Secas prolongadas, inundações e deslizamentos de terra são os principais desastres naturais relacionados com as alterações climáticas no território timorense. Mais do que uma ameaça, estes fenómenos são já uma realidade que afeta a população e as produções agrícolas. Os fenómenos meteorológicos extremos têm impacto a nível socioeconómico, principalmente em países em desenvolvimento, como Timor-Leste.
Mulheres e crianças estão entre os grupos que mais sofrem com as mudanças climáticas. Em Timor-Leste, essa realidade é ainda mais visível devido ao sistema patriarcal, especialmente nas zonas rurais. O relatório “Impactos das alterações climáticas em Timor-Leste em mulheres”, da OXFAM, lançado na quarta-feira (23.07), refere que as secas prolongadas têm intensificado a escassez de água e enfraquecido as produções agrícolas. Este cenário afeta desproporcionalmente as mulheres, dado o seu papel na economia familiar.
“São as principais responsáveis pela recolha de água, gestão das necessidades domésticas e manutenção das atividades agrícolas. A seca de poços e nascentes obriga mulheres e crianças, em regiões como Ermera e Manatuto, a percorrer longas distâncias — por vezes até uma hora — para conseguirem ter acesso a água”, lê-se no documento.
O relatório destaca que os impactos globais da escassez de água começam nos hábitos do quotidiano – a higiene deixa de ser prioridade e dá-se um aumento da insegurança alimentar – e acabam na perda de colheitas e na morte de gado. Tudo somado, a saúde pública e a economia familiar ficam expostas a riscos que são tanto maiores quanto mais frágil é o contexto socioeconómico.
A nível doméstico, há pessoas que sobrevivem apenas com quatro litros de água por dia — muito abaixo dos padrões internacionais de saúde, que apontam para valores entre 50 a 100 litros diários, por pessoa.
Além das secas prolongadas, os impactos das alterações climáticas incluem inundações e deslizamentos de terra. Segundo o relatório, o ciclone Seroja, que atingiu Timor-Leste em abril de 2021, afetou mais de 178 mil pessoas, destruiu casas e infraestruturas e causou a perda de cerca de 8 mil toneladas de arroz.
Manuela Rosário Soares, agricultora de Ermera, relatou aos investigadores da OXFAM que o desastre climático destruiu as suas colheitas, o gado e os campos, que eram a principal fonte de rendimento da família. Tentou mitigar os danos, plantando gramíneas resistentes à erosão e reforçando o solo com pedras, mas continua a viver com medo e ansiedade devido às inundações recorrentes, que anulam os seus esforços.
“Em noites de chuvas fortes, ficamos acordados com medo, a rezar pela nossa segurança, enquanto tentamos proteger os pertences e o gado”, refere o relatório.
Manuela e a sua família não conseguem sair daquela zona por se tratar de uma herança familiar, apesar dos riscos de inundação. Quando tentaram mudar-se provisoriamente para um local mais elevado, a sorte não os acompanhou, uma vez que lhes roubaram o restante gado. Apesar dos vários pedidos de apoio dirigidos ao Governo, até hoje ainda não receberam resposta.
Outros impactos das alterações climáticas incluem a subida do nível do mar, a erosão costeira e os padrões climáticos imprevisíveis, que comprometem meios de subsistência como a pesca e aquicultura.
Fundos climáticos para Timor-Leste
Um outro relatório da OXFAM, lançado igualmente na quarta-feira (23.07), – “Justiça climática para as mulheres em Timor-Leste: acompanhando o financiamento climático para construir resiliência“ – indica que Timor-Leste recebeu um total de 242 milhões de dólares entre 2018 e 2023 — uma média de 40 milhões por ano. Os financiamentos foram concedidos por doadores bilaterais, incluindo o Fundo Verde para o Clima (GCF), o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Embora 71% dos apoios se destinem à promoção da igualdade de género, apenas cerca de 2,4% do total é verdadeiramente canalizado para esse tipo de iniciativas. “Além disso, os grupos de mulheres têm recebido uma parcela desproporcionalmente pequena do financiamento climático, o que limita a sua capacidade de liderança e de decisão em iniciativas de resiliência climática”, destaca o relatório.
Segundo o embaixador da Mudança Climática em Timor-Leste, Adão Barbosa, o país ainda não tem acesso direto aos fundos climáticos porque falta uma entidade nacional implementadora. Enquanto aguarda a sua criação, o acesso tem sido feito através de entidades multilaterais acreditadas – PNUD, FAO, UNEP, UNICEF –, que apoiam o desenvolvimento das propostas.
O embaixador informou que Timor-Leste recebeu 65,3 milhões de dólares do Fundo Verde para o Clima, destinados à mitigação dos impactos climáticos em países menos desenvolvidos.
A chefe do Programa de Alterações Climáticas e Ambiente do PNUD, Felisberta Moniz da Silva, explicou que o programa implementou projetos como a conservação de mangais, com um orçamento de 7 milhões de dólares, promovendo meios de subsistência sustentáveis: pesca, aquicultura e ecoturismo.
Atualmente, o PNUD executa projetos no valor de 32,4 milhões de dólares. Entre eles, 66 projetos de sistemas de abastecimento de água, irrigação, estradas rurais e proteção de encostas, beneficiando 137 mil pessoas, em seis municípios. “Em Viqueque, há comunidades que, pela primeira vez, têm acesso a irrigação”, relatou.
Outros projetos em curso incluem a reabilitação de 300 hectares de terrenos degradados e a criação de um sistema de informação climática. “Há dois sistemas: um mapa de vulnerabilidade climática e avaliação de riscos múltiplos, e um sistema de dados sobre perdas e danos — essencial para aceder ao fundo correspondente”, explicou Felisberta.
