorosas para impedir a deposição de lixo e resíduos na areia e no mar, protegendo assim o ecossistema marinho.

“Quem vai ao mar já não respira ar fresco. Muitas vezes, sente o cheiro da água contaminada. Há casos de comichão na pele depois do banho”, alerta.

Além da poluição, Delvio chama a atenção para o aumento do nível do mar, que, segundo dados globais, tem subido cerca de 3,2 milímetros por ano. “Vemos agora pedras colocadas na orla para conter a força das ondas, consequência do comportamento humano que não sabe cuidar do ambiente.”

Para o especialista, o crescimento populacional e o aumento do consumo estão a agravar a pressão sobre o meio ambiente, exigindo soluções modernas e eficazes. Uma das medidas que propõe é a adoção de tecnologias de filtragem e limpeza antes de a água chegar ao mar.

“No Japão, por exemplo, existem máquinas que filtram os resíduos antes de a água ser descarregada no oceano. Precisamos de adotar soluções assim”, concluiu.

“Pode passar água suja, mas pelo menos evitamos que o lixo plástico chegue ao mar.”/ Foto: Diligente

Fiscalização ambiental não chega às residências

De acordo com o presidente da Autoridade Nacional de Licenciamento Ambiental (ANLA), Maximiano de Oliveira, o descarte de águas residuais para as valetas – e destas para o mar – continua a ser uma prática comum em Díli, tanto em zonas residenciais como em algumas atividades económicas.

“Normalmente, a água que lava a louça com detergente e a usada para tomar banho, com sabonete, escoa pelas valetas até ao mar, causando impacto direto nos ecossistemas marinhos”, sublinhou.

Segundo o responsável, o problema não se resume aos detergentes. Restos de comida e lixo sólido acabam frequentemente misturados nas águas residuais, agravando a poluição.

“Quer se queira ou não, a água vai para o mar. Por isso, orientamos para que restos de comida e lixo não sejam deitados junto com a água suja, para não prejudicar o ambiente marinho.”

Para minimizar os danos, Maximiano defende a instalação de sistemas de filtração capazes de reter plásticos e outros resíduos sólidos. “Pode passar água suja, mas pelo menos evitamos que o lixo plástico chegue ao mar.”

O presidente da ANLA destacou que algumas empresas, como o Timor Plaza e o Novo Turismo, já dispõem de estações de tratamento de água que separam e tratam resíduos líquidos e sólidos antes de descarregar a água na rede pública. “Este tipo de equipamento é fundamental para reduzir a carga poluente antes da descarga.”

Maximiano referiu também o caso do hotel e restauranteJL-World, na Areia Branca, cujo sistema de escoamento foi verificado pela ANLA antes da emissão da licença de funcionamento. “Sempre que há pedido de licenciamento, enviamos a equipa ao local para avaliar as condições e garantir que existem medidas de mitigação.”

O Decreto-Lei n.º 39/2022 estabelece multas que variam entre cinco mil e 250 mil dólares americanos para empresas que descarreguem água contaminada diretamente no mar sem tratamento prévio, dependendo da gravidade do impacto ambiental e social.

Apesar disso, a atuação da ANLA está centrada em oficinas, restaurantes, hotéis, indústrias de tofu e outras grandes empresas.

“A fiscalização das residências particulares penso que que é da responsabilidade da Autoridade Municipal de Díli. Porém, na prática, são as casas da população que produzem grande volume de esgoto doméstico e ainda não estamos a fiscalizar”, reconheceu.

Investimento do MCC em Timor-Leste

O Millennium Challenge Corporation (MCC), agência independente do Governo dos Estados Unidos da América criada em 2004 para apoiar programas de desenvolvimento em países parceiros, está a investir em Timor-Leste um total de 420 milhões de dólares, ao longo de cinco anos (2022–2027). Ao montante acordado, o Governo timorense acrescenta 64 milhões, elevando o investimento global para cerca de 484 milhões de dólares.

O projeto Water, Sanitation and Drainage (WSD) prevê a construção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Díli, a instalação de um emissário submarino para o lançamento de efluentes tratados no mar, a modernização das redes de abastecimento de água e saneamento, bem como a execução de obras de drenagem destinadas a prevenir inundações e reduzir a poluição costeira.

Para gerir este Compacto, o Governo criou, em novembro de 2022, o Millennium Challenge Account – Timor-Leste (MCA-TL), formalizado pelo Decreto-Lei nº 96/2022 como instituto público tutelado pelo Ministério das Finanças. A entidade é responsável por facilitar e coordenar a execução dos projetos durante o período de vigência do acordo.

Segundo o presidente da ANLA, o MCC ainda não iniciou a execução das obras. “O MCC já submeteu os seus documentos à ANLA e o processo encontra-se na fase de nomeação. Porém, ainda não foi concluído nem obteve o licenciamento ambiental, razão pela qual as atividades ainda não começaram”, explicou.

O Diligente tentou, por diversas vezes, contactar a Autoridade Municipal de Díli, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo.

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