Também está em curso a instalação de painéis solares no Instituto Nacional de Farmácia e Produtos Médicos, com capacidade de 310 quilowatts — o que representa 90% de autossuficiência energética —, e em 15 escolas secundárias e técnico-vocacionais.
Para o embaixador da Mudança Climática, Adão Barbosa, estes projetos têm um grande impacto: “Nas zonas rurais, o acesso à água era muito difícil. As mulheres tinham de caminhar quilómetros. Agora, mesmo que a água não chegue a cada casa, pelo menos está disponível no centro da comunidade”, afirmou.
A representante da UNICEF em Timor‑Leste, Patrizia DiGiovanni, salientou que as crianças também são afetadas pelas alterações climáticas: “São atingidas pela poluição e pelos seus efeitos diretos – qualquer perturbação nos serviços públicos afeta-as ainda mais.”
A UNICEF já contou com o apoio de cinco governos diferentes, em projetos no valor de 8 milhões de dólares, para o desenvolvimento de setores como água, saneamento, saúde, educação, nutrição, proteção infantil e política social, incluindo sempre a análise de risco climático em todas as áreas.
O Índice de Perceção da Corrupção 2024, da Transparência Internacional, alertou para o impacto da corrupção na crise climática global. Timor-Leste ocupa a 73.ª posição, com 44 pontos — mais um ponto do que no ano anterior. O relatório refere que a ausência de mecanismos adequados de transparência e responsabilização aumenta o risco de má utilização dos fundos climáticos.
Segundo Carlos Conceição, diretor Nacional da Alteração Climática, as agências internacionais envolvem sempre o Governo na monitorização. Embora reconheça que os projetos têm impacto, considera que os benefícios não são ainda totalmente aproveitados pelos timorenses, uma vez que os cargos mais bem remunerados são, em geral, ocupados por estrangeiros. “Os timorenses também recebem salários, conforme acordado, mas é preciso reforçar a sua capacidade técnica e de gestão financeira”, afirmou.
O diretor apelou à capacitação das entidades nacionais para que possam, no futuro, aceder e gerir diretamente os fundos climáticos. Acrescentou que o Governo está a trabalhar para preparar instituições para esse objetivo, como o Banco Nacional de Comércio de Timor-Leste.
A era da energia limpa
O secretário-geral da ONU, António Guterres, defende que as alterações climáticas devem ser encaradas não apenas como um problema, mas como uma oportunidade de crescimento. No seu discurso (23.07), na sede da ONU, apelou à substituição dos combustíveis fósseis “por energia limpa”.
“Sigam o dinheiro! No ano passado, foram investidos 2 biliões de dólares em energia limpa — mais 800 mil milhões do que em combustíveis fósseis, e quase 70% mais do que há dez anos”, afirmou. A energia solar, que já custou quatro vezes mais do que os combustíveis fósseis, é agora 41% mais barata, segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis.
Em 2023, o setor da energia limpa impulsionou 10% do crescimento do PIB global: Índia (5%), EUA (6%), China (20%) e UE (quase 33%). Este setor emprega já 35 milhões de pessoas — mais do que o dos combustíveis fósseis.
Adão Barbosa vê na ideia de mitigação climática uma oportunidade para Timor-Leste beneficiar a nível económico, social e ambiental. “Podemos obter benefícios económicos, sociais e ambientais, com apoio financeiro, técnico e tecnológico, no sentido de mitigar emissões de gases com efeito de estufa, reduzindo também a sua incidência na saúde pública”, sublinhou, referindo ainda os apoios para lidar com “perdas e danos, tanto económicos como não económicos”.
O futuro da energia limpa em Timor-Leste está mais próximo: o maior centro de painéis solares do país situa-se no campus da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, em Hera, com uma capacidade de 500 quilowatts. “Segundo a EDTL, estas instalações fornecem 11% da energia total consumida no país”, afirmou o embaixador.
Ainda assim, António Guterres alertou para os perigos da dependência contínua de combustíveis fósseis. “Os países que insistem nos fósseis não estão a proteger as suas economias — estão a sabotá-las”. O secretário-geral salientou ainda que os minerais usados na transição energética verde são frequentemente extraídos em países historicamente explorados, perpetuando injustiças.
Questionado sobre o impacto das declarações de António Guterres, perante os planos timorenses para o projeto Greater Sunrise, Adão Barbosa defendeu que as emissões resultantes não ultrapassariam 1% do total global. “Contribuímos com apenas 0,003% das emissões globais. Mesmo os 49 países menos desenvolvidos, em conjunto, representam menos de 2%”, afirmou. As florestas timorenses absorvem mais de mil gigagramas de CO2 por ano, e, em 2015, as emissões do país baixaram 72% em relação a 2005.
Finalmente, Guterres falou da transição energética, referindo-se especificamente à Inteligência Artificial (IA), sugerindo que as indústrias tecnológicas sejam um exemplo nesse processo, já que representam uma fatia considerável no consumo de energia a nível global.
“Um centro de dados de IA consome tanta eletricidade como 100 mil casas. Os maiores poderão consumir vinte vezes mais. Até 2030, poderão consumir tanta eletricidade como todo o Japão atualmente”, alertou. Nesse sentido, apelou a que todas as grandes empresas tecnológicas utilizem 100% de energias renováveis nos seus centros de dados até 2030 e que adotem práticas sustentáveis no uso da água.
“O futuro está a ser construído na nuvem. Tem de ser alimentado pelo sol, pelo vento e pela esperança num mundo melhor. A energia limpa que devemos fornecer também deve garantir equidade, dignidade e oportunidades para todos”, concluiu o líder da ONU, alertando para a importância dos governos, que devem liderar a transição energética de olhos postos na educação, formação e no reforço da proteção social.


